Literatura e liberdade: conta outra!

Com a devida apropriação do título, apresentado na revista literária Quatro Cinco Um, demonstro a minha indignação com os livros da Coleção Conta Pra Mim, que têm como mascote um ursinho como o da série americana Star Wars – um bom representante da nossa fauna – e cujo filmete de propaganda apresenta imagens idealizadas de famílias, casas e personagens perfeitos. Histórias adulteradas de acordo com ideologias questionáveis, desenhos infantilizados e total falta de envolvimento de especialistas, autores e ilustradores de literatura infantil. Tudo feito de forma autocrática por pessoas que não conhecem a evolução e a qualidade da literatura infantil editada no país. Isso sem citar os recursos envolvidos, a falta de transparência e de licitação, que premiou determinados escolhidos.
Fico com as mensagens de quem entende e escreve para crianças:

“Muitas adaptações partem do princípio equivocado de que as crianças não devem lidar com a tristeza, mas é melhor oferecer a tristeza nas histórias e dialogar com as crianças sobre a melhor forma de lidar com ela. Mesmo com o uso de metáforas e do imaginário, permitindo diferentes leituras, nada mais real do que os contos de fadas.” Marina Colasanti

“Se formos protegidos das coisas obscuras, não teremos nenhuma defesa nem entendimento algum sobre elas quando ocorrerem em nossas vidas. É importante que as crianças saibam que o sombrio pode ser derrotado. Que elas têm poder sobre ele. Devemos dizer a elas: você pode lutar contra isso, você pode vencer. Porque as crianças podem. Mas, antes, precisam saber que essas coisas existem.” Neil Gaiman

Para consolar nossa alma, já tão sofrida com o isolamento e a crescente perda de vidas com a pandemia, apresento lançamentos incríveis que ajudam a pensar:

Benjamina – Nelson Cruz (Miguilim) – Uma obra de resistência, segundo a apresentação de Fabíola Farias. O autor reinventa os troncos retorcidos que restaram das árvores cortadas de uma avenida em Belo Horizonte em pinturas sobre caixas de papelão, com imagens que revelam consumo e lixo e formam um contraste entre natureza e humanidade. Os Ficus Benjamina, árvores centenárias, se apresentam decepados e mutilados, tornando a paisagem árida e triste. O autor os torna perenes e ofendidos!

Três – Stephen Michael King – tradução de Gilda de Aquino (Brinque-Book) – Um tema recorrente nos nossos trabalhos tem sido a inclusão de temas polêmicos na sala de aula e na conversa com as crianças. Lidar com deficiências é uma situação bem difícil e o autor torna isso delicado e oportuno, criando a possibilidade do tema ser levado aos pequenos com naturalidade. Na quarta capa, a síntese da mensagem: esta história comovente vai lhe mostrar que perfeito é ser como você é!

A Cidade dos Corações de Corda – Roberto de Freitas – ilustrações de Lelis (Abacatte) – Ter um coração de corda significa esquecer a dor, a tristeza, a compaixão. O novo invento permite excluir os sentimentos e parar de sofrer, e é simples de usar, como uma caixinha de música, basta dar corda. Mas, onde ficam as memórias, a esperança, a amizade, a saudade? Nostalgia e solidão acabam por reverter essa história, afinal, Só amor constrói / Só o amor faz bem. Só ele é capaz de fazer / Feliz alguém!

O menino e o Tuim – Rubem Braga, ilustrações de Alexandre Camanho (Global) – Quem me apresentou a esse texto foi a querida Maria Neila Geaquinto, bibliotecária no Espírito Santo e apaixonada pela obra de seu conterrâneo. Mais uma história para falar de um assunto difícil – a morte. A narrativa apresenta a interferência do homem nas leis da natureza, no caso, um menino que adota um filhote de pássaro, um tuim. Apesar dos avisos do pai, com temor e amor, o menino se apega à pequenina ave sem saber que o destino já estava traçado.

Como Eu Cheguei Aqui? – Philip Bunting, tradução de Gilda de Aquino (Brinque-Book) – Livro eleito, em 2019, um dos melhores livros infantis da Austrália (Children’s Book Council). Apresentar a história da criação do mundo e a evolução do homem para crianças pode não ser uma tarefa fácil. O autor e ilustrador Philip Bunting desenvolve o tema contando a história da evolução até os dias de hoje, inserindo nela o pequeno leitor. Oportuno, inteligente e criativo, o livro tem por finalidade mais do que fornecer respostas, motivar perguntas. E a Terra não é plana!