Estamos vivendo um mundo surreal de notícias, às vezes falsas,
que surgem a cada dia e vão minando a nossa resistência e capacidade
de indignação, não sei se por causa da pandemia ou por nossa grande
dificuldade de lidar com o inesperado.
A primeira notícia foi a insistência do governo em embrulhar,
de acordo com convicções de pouca leitura e de fundamentalismo
ultrapassado, a literatura infantil, transformando clássicos em histórias
insípidas, com projeto pobre e usando recursos incríveis que deveriam
ser aplicados na aquisição democrática de obras de qualidade existentes
no mercado. A sugestão do retorno ao método fonético na alfabetização
confirma que eles não sabem o que fazem, ou não querem saber.
A segunda notícia, que teve bastante repercussão, veio do ministro
da Economia, que afirmou que os livros deveriam ser taxados em cerca
de 12%, como auxílio à falta de recursos para outras áreas políticas. Para
justificar a elitização dos livros, afirmou que os ricos poderiam comprar
com os novos valores e aos pobres o governo forneceria obras gratuitas!
Que obras? Quem selecionaria os títulos, os mesmos que adulteraram os
clássicos infantis? Por que os pobres têm que ser tutelados e os políticos
se considerarem guardiões da cultura, da leitura, do conhecimento? Os
pobres querem ler, querem ter acesso aos livros, mas querem escolher o
que leem! Isso é cidadania!
A aquisição de livros através do Programa Nacional do Livro e do
Material Didático – PNLD precisa continuar com a escolha de títulos
existentes no mercado, com autores importantes, com seleção cuidadosa por especialistas, como aconteceu até pouco tempo. Enriquecer
os acervos das bibliotecas escolares e comunitárias é importante missão do governo, com escolha de títulos que reflitam a diversidade de
gêneros, de ideias, de temas. Isso é atuar democraticamente! Didatizar
os livros de literatura infantil, com exigências de formatos, conteúdos
e a obrigatoriedade de manuais é interferir na liberdade de criação, na
liberdade de interpretação para voos maiores. Lembro bem da professora mineira Maria Antonieta Cunha ao afirmar que a preocupação com
temas transversais – conteúdos interdisciplinares nos textos de literatura infantil –, acabava por direcionar o olhar, e como consequência,
perder outras importantes passagens que o texto poderia conter.
Tudo para pensar, e se incomodar, e reagir, e falar de forma indignada por essa tutelagem. Somos leitores livres, fortes e independentes e
queremos continuar a ser.
Felizmente, ainda acontecem coisas boas! Em meio a tantas notícias preocupantes, temos algumas comemorações: o aniversário de 30 anos da Editora Brinque-Book e os 10 anos do personagem Gildo, de Silvana Rando. A Brinque-Book/Escarlate agora une-se ao Grupo Companhia das Letras, o que garante a continuidade de seu trabalho cuidadoso na edição de livros para crianças. Parabéns à Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil – FNLIJ, que conseguiu realizar o 22º Seminário FNLIJ Bartolomeu Campos de Queirós e o 17º Encontro de escritores Indígenas, de 19 a 24 de outubro, reunindo escritores, ilustradores e especialistas em encontros virtuais. É importante comemorarmos, também, a divulgação dos títulos de livros premiados e todos os “Altamente Recomendável” da produção editorial de 2019!
E vamos conhecer a nossa seleção de lançamentos:
O Incrível Livro do Gildo – Silvana Rando (BrinqueBook) – Para comemorar os dez anos do elefante mais simpático da literatura infantil, a autora apresenta as dificuldades que Gildo encontra para escrever seu primeiro livro. Claro que, com muitos palpites que chegam, o elefantinho acaba por se desviar da ideia original, mas consegue agradar a todos!
Onde a Palavra Nasce – Leo Cunha, ilustrações de Thais Linhares (Abacate) – Fui envolvida por esse livro de uma maneira incrível. Na internet, a voz do autor, repleta de emoção e afeto, conduz a história com pausas e a certeza de quem conhece sobre o que está falando. As ilustrações fazem com que você entre nas páginas, caminhe junto em cada etapa descrita, identifique todo o trabalho editorial que Leo transformou em poesia.
Tanta Chuva no Céu – Volnei Canônica, ilustrações de Roger Ycaza (Editora do Brasil) – O traço do equatoriano Roger Ycaza cria o ambiente sufocante onde a angústia se faz presente. Ali a história acontece, no meio da solidão da menina e na certeza da ausência dos pais. Lágrimas e chuva se misturam nessa catarse necessária da dor. Meu amigo Volnei sempre sobressai em suas atividades, Midas que transforma em arte o que toca. Dessa vez foi além e surgiu o escritor sensível, maduro e que transformou um tema áspero em delicada melodia. Parabéns!
Amor de Cabelo – Matthew A. Cherry, ilustrações de Vashti Harrison, tradução de Nina Rizzi (Galerinha – Record) – História vencedora do Oscar de Melhor Curta-Metragem de Animação. Zuri diz que seus cabelos têm vida própria, se torcem, enrolam, viram e reviram... A menina gosta muito dos seus vários penteados afro. Mas, hoje é um dia especial e ela precisa de um penteado também especial. Com a mamãe ausente, o papai tem que improvisar e... Zuri fica linda!