Julho, 2023 - Edição 293

80 anos do Pequeno Príncipe

Uma das obras literárias mais traduzidas no mundo (publicada em 340 idiomas e dialetos) e um dos livros mais vendidos do planeta, O Pequeno Príncipe, do francês Antoine de Saint-Exupéry, completou 80 anos de sua primeira publicação.

Com o título original de Le Petit Prince, a novela foi, originalmente, publicada em abril de 1943, nos Estados Unidos, com ilustrações do próprio autor. Desde então, vem despertando encantamento em gerações de leitores – grandes e pequenos – que se fascinam com a filosófica fantasia infantil do personagem principal. Uns aprendem como é ser adulto. Outros relembram o que é ser criança. Todos se encantam.

O autor usou suas experiências pessoais de aviação, passadas no deserto do Saara, como base para sua história de solidão, amizade, amor e perda. Em abril de 1943, o francês Saint-Exupéry, que vivia na América do Norte desde o início da Segunda Guerra, deixou os Estados Unidos para combater as tropas nazistas. Seus manuscritos ficaram com a companheira, a jornalista Sylvia Hamilton, que vendeu os originais à Morgan Library & Museum, em Nova Iorque.

Quando, três anos mais tarde, saiu a edição francesa de Le Petit Prince, o hoje celebrado autor não estava mais lá para conferir o estrondoso sucesso em seu país de origem. Em 1944, partira em missão, na Guerra, e nunca mais retornou. Imortalizou-se, no entanto, através de sua obra.

O Morgan Library & Museum montou três exposições do manuscrito original. A primeira, em 1994, no aniversário de 50 anos da publicação da história, sendo seguido pela celebração do centenário do nascimento do autor, em 2000, e a última e maior exibição, em 2014, honrando o 70º aniversário do livro. O manuscrito foi exibido pela primeira vez, em Paris, numa mostra dedicada ao seu criador no Museu de Artes Decorativas Parisiense, em 2022. No Japão, há um museu, em Hakone, dedicado ao personagem principal do livro. No Brasil, em Florianópolis, a Avenida Pequeno Príncipe leva o nome da obra, numa homenagem a quem passou pela cidade durante a carreira de aviador – e cuja presença se tornou parte da cultura local.


Enredo

Não se trata de uma história infantil. As questões abordadas por Sain-Exupéry são grandiosas, remetendo-nos a uma lembrança do nosso lado infantil. A história começa com o narrador descrevendo suas recordações. Aos 6 anos de idade, fez um desenho de uma jiboia que havia engolido um elefante. Quando perguntava o que os adultos viam em seu desenho, todos eles achavam que o garoto havia desenhado um chapéu. Ao corrigir as pessoas sobre seu desenho, era sempre respondido que precisava de um hobby mais maduro. O narrador, então, lamenta a falta de criatividade demonstrada pelos adultos.

Decepcionado com as reações, ele desiste da carreira de “desenhista”, e se torna aviador. Durante um voo, ocorre uma pane em seu avião, no deserto do Saara. Ao acordar, depois do acidente, se depara com um menino (descrito como tendo cabelos de ouro e um cachecol amarelo), que lhe pede para desenhar uma ovelha. O narrador, então, mostra-lhe o seu antigo desenho (do elefante dentro de uma jiboia). Para sua surpresa, o menino interpreta-o corretamente (apesar de estar insatisfeito, pois ainda queria o desenho de um carneiro).

O aviador descobre que o menino vive no “asteroide B-612” (um planeta minúsculo), no qual há apenas uma rosa que fala com ele. O autor conta, então, um pouco da história dele, e de como o principezinho foi parar no Deserto do Saara. A flor e o Pequeno Príncipe não se dão bem, ela é exigente. Ele decide partir numa viagem em que pesquisa sete planetas. A última estação é a Terra, onde encontra o aviador (que fez um pouso forçado no deserto). No último capítulo, a mensagem chega repleta de novas reflexões, que dariam muitos outros livros: o aviador, finalmente, desenha o carneiro que o principezinho tanto queria... mas deixa “no ar” que o carneiro poderia comer a sua flor...


Memória

Em Le Petit Prince, o narrador fala sobre ter ficado preso num deserto, após seu avião ter caído. Essa situação foi baseada num incidente com o próprio Saint-Exupéry, no deserto do Saara, descrito com detalhes em seu livro de memórias Terre dês hommes, em 1939 (“Em 30 de dezembro de 1935, às 02h45, depois de 19 horas e 44 minutos no ar, Saint-Exupéry e seu copiloto André Prévot caíram no deserto do Saara”). O Pequeno Príncipe retoma o esquema do conto filosófico criado por Voltaire. Especificamente, guarda semelhanças com Micrômegas – um gigante de Sirius que decide aventurar-se pelo Universo, visita o Sistema Solar e vem parar na Terra, discutindo filosofia com os seres humanos. Também o principezinho visita vários asteroides/planetas e discute filosofia.


Sabedoria

A narrativa transborda sabedoria. A profundidade filosófica que encontramos, despojadamente, em suas páginas é a força que deu a dimensão exponencial da obra, ao longo de décadas, com mais de três centenas de milhão de cópias vendidas pelo mundo.

Sua parábola debate, entre outras questões, a perda da inocência e fantasia ao longo dos anos, conforme as pessoas vão crescendo e abandonando a infância. Aborda, em várias partes, o valor de todas as coisas. Ao lado das considerações sobre amor, amizade e morte, faz também uma crítica social. “O essencial é invisível aos olhos, e só se pode ver com o coração.”

Através desta afirmação, fica o registro de que o verdadeiro valor de algo ou de alguém não pode ser visto com uma visão superficial. Para conhecer o que é essencial é preciso um olhar mais profundo, que ultrapassa a superficialidade, sem preconceito. “Foi o tempo que dedicaste à tua rosa que a fez tão importante.”

Esta frase descreve o laço afetivo existente entre o Pequeno Príncipe e a Rosa. O que torna as coisas ou pessoas importantes é o tempo que nós dedicamos a elas.

“Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde às três eu começarei a ser feliz.”

Entre pessoas que gostam uma da outra, existe esse sentimento de antecipação quando se sabe que vai haver um encontro. “As pessoas são solitárias porque constroem muros em vez de pontes.”

As duas estruturas (muros e pontes) servem para designar atitudes no contexto da interação social. Os muros servem para criar uma separação entre dois lugares, enquanto as pontes têm a função oposta, ou seja, são construídas para conectar. Assim, quem é solitário se afasta das outras pessoas, construindo muros e não pontes. “É loucura odiar todas as rosas porque uma te espetou.” Esta frase revela o perigo e a insensatez de generalizar, julgar e avaliar uma pessoa por alguma coisa que aconteceu no passado. Isso também pode ser aplicado ao tópico da discriminação e preconceito racial. Só porque alguém foi magoado por uma pessoa de uma determinada classe, raça, gênero ou grupo social, não significa que todas as pessoas são iguais.

“Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.” O fenômeno de “cativar” algo ou alguém é amplamente abordado no livro. Esta frase explica que, quando é formado um relacionamento (seja ele amoroso ou de amizade), as pessoas se cativam e, ao cativar, são responsáveis por ela. Isso significa que o amor ou amizade exigem responsabilidade. O Pequeno Príncipe cativou a rosa e, por esse motivo, tornou-se responsável por ela, dando resposta aos seus desejos e caprichos.


Personagem

O personagem que dá o nome ao livro é um dos dois protagonistas da história. Esta criança vem do asteroide 325 (conhecido na Terra como B-612) e deixa a sua casa e a sua querida rosa para viajar pelo Universo. Nos vários planetas que visita, tem contato pela primeira vez com adultos e fica espantado com o comportamento e as incoerências deles.

O Pequeno Príncipe representa a infância inconsciente dentro de cada adulto.


O autor

A carreira de piloto de Antoine de Saint-Exupéry, nascido numa família nobre de Lyon em 29 de junho de 1900, começou com voos sobre Paris, para turistas. Na década de 1920, ele trabalhou sucessivamente em Toulouse, Casablanca e Dacar, e assumiu a chefia do aeroporto do então Protetorado Espanhol em Marrocos, onde salvou diversos colegas forçados a pousar no deserto.

Mais tarde, transferiu-se para a Argentina, onde atuou como correio aéreo noturno. Em suas repetidas tentativas de estabelecer recordes de voo, sobreviveu a duas quedas: entre Paris e Saigon, e entre Nova York e a Terra do Fogo. Quando a Segunda Guerra começou, em 1939, foi recrutado e presenciou a blitz aérea das Forças Aéreas alemãs no nordeste da França.

Paralelamente à carreira de aviação, Saint-Exupéry escreveu livros muito apreciados, entre eles, livros como O Aviador (1926), Correio do Sul (1929) e Voo Noturno (1931). Porém, mesmo sendo laureado com prêmios literários, ele se considerava, em primeiro lugar, um piloto de carreira, e escritor amador.

O Pequeno Príncipe foi um dos seus últimos trabalhos. Ele faleceu em julho de 1944, aos 44 anos, quando seu avião foi abatido por um caça alemão. Ele fez questão de lutar pela libertação da França. Morreu com a mesma coerência que teve em vida.

Por Manoela Ferrari