Maio - 2021 - Edição 267

Via errada

“Estou em vias de fechar o negócio”, disse um sócio a outro. Desse modo, não creio que a negociação se concretize.
A locução correta é em via de, e significa “a caminho de”; “prestes a”.
Frase correta: “Estou em via de fechar o negócio”, disse um sócio a outro.


Péssima estreia

“Ganhamos o jogo, mas o jogador novato estreiou mal, cometendo aquele pênalti.”
Não me admira a má estreia. O verbo estrear é irregular, isto é, tem alteração do radical ou variação nas desinências em relação ao modelo. Veja a conjugação correta, no pretérito perfeito do indicativo: Eu estreei/ tu estreaste / ele estreou/ nós estreamos/ vós estreastes/ eles estrearam.
Período correto: “Ganhamos o jogo, mas o jogador novato estreou mal, cometendo aquele pênalti.”


Perdão

“Não perdoamos ao erro de ortografia.”
Realmente, erro de ortografia é horrível, mas errar a regência do verbo perdoar também é imperdoável.
Veja: quando se referir a alguma coisa, o verbo perdoar é transitivo direto, ou seja, o objeto direto não pode ser preposicionado.
Frase correta: “Não perdoamos o erro de ortografia.”


Relendo Machado de Assis

Dom Casmurro – Capítulo XXII – Olhos de ressaca “Tinha-me lembrado a definição que José Dias dera deles, olhos de cigana oblíqua e dissimulada’. Eu não sabia o que era oblíqua, mas dissimulada sabia, e queria ver se podiam chamar assim. Capitu deixou-se fitar e examinar. Só me perguntava o que era, se nunca os vira, eu nada achei extraordinário; a cor e a doçura eram minhas conhecidas. A demora da contemplação creio que lhe deu outra ideia do meu intento; imaginou que era um pretexto para mirá-los mais de perto, com os meus olhos longos, constantes, enfiados neles, e a isto atribuo que entrassem a ficar crescidos, crescidos e sombrios, com tal expressão que... Retórica dos namorados, dá-me uma comparação exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer, sem quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá ideia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros, mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me.”


Moral baixa

“A diretora aumentou a moral dos alunos, quando anunciou os vencedores da gincana anual.”
Escrevendo desse modo, não há quem goste de ser premiado.
Veja: a palavra moral, no sentido de “dar ânimo”, é masculina, logo, é o moral.
Período correto: “A diretora aumentou o moral dos alunos, quando anunciou os vencedores da gincana anual.”


Sorriso forçado

“Começou à sorrir quando eu disse que me mudaria para sua cidade.”
Esse sorriso nunca será verdadeiro, escrevendo dessa forma.
Não se admite o acento indicativo de crase antes dos verbos. Ex.: “Voltamos a admirar o céu e suas estrelas”; “A partir de hoje, volto a caminhar.”
Frase correta: “Começou a sorrir quando disse eu que me mudaria para sua cidade.”


O H inicial e final

O h inicial emprega- se:
a) por força da etimologia: hélice, hoje, hora, homem. b) por convenção: hã?, hem?, hum!
Perde-se o h inicial:
a) quando consagrado pelo uso: erva, em contraste com a palavra derivada e erudita: herbáceo.
b) quando deixa de ser inicial em palavras compostas ou derivadas: desarmonia, lobisomem. O h inicial mantém-se quando se liga por hífen a um elemento anterior: pré-história, sobre-humano.
O h final emprega-se em interjeições: ah! oh!


Por Arnaldo Niskier – Ilustrações de Zé Roberto