Quando arrumei a estante

Em tempos de isolamento social, a permanência em casa nos leva a remexer em estantes e gavetas: selecionar, arrumar, reorganizar os objetos e a vida. Foi num desses momentos, ao arrumar os livros da estante, que encontrei alguns guardados que ainda não apareceram por aqui, ou que passaram rápido, e que me falam ao coração. Dentre alguns lançamentos que conseguiram chegar com a ajuda dos Correios, nossa página se enche de boas histórias para diferentes leitores.

Começo pelo querido do meu coração:

Uma Ilha Lá Longe – Cora Rónai escreveu e Rui de Oliveira ilustrou – essa linda obra recebeu um tratamento especial em uma edição renovada (Record), em 2007. A primeira edição é de 1987 e, no mesmo ano, recebeu o prêmio Ofélia Fontes, o melhor livro para crianças – da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). O texto de Cora Rónai foi adornado pelas ilustrações de Rui.
Na nova edição, a autora afirmava:
“Ler Uma Ilha Lá Longe vinte anos depois de tê-lo escrito me deu ao mesmo tempo tristeza e alegria. Tristeza por ver como o livrinho continua atual; alegria por saber que, exatamente neste ano de 2007, o mundo se preocupa, como nunca, com os pégasos, centauros e unicórnios da fábula.”
O mundo deu uma cambalhota e treze anos depois parece que temos que reencontrar o caminho do bom senso, da sensibilidade, da preservação do meio ambiente, da vida. Rui de Oliveira executou um trabalho primoroso de luz e sombra, claro e escuro, preto e branco que estimula a imaginação e a ternura, e Cora Rónai, a moça da tecnologia, expõe as contradições (dela própria) sobre o desenvolvimento desenfreado e sem alma. Vou ficar torcendo para que ela se sensibilize com essa lembrança e nos traga novas histórias (quem sabe, de gatos ou de peixinhos...).

ilustrações de Humberto Guimarães (Lê). Uma história de amor, com a delicadeza do fio da aranha e a beleza do beija-flor. Há duas histórias que me fazem pensar em aranhas: na primeira, do querido Bartolomeu Campos de Queirós, ele compara a escrita, a inspiração com a teia da aranha (O Fio da Palavra – ilustrações de Salmo Dansa – Galera Record) e, na segunda, minha amiga Rosana Rios descreve, no conto Teias, da obra Depois da Pandemia (Antologia futura de um presente confinado – RR Literatura), como encontrou o mundo após o confinamento social. Coração de aranha, pela delicadeza, homenageia aos dois autores – a aranha executa uma linda ação de amor e, também amorosamente, o beija-flor retribui. Lindo!

Duas histórias se complementam com a cultura e a ancestralidade africanas.Honorina – com texto e ilustrações de Regina Miranda (Compor), apresenta a vida da avó que conta histórias que chegam até às minas de Ouro Preto e ao trabalho dos escravos que traziam ouro em pó no emaranhado dos cabelos. Com essa economia, conseguiram comprar a liberdade de muitos.

Letras de Carvão – texto de Irene Vasco, ilustrações de Juan Palomino e tradução de Márcia Leite (Pulo do Gato) – ao ver o filho escrevendo contos que tanto admira, a mãe resolve contar ao garoto como aprendeu a ler, naquele pequeno povoado colombiano que tinha em comum a triste realidade de ninguém saber ler. Comovente, a obra apresenta a importância do letramento na compreensão e conquista do mundo social. A editora, Márcia Leite, dedica a obra ao educador Paulo Freire e a todos que, como ele, acreditam que a leitura do mundo precede a leitura da palavra e que ler e escrever é um direito.

Os Direfentes – autora e ilustradora Paula Bossio, tradução de Márcia Leite – mais uma obra sensível e premiada da editora Pulo do Gato. Recebeu o selo Seleção da Cátedra Unesco de Leitura (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio), Altamente Recomendável da FNLIJ e foi incluído na relação da Revista Crescer dos 30 melhores livros do ano. Se olharmos em volta, vamos ver tanta gente diferente e, nós, será que somos diferentes também?

Mais uma escolha pela delicadeza: Eric Faz Tibum – texto e ilustração de Emily Mackenzie e tradução de Gilda de Aquino (Brinque-Book) – uma história sobre medos, amizade, confiança e coragem. O pequeno panda Eric foi convidado para uma festa na piscina... mas será que ele vai conseguir enfrentar todas as suas dúvidas e receios e passar um dia bem divertido?

E para aqueles jovens que estão na permanente batalha pela vida, atingidos pelas desigualdades e violência, uma história de superação:
Fantasma – Ele corre para salvar a própria vida ou para fugir dela? – Jason Reynolds, tradução de Regiane Winarski (Intrínseca). Periferia, comunidade carente, violência doméstica, conflitos na escola, adolescente à procura do seu espaço no mundo. Tudo isso imediatamente nos remete para a realidade brasileira, em diversas regiões do país, onde a falta de oportunidades acaba por destruir o sonho dos jovens. Em um texto repleto de referências importantes e bem próximo da vida dos nossos jovens, Castle Cranshaw, narra a sua própria aventura na busca por novas oportunidades. Afro-americano, como o autor, Castle, ou melhor, Fantasma (apelido escolhido por ele), encontra em sua qualidade de corredor (que ele desconhecia) a oportunidade para mudar a vida.

Uma palavra de carinho aos familiares do querido Odilon Niskier, amigo querido e leitor da nossa página, que o COVID-19 levou do nosso convívio. Fiquei muito triste. Agora, quando começam a faltar os amigos, vamos nos dando conta do terrível momento que estamos passando.