Novembro - 2025 - Edição 309

A alegria colorida de Beatriz Milhazes na Casa Roberto Marinho Há 12 anos sem expor no Rio, a alegria das cores da artista plástica carioca Beatriz Milhazes retorna à cidade com uma exposição inédita, Pinturas Nômades, na Casa Roberto Marinho. Até o final de março, cobrindo todo o período das férias escolares, o público terá a oportunidade de contemplar a versatilidade da mostra, com curadoria de Lauro Cavalcanti, reunindo uma série de intervenções arquitetônicas, pinturas, gravuras e instalações que atravessam quatro continentes, e marca duas décadas da atuação de Milhazes no diálogo entre arte e arquitetura.

Artes visuais, cores vibrantes, fluidez de formas que evocam natureza, ornamentos, transparências, curvas. A paleta de Milhazes é festiva, tropical, intricada – e essa exuberância estabelece uma atmosfera de contemplação imediata, ocupando espaços diversos da Casa Roberto Marinho, instituição que alia arquitetura histórica e salas expositivas, cuidadosamente pensadas para gerar diálogo entre o interior e o exterior. A partir da entrada já é perceptível o convite, através das janelas adesivadas, anunciando que algo diferente nos aguarda.

Instalação exclusiva para essa mostra, batizada de Corumbê, a montagem, evocando vitrais, inclui vinis translúcidos recortados, em tons variados, aplicados às janelas do salão térreo, que emolduram o belo jardim projetado por Burle Marx, filtrando a luz natural. A técnica foi a mesma usada na maioria das intervenções de grande escala que a artista fez, entre 2004 e 2023: “São possibilidades de uma leitura colorida da natureza, que tem suas cores maravilhosamente desenvolvidas”, explica Beatriz.

A sala, cujo piso de mármore bicolor contrasta e potencializa o colorido dos vinis, vai abrigar, de dezembro a março, apresentações da Marcia Milhazes Cia de Dança, irmã da artista, que criou coreografias especiais para o espaço. No mesmo espaço está instalado o painel Waving Flowers, pintura em escala real desenvolvida originalmente para a Galeria Max Hetzler, em Berlim. Trabalhada em cinco tons de cinza, a obra surpreende pela força plástica dentro de uma paleta monocromática.

A inspiração de Corumbê foi Djanira (1914-1979), pintora modernista que morou muitos anos na praia de mesmo nome em Paraty (cidade da família materna de Beatriz). Como nas demais individuais da CRM, Beatriz selecionou obras do acervo local para dialogar com sua produção, reservando uma sala para telas de Djanira e reunindo obras de fundo religioso assinadas por nomes como Mestre Valentim, Rosina Becker do Vale, Portinari e Rubem Valentim.

A trajetória da exposição revela sua amplitude internacional com a produção em grande escala criada para espaços como a Tate Modern e a estação de metrô Gloucester Road, na Inglaterra (2005); a Pinacoteca de São Paulo (2007); o prédio da Fundação Cartier, em Paris (2009); a Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa (2011); a Ilha de Inujima, em Okinawa (Japão, 2017); a Ópera de Viena, na Áustria (2021); e o Long Museum, em Xangai (2021). Essas obras, que formam o núcleo central de Pinturas Nômades, foram reunidas pela primeira vez e são apresentadas em maquetes, ampliações e esboços, revelando o lado arquitetônico de Milhazes, mais conhecida pelas pinturas, colagens e gravuras exuberantes.

A mostra também reúne obras de diferentes fases da artista, como pinturas, gravuras, desenhos e a escultura suspensa Mariola (2010–2015). No andar superior, uma das salas retoma seu projeto para a 60ª Bienal de Arte de Veneza, em 2024 (em sua volta à mostra, depois de 2003), com trabalhos como as telas O céu, as estrelas e o bailado e Meia-noite, meio-dia (ambas de 2023) em volta da mesa de tecidos de seu acervo pessoal, de diferentes regiões do mundo, como foi montada no Pavilhão das Artes Aplicadas da cidade italiana. Também é exibida na sala a tapeçaria inédita “Dance in yellow” (2020), fruto da produção têxtil a que a artista vem se dedicando recentemente.



Junto dos 17 projetos de obras públicas de Beatriz – incluindo O coreto da praça, criado para a 18ª Bienal de Arquitetura de Veneza (2023), mas ainda não executado – a exposição traz desenhos preparatórios e testes de materiais (de aplicações de vinis em vidro ao painel de cerâmica desenvolvido para os mosaicos permanentes do Hospital Presbiteriano de Nova York), além de maquetes dos locais onde os trabalhos foram montados. Arquiteto de formação, o curador Lauro Cavalcanti reforça que a ideia é levar aos visitantes cada etapa do processo para o desenvolvimento das obras públicas.

Beatriz: “aquela que traz felicidade”

Considerada uma das mais importantes artistas brasileiras e internacionais, a carioca Beatriz Milhazes, nascida em 1960, vive e trabalha no Rio de Janeiro. Formada em Comunicação Social, ingressou na Escola de Artes Visuais do Parque Lage em 1980, onde estudou até 1983. Seu trabalho tem sido objeto de exposições individuais e retrospectivas em importantes instituições, como Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo (2008); Foundation Cartier, Paris (2009); Fondation Beyeler, Basel (2011); Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa (2012); MALBA – Museo de Arte Latinoamericano, Buenos Aires (2012); Paço Imperial, Rio de Janeiro (2013); PAMM – Pérez Art Museum, Miami (2014/2015); MASP, São Paulo (2020); Long Museum, Shanghai (2021); Turner Contemporary, Margate, UK (2023); Tate St Ives, St Ives, UK (2024); e Solomon R. Guggenheim Museum, New York (2025).

O nome Beatriz tem origem latina – do latim Beatrix – que significa “a que faz bem”, “a que traz felicidade”. Essa etimologia não é mero detalhe, mas ressoa de maneira simbólica com o trabalho da artista, cuja obra inspira alegria, festividade visual, brilho, cor e padrões que celebram a vida. Em Pinturas Nômades, essa luminosidade não está apenas nas cores, mas emerge na escala monumental, no encontro entre o espaço arquitetônico e a obra, no jogo de luz e sombra, na transparência dos materiais. A exposição convida o público a experimentar uma sensação de felicidade estética, estimulada tanto pelas formas visuais quanto pela própria experiência de entrar num espaço transformado pela arte.

Essa harmonia entre nome e obra reforça uma leitura poética:
Beatriz, “aquela que traz felicidade”, manifesta esse papel ao transformar ambientes, movimentar olhares, evocar afetos. Em cada instalação, a artista propõe uma celebração – não apenas do visual – mas do encontro entre distintos universos culturais (natureza, arquitetura, arte popular, artes aplicadas) e o público, que é convidado a contemplar, sentir, passear pelas cores e composições. Pinturas Nômades reafirma a importância de Beatriz Milhazes no cenário da arte contemporânea brasileira e internacional.

Ser a primeira grande mostra no Rio de Janeiro dedicada a suas intervenções arquitetônicas – muitas delas nunca vistas localmente – traz não apenas possibilidade de fruição estética, mas também de reflexão sobre arte pública, uso do espaço urbano, diálogo entre memória, cultura, identidade local e global. Em tempos de pressa e escuridão, uma exposição que celebra luz, cor, arquitetura e alegria torna-se mais que uma mostra: é um convite à vida contemplativa e à celebração estética. Quem visitar a Casa Roberto Marinho encontrará não só arte, mas um nome que se manifesta em cada cor, cada vidro translúcido, cada curva: Beatriz Milhazes.

Serviço:
Pinturas Nômades, de Beatriz Milhazes.
Curadoria: Lauro Cavalcanti.
Encerramento: março de 2026.
Instituto Casa Roberto Marinho.
Rua Cosme Velho, nº 1105 – Rio de Janeiro | RJ.
Tel: (21) 3298-9449.
Visitação: terça a domingo, das 12h às 18h. (Aos sábados, domingos e feriados, a Casa Roberto Marinho abre a área verde e a cafeteria a partir das 9h.)
Ingressos à venda exclusivamente na bilheteria: R$ 10 (inteira) / R$ 5 (meia entrada)
Às quartas-feiras, a entrada é franca para todos os públicos.
Aos domingos, “ingresso família” a R$10 para grupos de quatro pessoas.
A Casa Roberto Marinho respeita todas as gratuidades previstas por lei e é acessível a pessoas com deficiência física.
Estacionamento gratuito para visitantes, em frente ao local, com capacidade para 30 carros.

Por Manoela Ferrari