Junho - 2022 - Edição 280

Bom dia para nascer

Com esse título, altamente expressivo, quero homenagear o jornalista e escritor mineiro Otto Lara Resende, que estaria agora comemorando os seus primeiros 100 anos de vida. Tive o duplo privilégio de conviver com ele. Primeiro, nos anos 1950, na redação da revista Manchete, que ele dirigiu com muita competência. Na época, eu era repórter da revista Manchete Esportiva, dirigida por Augusto Falcão Rodrigues, na sala ao lado, na rua Frei Caneca, 511. Depois, quando convivemos durante uns poucos anos na Academia Brasileira de Letras, frequentando no Petit Trianon as sessões das quintas-feiras

Dizer da admiração pela figura humana de Otto Lara é muito pouco. Era um grande e apreciado conversador, dando à sua fascinante personalidade um feitiço hipnótico. Foi com essa personalidade, ao longo da vida (1922-1992), que se tornou um exímio cronista, conciliando jornalismo e literatura. Escreveu um total de 508 crônicas, brilhando nas páginas de O Globo e Folha de São Paulo. Era um missivista compulsivo, acompanhando o embalo das ondas que vão e vêm. Nos livros escritos, o primeiro deles é o Bom Dia para Nascer, de teor emblemático, onde está a sua declaração de princípios. Ali achamos os caprichos da sua privilegiada memória.

Com os dotes inequívocos de liderança, Otto lançou na Manchete dois sabiás da crônica: Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos. E vieram os seus quatro livros de contos: O Lado Humano (1952), Boca do Inferno (1957), Retrato na Gaveta (1962) e As Pompas do Mundo (1975), em que estão as cores fortes da sua imaginação. Alguns desses livros foram depois relançados com novos títulos, por decisão explícita do autor.

Como se disse na Folha de São Paulo de 30 de abril de 2022, “a construção da sua prosa mimetiza a desenvoltura de quem caminha pela cidade misturando dois tipos de registros; passa do observador culto, silencioso e obsessivo às ondulações e devaneios de um distraído.” E mais adiante: “A mobilidade de sua prosa é fascinante. Alinha matéria autobiográfica à matéria literária.”

Otto Lara Resende foi uma figura notável da cultura brasileira e merece todas as nossas homenagens.