Julho, 2025 - Edição 307

Adeus ao saudoso professor Bechara

Referência para gerações de pesquisadores e professores da área, um dos maiores filólogos e gramáticos do Brasil, o professor Evanildo Bechara teve falência múltipla dos órgãos no dia 22 de maio, aos 97 anos, deixando órfã uma legião de admiradores.

Integridade, simplicidade, generosidade e cordialidade, somadas à genialidade do ofício, conferiam ao professor Bechara uma aura de rara unanimidade. Quinto ocupante da cadeira nº 33, eleito em 11 de dezembro de 2000, na sucessão de Afrânio Coutinho, Bechara circulava entre seus pares semeando gentileza e compartilhando sabedoria. O presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL), Merval Pereira, não poupou elogios: “Evanildo Bechara era o maior especialista em língua portuguesa, com fama que ultrapassa nossas fronteiras. Representou o Brasil na reforma ortográfica feita com Portugal. Além de tudo, era um professor generoso e uma pessoa íntegra e cordial.” O diplomata e colega de ABL, escritor Edgar Telles Ribeiro, lamentou a perda do “grande intelectual e figura humana”: “Ele sorria com aquele jeito modesto dele, um jeito tão doce e inesquecível, cada vez que eu creditava a seus livros ter sido aprovado em português no Vestibular do Rio Branco, de tão seguro que sempre me senti graças a seus ensinamentos.”

Nascido em Recife, em 26 de fevereiro de 1928, Evanildo Cavalcante Bechara foi uma das mais influentes figuras da gramática em nosso país. Filho de pai árabe e mãe maranhense, mudou-se adolescente do Recife para o Rio de Janeiro, compelido por uma precoce orfandade, para concluir a formação escolar na companhia de um tio-avô, também pernambucano. Desde cedo mostrou vocação para o magistério, que o levou a fazer o curso de Letras, modalidade Neolatinas, na Faculdade do Instituto La-Fayette, hoje UERJ, Bacharel em 1948 e Licenciado em 1949.

Concluído o curso universitário, vieram-lhe as oportunidades de concursos públicos, que fez com brilho, num total de onze inscritos e dez realizados. Aperfeiçoou-se em Filologia Românica em Madri, com Dámaso Alonso, nos anos de 1961 e 1962, com bolsa oferecida pelo Governo espanhol. Doutor em Letras pela UEG (atual UERJ), em 1964. Convidado pelo Prof. Antenor Nascentes para seu assistente, chegou à cátedra de Filologia Românica da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da UEG (atual UERJ) em 1964. Professor de Filologia Românica do Instituto de Letras da UERJ, de 1962 a 1992. Professor de Língua Portuguesa do Instituto de Letras da UFF, de 1976 a 1994.

Professor titular de Língua Portuguesa, Linguística e Filologia Românica da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques, de 1968 a 1988. Professor de Língua Portuguesa e Filologia Românica em IES nacionais (citem-se: PUC-RJ, UFSE, UFPB, UFAL, UFRN, UFAC) e estrangeiras (Alemanha, Holanda e Portugal).

Entre os seus prêmios estão as medalhas José de Anchieta e de Honra ao Mérito Educacional (da Secretaria de Educação e Cultura do Rio de Janeiro), e a medalha Oskar Nobiling (da Sociedade Brasileira de Língua e Literatura).

Ainda adolescente, Bechara descobriu a lexicologia, área que estuda tanto o léxico de uma língua quanto o contexto histórico e cultural em que ela é falada. Aos quinze anos, conheceu o professor Manuel Said Ali, renomado estudioso da língua portuguesa que tornou-se o seu mentor no campo dos estudos linguísticos. Dois anos depois, escreveu seu primeiro ensaio, intitulado “Fenômenos de entonação”, publicado em 1948, com prefácio do filólogo mineiro Lindolfo Gomes. Em 1954, ele foi aprovado em concurso público para a cátedra de Língua Portuguesa do Colégio Pedro II. Ao longo de décadas, Bechara acompanhou de perto as metamorfoses da língua.

Entre outros títulos, Bechara foi diretor do Instituto de Filosofia e Letras da UERJ, de 1974 a 1980 e de 1984 a 1988; secretário-geral do Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro, de 1965 a 1975; diretor do Instituto de Educação do Rio de Janeiro, de 1976 a 1977; membro do Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro, de 1978 a 1984; chefe do Departamento de Filologia e Linguística do Instituto de Filosofia e Letras da UERJ, de 1981 a 1984; chefe do Departamento de Letras da Fundação TécnicoEducacional Souza Marques, de 1968 a 1988.

Em 1971-72 exerceu o cargo de Professor Titular Visitante da Universidade de Colônia (Alemanha) e de 1987 a 1989 igual cargo na Universidade de Coimbra (Portugal). Professor Emérito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1994) e da Universidade Federal Fluminense (1998).

Membro titular da Academia Brasileira de Filologia, da Sociedade Brasileira de Romanistas, do Círculo Linguístico do Rio de Janeiro. Membro da Société de Linguistique Romane (de que foi membro do Comité Scientifique, para o quadriênio 1996-1999) e do PEN Club do Brasil. Sócio correspondente da Academia das Ciências de Lisboa e da Academia Internacional da Cultura Portuguesa. Doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra (2000).

Bechara é autor de diversas gramáticas da língua portuguesa, destinadas ao público em geral e aos profissionais (veja a bibliografia a seguir). Autor de duas dezenas de livros, entre os quais a Moderna Gramática Portuguesa, amplamente utilizada em escolas e meios acadêmicos, e diretor da equipe de estudantes de Letras da PUC-RJ que, em 1972, levantou o corpus lexical do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, sob a direção-geral de Antônio Houaiss.


O saudoso acadêmico foi eleito por um colegiado de educadores do Rio de Janeiro, com apoio da Folha Dirigida, uma das dez personalidades educacionais de 2004 e 2005. A convite da Nova Fronteira, integrou o Conselho Editorial dos diversos volumes do Dicionário Caldas Aulete.

Em 2005, foi nomeado membro do Conselho Estadual de Leitura do Rio de Janeiro e da Comissão para a Definição da Política de Ensino, Aprendizagem, Pesquisa e Promoção da Língua Portuguesa, iniciativa do Ministério da Educação.

Em 2008, pela passagem de seus 80 anos, recebeu, como homenagem, uma miscelânea intitulada Entrelaços entre textos, editada e publicada pela Nova Fronteira, cuja organização, apresentação e resumo biobibliográfico coube ao professor doutor Ricardo Cavaliere, seu colega acadêmico.
Ainda em 2008, foi lançada, também pela Nova Fronteira, 80 anos Homenagem: Evanildo Bechara, obra que aborda a trajetória do professor, gramático e escritor por meio de observação de colegas, alunos, amigos e admiradores.



Bibliografia

A contribuição de M. Said Ali à linguística portuguesa. Porto Alegre: Instituto Cultural Brasileiro-Árabe, 1970.
A nova ortografia. Rio de Janeiro: Grifo, 1972.
Aprendendo a estudar, ler e escrever (em coautoria com Amauri Pereira Muniz e José Augusto Carvalho). Vitória, Brasília, 1974.
Comunicação e expressão, curso fundamental de português, 5ª série, (em coautoria com Maria Zely de Souza Muniz). São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1973.
Comunicação e expressão: 1a série, 2o grau (em coautoria com Samira Nahid Mesquita, Marlene de Castro Correia e Célia Therezinha G. da V. Oliveira). Rio de Janeiro: Francisco Alves/Edutel, 1977.
Curso moderno de português. São Paulo: Companhia Editora Nacional, v. 1-2, 1968/1969.
Fenômenos de intonação: um capítulo de fonética expressiva. Rio de Janeiro: Edição do Autor, 1946.
Gramática escolar da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Lucerna, 2001.
Guias de estudo de língua e de linguagem – da linguística ao ensino da língua. Niterói, RJ: Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro/Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro, v. 3, 1977.
Guias de estudo de língua e de linguagem – dos termos lingüísticos ao seu conceito. Niterói, RJ: Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro/Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro, v. 2, 1977.
Guias de estudo de língua e de linguagem – instrumentos de avaliação. Niterói, RJ: Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro/Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro, v. 4, 1977.
Guias de estudo de língua e de linguagem – introdução linguística. Niterói, RJ: Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro/Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro, v. 1, 1977.
Hora de aprender: comunicação e expressão – 1a série (em coautoria com Carminda de Moraes, Gilda Marra, Nair Adell e Nilza Neiva). Rio de Janeiro: Bloch, 1974.
Hora de aprender: comunicação e expressão – 2a série (em coautoria com Carminda de Moraes, Gilda Marra, NairAdell e Nilza Neiva). Rio de Janeiro: Bloch, 1974.
Hora de aprender: comunicação e expressão – 3a série (em coautoria com Carminda de Moraes, Gilda Marra, Nair Adell e Nilza Neiva). Rio de Janeiro: Bloch, 1974.
Lições de português pela análise sintática. 16a ed. Rio de Janeiro: Editora Lucerna, 2001 [Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1960].
Língua e linguagem. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2003. Luís de Camões, Os Lusíadas – antologia (em coautoria com Segismundo Spina). 2a ed. revista e ampliada. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 1999 [Rio de Janeiro: Grifo/INL-MEC, 1973].
Manual de redação oficial do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Secretaria de Estado de Administração e Reestruturação, 2000.
Moderna gramática portuguesa. 37a ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Editora Lucerna, 1999 [São Paulo: Nacional, 1961].
O ensino da gramática: Opressão? Liberdade? 12a ed. São Paulo: Ática, 2006 [São Paulo: Ática, 1985].
Primeiros ensaios sobre língua portuguesa. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1954.
Exercícios de linguagem: curso médio. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1954.
Seleta de Bernardo Elis (em coautoria com Gilberto Mendonça Teles). Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1974.
Minidicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2009.
A nova ortografia. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2008 (4ª impressão). O que muda com o novo Acordo Ortográfico. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2008 (5a impressão).
Estudo da língua portuguesa: textos de apoio. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão. Ministério das Relações Exteriores, 2010.
Lições de Português pela Análise Sintática. 19ª edição revista e ampliada, com exercícios resolvidos. Rio de Janeiro. Editora Nova Fronteira / Editora Lucerna, 2014.
Gramática Fácil – 1ª edição. Rio de Janeiro. Editora Nova Fronteira, 2014.
Moderna Gramática Portuguesa – Nova edição revista e ampliada pelo autor. 38ª edição. Editora Nova Fonteira / Editora Lucerna, 2015.
Fatos e Teoria de Língua Portuguesa para orientação de professores. Inédito. Rio de Janeiro. Editora Nova Fronteira.

Por Manoela Ferrari