Novembro, 2023 - Edição 297

Nova Babel (In)finita de Gilberto Schwartsmann na ABL



Uma viagem pela história da literatura Ocidental está disponível ao público que for visitar a Casa de Machado, até o final deste ano. Trata-se da exposição Nova Babel (In)finita, com uma incrível seleção de obras do acervo do bibliófilo, médico oncologista e escritor gaúcho Gilberto Schwartsmann, cuja mostra com mais de 300 peças chegou à Academia Brasileira de Letras (ABL).

Entre as raridades e primeiras edições que os visitantes terão a oportunidade de conhecer, estão publicações que remontam os primórdios da palavra escrita – tais como A epopeia de Gilgamesh, A Bíblia Sagrada e Ilíada – até obras mais recentes, como as primeiras edições de Em busca do tempo perdido e Ulisses.

O percurso da mostra ocorre através dos textos – em português, inglês e espanhol – e olhares do escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986), com a curadoria de Facundo Sarmiento. É Borges (reprodução em tamanho natural) quem recebe o visitante e o leva através de um labirinto de espelhos e painéis hexagonais que remetem a “A biblioteca de Babel”. Neste famoso conto do livro Ficções (1944), Borges sugere que o universo é uma biblioteca infinita, que ele descreve em hexágonos, afirmando que o homem vai desaparecer e a história será contada através dos livros. A mostra é ambientada na Biblioteca de Babel de Borges. A artista Zoravia Bettiol fez desenhos em bico de pena, originais, para ilustrar os painéis. Com seu estilo único de lidar com o real e o imaginário, Borges escreveu sobre a maioria dos escritores e livros da mostra: A Divina Comédia, Dom Quixote”, a dramaturgia de Shakespeare, Decameron, passando pelas obras de Montaigne, Charles Baudelaire, Honoré de Balzac, Victor Hugo, Charles Dickens, Franz Kafka, Marcel Proust, James Joyce, entre outros. As primeiras edições dos grandes escritores brasileiros e latinos não ficaram de fora. Uma ala especial é reservada para autores do porte de Gabriel García Marquez, Fernando Pessoa, Eça de Queiroz, José Saramago, Machado de Assis, Guimarães Rosa e Mario de Andrade. Uma atmosfera borgiana, requintada e misteriosa percorre toda a exposição. No final desse rico recorte do cânone literário Ocidental, sob o olhar de Borges, o visitante recebe uma carta lacrada do curador Facundo Sarmiento com algumas informações sobre a trajetória percorrida. Vale a pena ir até o fim para descobrir.


A importância da arte>

Ao falar sobre a importância da arte, o bibliófilo Gilberto Schwartsmann responde: “O ser humano de hoje é igual aos personagens que Shakespeare descreveu.

Está cheio de gente igualzinha à Lady Macbeth, com sua cobiça, e com um temperamento cínico e dissimulado, como o de Iago. O que a arte dá é a possibilidade de ter um pouco de abertura mental, de crítica, além da possibilidade de viajar sem sair do lugar. Porque a vida de um ser humano, cá para nós, é muito complicada, né? A arte permite que a gente saia da dureza da vida.”

O convite da ABL para expor a coleção na Casa de Machado, depois de passar pela Academia Nacional de Medicina, compartilhando-a com um público maior de pessoas, é a realização de um sonho: “A oportunidade e o privilégio de exibir uma nova “Nova Babel (In)finita na ABL é como viver um lindo sonho. Imagino que Borges ficaria muito orgulhoso com o tão generoso convite. Para ele, a visão do Paraíso poderia ser a beleza de uma biblioteca”.

Gilberto Schwartsmann

Por sua dedicação à disseminação do conhecimento, ao pensamento crítico e à busca por uma sociedade mais humanizada, Gilberto Schwartsmann traz um legado importante para a cultura brasileira. Sua influência reverbera nas mentes daqueles que se dedicam ao estudo e à compreensão das complexidades humanas, confiantes no enriquecimento intelectual e cultural do país. Presidente da Fundação Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Fospa), membro da Academia Nacional de Medicina e professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, entre outros títulos, o notável colecionador literário é também presidente da Associação de Amigos do Theatro São Pedro. Presidiu a Fundação Bienal de Artes Visuais do Mercosul, a Biblioteca Pública do Estado do Rio Grande do Sul e a Bach Society Brazil. Recebeu várias distinções no Brasil e no exterior, dentre elas o “Prêmio de Destaque Cultural” pela Associação Rio-grandense de Imprensa.

É escritor, com obras traduzidas para o espanhol e para o francês. Entre os livros publicados, estão Gabinete de Curiosidades (texto que foi adaptado para o teatro) e Divina Rima: Um diálogo com a Divina Comédia, de Dante Alighieri, além de A Amante de Proust, Frederico e Outras Histórias de Afeto, Max e os Demônios, O Sol Brilhou na Corrúpnia, Acta Diurna e Meus Olhos.

Medicina e literatura sempre andaram juntas na vida de Schwartsmann, que ingressou na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 1973. Formou-se médico em 1979 e logo foi nomeado presidente da Associação dos Médicos Residentes do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Em 1982, realizou o Fellowship em Oncologia Clínica pela Universidade de Londres. Três anos depois, na Free University de Amsterdam, obteve o título de PhD em Oncologia Clínica e Farmacologia de Drogas Anti-Câncer. Em 1989, foi aprovado em primeiro lugar em concurso público internacional para o cargo de Diretor do New Drug Development Office da European Organization for Research and Treatment of Cancer (EORTC). Foi o primeiro oncologista latino-americano a receber tal distinção. No período, completou o seu pós-doutorado.

O colecionador começou a surgir ao longo da vida, despertado pela paixão literária. Primeiro, foram edições de A Divina Comédia, de Dante Alighieri, em paralelo a Marcel Proust e Ernest Hemingway, não parando mais.

Casado com a médica e historiadora Leonor Schwartsmann (com quem tem dois filhos, Laura Carolina e Guilherme), o casal vive num amplo apartamento de dois andares, no bairro Moinhos de Vento. É lá que acumula raridades e preciosidades, como primeiras edições em francês, inglês, espanhol e italiano de obras de James Joyce, William Faulkner, Thomas Mann, Fiodor Dostoiévski, Tchekov, Tolstói (Os russos são outra de suas obsessões), além de quadros espalhados pelas paredes de artistas como Tarsila do Amaral, Burle Marx e Cícero Dias. Nos momentos de lazer, Gilberto é pianista e produtor de vinhos artesanais.

Por Manoela Ferrari