Janeiro - 2025 - Edição 304
Clarice e o “dinheirro”
Conheci Clarice Lispector na casa
dos amigos Míriam e Pedro Bloch. Aos
domingos, ele costumava receber amigos
queridos, como a mencionada Clarice
e outros escritores, como Jorge Amado,
Orígenes Lessa e Fernando Sabino, entre outros.
Assim nasceu uma certa intimidade entre nós, consolidada
pelo convite feito por Adolpho Bloch, para que ela colaborasse na
revista Manchete, fazendo entrevistas em que os temas recorrentes
eram amor, morte, solidão e fracasso. Tinham o formato pergunta
e resposta, sendo também aproveitadas na revista Fatos & Fotos,
da qual eu também era chefe de reportagem.
Isso me deu um trabalho adicional. O velho Bloch pediu que
eu tomasse conta dela e dos seus interesses financeiros. Mal saía
a matéria, como foi o caso da entrevista com Elis Regina, lá vinha
o telefonema da escritora nascida na Romênia, com o seu sotaque
característico: “Arrnaldo, preciso do meu dinheirro e não posso
esperar muito tempo.” Eu fazia o que era possível, junto à nossa
contabilidade, para que ela não demorasse a receber o que lhe era
devido. Isso acontecia praticamente todas as semanas. As entrevistas estão no livro De Corpo Inteiro. Da lista de entrevistados,
constam nomes como Maísa, Tom Jobim, Djanira, João Saldanha,
Oscar Niemeyer e Rubem Braga. Ela pediu a Jorge Amado que
fizesse uma crítica da sua obra: “Meus livros são rudes, sem finuras
nem filigranas de beleza. São pobres de linguagem e muitas coisas
mais. São livros simples, de um contador de histórias da Bahia.”
Muitas dessas entrevistas (25) ficaram inéditas. Clarice era considerada enigmática, mas às vezes se revelava um pouco, valorizando o que chamamos de processo criativo.
Quando entrevistou Elis Regina, quis arrancar da cantora
gaúcha algo mais do que uma explicação sobre a sua fama de
“mau colega”. Ela sempre procurou explorar o âmago da coisa. E
arrancou de Zagallo essa revelação: “Com exceção de Jorge Amado
e Érico Veríssimo, não conheço escritores que se sustentem apenas com a venda de livros.” Nelson Rodrigues precisava escrever
três crônicas diárias para garantir a sua sobrevivência. Enfim, uma
grande escritora.