Setembro - 2022 - Edição 283

Ruy Castro e a imortalidade

Logo que fui contratado pelo Adolpho Bloch, em janeiro de 1960, para ser chefe de reportagem da revista Manchete, no lugar de Darwin Brandão, preocupei-me com o quadro de repórteres com que passaria a contar, para ajudar Justino Martins no comando da publicação. Ele era um excelente profissional, mas, recém-chegado de Paris, tinha a cabeça quase inteiramente voltada para os assuntos da capital francesa. A minha primeira e fundamental obrigação foi “nacionalizar” os temas – e para isso precisava de bons repórteres. Três deles eram fora de série: Ruy Castro, Ney Bianchi de Almeida e Fernando Pinto, que já estavam engajados na empresa da rua Frei Caneca, 511.

Tínhamos a obrigação de lutar para alcançar a revista O Cruzeiro, líder absoluta que, na época, tinha incríveis 500 mil exemplares de tiragem. Por sorte minha, eles se davam às maravilhas com o Justino, o que facilitava as coisas. Na verdade, a preocupação do Justino era o acabamento da revista, uma atividade praticamente cinematográfica, tomando como exemplo os modelos do Paris Match e Jours de França, na época as principais publicações francesas. Dispúnhamos de um quadro verdadeiramente espetacular de repórteres fotográficos, o que garantia matérias de qualidade já então com o uso dos ektachromes (fotos coloridas). Lembro de alguns nomes: Nicolau Drei, Gervásio Baptista, Gil Pinheiro, Jankiel Gonczarowska, Antônio Trindade e os craques de São Paulo (alguns até premiados). Na equipe de repórteres, logo tivemos o reforço do Salomão Schvartzman, que saiu de O Globo para enriquecer o time de São Paulo.

Nessa fase, já existia muita admiração pelo trabalho do Ruy Castro. Ele depois se tornaria um mestre da biografia, pesquisando a vida e a obra de Nelson Rodrigues (nosso colega da Manchete Esportiva), Carmen Miranda, Garrincha (com quem eu tinha estado nos preparativos da Copa de 58 na Suécia) e acompanhado a bossa nova e os modernos artistas dos anos 1920. Ruy começou como repórter, no início da década de 1990 e depois passou pelos grandes veículos da imprensa do Rio e de São Paulo. Até hoje é cronista da Folha de São Paulo. A partir de 1990 dedicou-se às biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues (a seu convite estive em São Paulo para falar sobre o autor de O Anjo Pornográfico). Publicou também os romances Bilac Vê Estrelas (2000), Era no Tempo do Rei (2007) e Os Perigos do Imperador (2022). Em consequência desse trabalho, ganhou o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras (pelo conjunto das suas obras). Dessa forma, firmei uma sólida amizade com o Ruy e, quando precisou de algumas informações de “cocheira” sobre o comportamento dessa gente, fui um bom informante dos trabalhos do repórter.

Lembro que, como tinha estado com Garrincha nos treinamentos de Poços de Caldas e Araxá, com fotos que demonstravam isso, tive que abastecer o Ruy Castro de informações sobre os hábitos de bebida do nosso genial ponteiro direito. Amenizando as notícias de que o jogador do Botafogo era um beberrão contumaz. Como ele poderia ser o craque que demonstrou ser se se dizia que ele vivia bêbado? Não era verdade. Fui testemunha e ajudei a salvar a reputação do marido da Elza Soares.


Um novo livro sobre D. Pedro II



O último romance de Ruy Castro, com o qual ele disputará uma vaga na Academia Brasileira de letras, na eleição do dia 6 de outubro, chama-se Os Perigos do Imperador. Ele fantasia um atentado contra D. Pedro II numa viagem aos Estados Unidos, em 1876. A viagem aconteceu, mas o atentado é um exercício ficcional, mistura história verdadeira com imaginação. Ele se diverte com falsificações, como o diário do poeta Sousândrade, que teria deixado supostos originais na feira de antiguidades da Praça XV (no Rio). Deixa ao leitor a conclusão do que é real e o que é imaginação.

Republicano até a alma, o poeta maranhense Sousândrade morou de verdade uns tempos em Nova Iorque e poderia ter inspirado o complô citado nesse livro. Mas terá mesmo acontecido? Isso fica a critério dos leitores. Agora, Ruy Castro é favorito na disputa para a cadeira 13 da Academia Brasileira de Letras. Redimiu-se das críticas à ABL (“lá só se vai para bater papo”). Confessou que lá existem pessoas “maravilhosas”.

Quanto ao Imperador, nunca registrou o atentado em seu diálogo. De volta ao Brasil, em 1877, continuou a conviver com uma imprensa adversária e, mais de uma vez, declarou que se deixasse de ser o imperador, contentar-se-ia em ser professor de uma escola pública. Para provar isso, recusou o convite para posar para uma estátua e sugeriu que usassem o dinheiro para construir escolas. No fundo, parecia saber que o Brasil seria, mais cedo ou mais tarde, república e queria certificar-se de que a posteridade lhe seria amável como soberano. O livro termina com um beijo de James O’Kelly numa jovem, tendo ao fundo as cataratas.