Outubro - 2020 - Edição 272

Correspondência Cordial

Na surpreendente Correspondência Cordial – Cartas Inéditas de Murilo Mendes para Xavier Placer (Sarau das Letras, RN, 2021), Edmilson Caminha homenageia o famoso remetente – no ano e que se comemora o 120º aniversário de nascimento do poeta – e seu admirável destinatário, o ilustre bibliotecário Xavier Placer (falecido aos 92 anos, em 2008). O conjunto de correspondências apresentado é pequeno, mas de valor inestimável. Inéditos, somam nove cartas, três cartões, dois telegramas e um bilhete, além de uma procuração e um prospecto. Todos enviados em vida pelo famoso poeta mineiro Murilo Mendes ao amigo Xavier Placer, que doou o material para o organizador da obra, Edmilson Caminha, durante uma visita deste à casa do destinatário, em Niterói, Rio de Janeiro, no ano de 2002. Os documentos foram doados ao Museu de Arte Murilo Mendes, em Juiz de Fora (MG), mas só este ano foram publicados em caprichada edição da Sarau das Letras, com projeto gráfico e ilustrações de Augusto Paiva. Professor, jornalista e escritor, Edmilson Caminha nasceu em Fortaleza, Ceará. É membro do PEN Clube do Brasil, da Academia Brasiliense de Letras, da Academia de Letras do Brasil e do Observatório da Língua Portuguesa (em Lisboa). Entre as obras publicadas, estão Inventário de crônicas (1997), Pedro Nava: em busca do tempo vivido (2003) e A solidão no Programa do Jô (2019).

Dostoiévski, sem moderação

Em Dostoiévski, sem Moderação (Sarau das Letras, RN, 2021), Vera Lúcia de Oliveira se debruça sobre o gigante da literatura mundial. Com lucidez, engenhosidade e profunda sensibilidade analítica, a ensaísta envereda pelos caminhos literários mais sublimes do mestre, oferecendo-nos novos ângulos de leitura, como homenagem aos duzentos anos de nascimento e cento e quarenta de morte do autor. Além de ampliar a compreensão do clássico, com uma escrita leve e segura, a narrativa de Vera Lúcia é capaz de proporcionar intenso encantamento a todos os tipos de leitores. Terceiro livro da autora de O Beijo da Mãe e O Beijo de Judas, Dostoiévski, sem Moderação vem acompanhado por belas ilustrações de Augusto Paiva. No prefácio, Ronaldo Costa Fernandes destaca o domínio psicanalítico e estético de Vera Lúcia: “Ela elabora a análise psicanalítica que está nas entrelinhas do texto, no imaginário e no gesto simbólico do personagem. Os enredos da dupla personalidade, o comportamento edipiano, o parricídio, a culpa em Dostoiévski, tudo está sob o foco atento, inteligente e acurado da autora.” A professora Vera Lúcia de Oliveira é formada em Letras pela Universidade de Brasília (UnB), onde se especializou em Literatura Brasileira. Especialista em Teoria Psicanalítica pelo UniCEUB, é membro da Associação Nacional de Escritores e da Academia de Letras do Brasil.

Querida cidade

Primeira narrativa longa do acadêmico Antônio Torres depois de um hiato de 15 anos, Querida Cidade (Editora Record, 2021) reafirma a grandiosidade do talento do autor de Pelo Buraco da Agulha, seu último romance, lançado em 2006. Querida cidade acompanha a história de um protagonista que, assim como outros personagens do livro, deixou a pequena cidade onde nasceu em busca de uma vida melhor. Ao conversar com a mãe sobre o pai, que sumiu sem deixar vestígios muitos anos antes, o filho rememora a sua própria trajetória. Por meio de lembranças, projeções e referências culturais de um Brasil profundo, a narrativa costura imaginação e cotidiano de personagens sem nome, permeados pelo mesmo sentimento de vulnerabilidade que os insere num “mundo flutuante, onde tudo está à deriva”. Com sua escrita elegante, densa e firme, na mesma medida da extrema sensibilidade poética, Torres expõe sentimentos universais, resultando numa obra de grande engenhosidade, em que as palavras surgem como potência para demonstrar a suscetibilidade da alma humana. Aos 81 anos, o baiano Antônio Torres estreou na literatura em 1972, com o romance Um Cão Uivando para a Lua. De lá para cá, publicou 18 livros, entre eles Essa Terra, O Cachorro e o Lobo e Pelo Fundo da Agulha.

Notícia da atual literatura brasileira

No segundo volume da série de livros Notícia da Atual Literatura Brasileira: entrevistas, Vitor Cei, Letícia Malloy e André Tessaro Pelinser (Ed. Cousa, 2021) reúnem 21 entrevistas com escritores de todo o país, realizadas entre novembro de 2019 e junho de 2021. A ideia central dos organizadores é mostrar entrevistas que ofereçam subsídios para a história contemporânea da vida literária. A série se consolida como material de referência destinado tanto aos atuais quanto aos futuros pesquisadores da literatura brasileira. Nas 276 páginas da obra, os organizadores oferecem diálogos com artistas de várias gerações, e de reconhecida importância, como Ester Abreu, Julie Dorrico, Luisa Geisler, Manoel Herzog, Moema Vilela, Paulo Dutra, Raimundo Carrero, Ronaldo Correia de Brito, Santiago Nazarian, Tatiana Nascimento e Wilson Alves-Bezerra, dentre outros. O primeiro volume, publicado em 2020, reuniu 81 entrevistas, incluindo depoimentos de autores já falecidos. A diversidade da atual literatura brasileira está representada nos dois volumes, com escritores de todas as cores e sexos – brancos, negros, indígenas, LGBTQIA+, de diferentes regiões. Há também uma multiplicidade de formas expressivas, do erudito ao coloquial, do confessional ao ficcional. Além de abordar os processos de criação literária, as entrevistas apresentam o contexto social e político do Brasil atual pelo olhar dos escritores, registrando, assim, a evolução comportamental da sociedade brasileira.

Cacos

Na obra Cacos (Editora Penalux, 2021), Carlos Castelo reúne101 mininarrativas distribuídas numa grande variedade de personagens e situações. Irônico e afiado, o autor compõe um mosaico com “cacos” de diversas histórias, todas curtas (algumas condensadas em apenas das ou três linhas). Num verdadeiro exercício de síntese e concisão, aprisiona instantes extremos sem abrir mão da verve humorística. Gregório Duvivier, que assina a orelha do livro, salienta o poder de síntese dos textos: “Carlos Castelo, exímio franco- -atirador, se especializou nessa modalidade específica de literatura. Se um romance é uma maratona, o microconto são cinquenta metros rasos. Carlos convoca todos os músculos da palavra para atingir o mais rápido possível a linha de chegada”. O escritor José Eduardo Degrazia, autor do prefácio, destaca o máximo de intensidade que Castello obtém com o mínimo de palavras: “Na tradição entre o humor, o terror e a comédia de costumes, se inscrevem os minicontos e microcontos de Castelo.” Humor não falta nas páginas de Carlos Castelo, que também é jornalista, publicitário, poeta e compositor. Um dos criadores do Língua de Trapo, grupo musical marcado pela criatividade e irreverência, Castelo é autor de 14 livros que vão de crônicas e aforismos à poesia satírica.

Tanto mar entre nós: diásporas

Tanto Mar entre Nós: diásporas (Ed. Kotter, 2021) é a segunda edição da antologia que irmana Angola, Brasil, Moçambique e Portugal, organizada por Baltazar Gonçalves. O volume homenageia a brasileira Carolina Maria de Jesus, o angolano Agostinho Neto e o português José Saramago. Acolhe a obra de gerações diferentes de homens e mulheres que, sem ignorar as léguas que separam, ousaram insistir em que é preciso navegar, mesmo nesse contexto de “carnaval de cirurgiões”, em que “só o tempo opera” (Sérgio Carvalho Coutinho). O leitor vai encontrar gêneros literários diferentes em que se exprime muito mais que reclamações a que os escritores têm/nós temos direito. Elas e eles concertam propostas e sonhos: “quando armas transformadas em arados os gemidos serão de euforia” (Sandro Armando Sebastião). Baltazar Gonçalves nasceu em Franca, cidade industrial, capital do calçado. Começou a trabalhar aos 14 anos na fábrica. Professor de História formado pela Unesp, é pós- -graduado em psicopedagogia. Lecionou Ciências Humanas em todas os níveis da educação. Escritor e poeta, Baltazar Gonçalves tem seus dois primeiros livros publicados pela editora Penalux: Tecido na Papelaria, em 201, e Diário dos Miseráveis, em abril desse ano.