Junho - 2023 - Edição 292
De Rachel a Chico
Foi mais do que justa a entrega do
Prêmio Camões de Literatura a Chico
Buarque de Hollanda por parte do presidente Lula, em sua recente visita a
Lisboa. Foi uma concessão antiga, mas o
ex-presidente Bolsonaro não quis fazer a
entrega, e nem Chico se mostrou disposto a receber a láurea das
suas mãos. Caso típico de incompatibilidade de gênios. Com um
detalhe fundamental: além do diploma, assinado pelo Presidente
da República (os dois), havia uma “homenagem” em dinheiro de
100 mil dólares (a metade por país).
Isso agora foi resolvido, com honra para todas as partes.
Conheço bem a história desse prêmio. No ano de 1993, fui chamado ao gabinete do presidente da ABL, Austregésilo de Athayde, que
me convidou para integrar o júri, ao lado de dois outros imortais:
Oscar Dias Correa e João de Scantimburgo. Athayde, no seu caso,
fez duas ponderações: a primeira é que eu seria o coordenador da
bancada brasileira por ser o acadêmico mais antigo; a segunda
é que ele fazia absoluta questão de dar o prêmio à sua querida
amiga Rachel de Queiroz, no caso, por coincidência, minha madrinha na Casa de Machado de Assis.
Só senti o peso da missão quando entrei no avião e vi a família de Jorge Amado instalada em poltronas confortáveis. Estavam
todos indo igualmente para Lisboa, com o mesmo propósito: dar
o prêmio ao grande escritor baiano, muito querido em Portugal.
Comentei com outro membro do júri que a parada iria ser duríssima. E foi.
Quando foi instalada a Comissão, com os representantes de
Portugal, entendi que, por gentileza, deveria propor a presidência
para a catedrática portuguesa da Universidade de Lisboa. Gesto de
fidalguia. Mas ela retribuiu de forma estranha: abriu os trabalhos
e logo propôs o nome de Jorge Amado para vencedor do prêmio.
Como ficaria o meu compromisso com Athayde?
Durante cinco horas, dei as maiores voltas da minha vida.
Comecei propondo que fosse uma mulher. Para experimentar o
júri, sugeri o nome de Lygia Fagundes Telles. Não colou. Os portugueses insistiam em Jorge Amado (e com fortíssimas razões). Com
o apoio dos meus parceiros, joguei o nome da Rachel na cena. Aí
foi uma briga demorada. Até que um dos jurados portugueses se
aborreceu e disse: “Querem saber de uma coisa, sou poeta, só voto
em poetas. O meu candidato é Augusto de Campos.” Cutuquei o
Oscar e lhe disse: “Ganhamos!” Tínhamos três votos, os portugueses ficaram com dois para o Jorge Amado e o Augusto de Campos
com um. Tudo isso depois de cinco horas de debate.
Em tempo, o incrível Jorge Amado ganhou o Prêmio Camões
do ano seguinte, por unanimidade.