Agosto, 2022 - Edição 282

O premiado DaMatta

Aos 85 anos, o antropólogo Roberto DaMatta é o vencedor do Prêmio Machado de Assis 2022, concedido pela Academia Brasileira de Letras (ABL), pelo conjunto de sua obra.

Membro titular da Academia Brasileira de Ciências, com 11 livros que são marcos da formação do pensamento antropológico brasileiro, DaMatta escreveu também mais de uma centena de ensaios técnicos, vários artigos para os principais jornais do país e do exterior, inclusive para o New York Times.

O mais famoso de seus títulos é Você Sabe com quem Está Falando?, volume com três ensaios que analisam o autoritarismo brasileiro. É um ótimo exemplo de como construiu suas obras, sempre a partir da cultura popular, analisando fenômenos como futebol, Carnaval, fé e o famoso “jeitinho brasileiro”. Nos anos 1980, o livro O que Faz o Brasil, Brasil? recebeu o prêmio Casa Grande e Senzala, do Instituto Joaquim Nabuco, como a melhor interpretação do Brasil.

Considerado um dos grandes nomes das Ciências Sociais no país, é autor de diversas obras de referência na Antropologia, Sociologia e Ciência Política. Outros destaques em sua bibliografia são Conta de Mentiroso: Sete ensaios de Antropologia brasileira, Universo do Carnaval, A Casa e a Rua e Relativizando: Uma introdução à Antropologia Social.



Biografia



Nascido no dia 29 de julho de 1936, em Niterói, Roberto Augusto DaMatta sempre se interessou em pesquisar e entender o povo brasileiro. Bacharel (1959) e licenciado (1962) em História pela Faculdade Fluminense de Filosofia (hoje Universidade Federal Fluminense), é especializado em Antropologia Social.

No fim dos anos 1960, quando muitos de seus companheiros protestavam contra a influência americana no país, partiu para os Estados Unidos. Fez mestrado (1969) e doutorado (1971) em Harvard. Uma de suas maiores influências foi o antropólogo americano David Maybury-Lewis (especialista da etnia Xavante), a quem auxiliou durante seus estudos em Harvard. Sua obra também estabelece importantes diálogos com os franceses Claude Lévi-Strauss, Louis Dumont, Émile Durkheim e Alexis de Tocqueville (este, amplamente citado no famoso ensaio sobre o Sabe com quem Está Falando?), o escocês Victor Turner e, especialmente, com os brasileiros Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e Roberto Cardoso de Oliveira.

Dedicado, sobretudo, à análise e interpretação da sociedade brasileira, enquanto alguns tentavam entender o Brasil a partir de teses marxistas ou de estruturalistas franceses, DaMatta resgatou, essencialmente, o sociólogo pernambucano Gilberto Freyre. Construiu, assim, uma “antropologia à brasileira”, baseada na observação e compreensão de fenômenos locais como o Carnaval, o futebol e o jogo do bicho. Em 1974, Oswaldo Caldeira realizou, para o Ministério da Educação e Cultura, o documentário de média metragem “Aukê”. O filme é uma aula de Antropologia, baseada em um estudo, feito em 1970 por Roberto, chamado “Mito e antimito entre os Timbira”, que conta o surgimento do homem branco do ponto de vista indígena. O próprio Roberto apresenta e explica seu trabalho ao longo do filme, que foi selecionado e exibido no Festival de Brasília, em 1975.

De 1987 a 2004, foi professor da Universidade de Notre Dame, em Indiana, onde tornou-se a voz mais ouvida pelos americanos que tentavam entender o Brasil. No exterior, foi professor visitante de três universidades: Wisconsin, em Madison, e Universidade da Califórnia, em Berkeley, (ambas nos Estados Unidos), e na Universidade de Cambridge, no Reino Unido.

Pioneiro nos estudos de rituais e festivais em sociedades industriais, investigou o Brasil a fundo como sociedade e sistema cultural. Realizou pesquisas etnológicas entre os índios Gaviões e Apinayé.



Raízes



Apesar de morar fora por um longo período, nunca cortou as raízes, vindo com frequência ao Brasil, abastecendo-se de novidades e ideias. Até decidir retornar de vez, indo morar em Niterói. Lecionou no Museu Nacional da UFRJ e na Universidade Federal Fluminense, onde dirigiu o Programa de Pós-graduação em Antropologia Social. Professor Emérito da Universidade de Notre Dame, nos Estados Unidos, onde ocupou a Cátedra Reverendo Edmund Joyce, c.s.c., de Antropologia (entre 1987 e 2004), atualmente, é professor titular de Antropologia Social da PUC-Rio.

Dentre prêmios e títulos recebidos durante a carreira, destacam-se: Prêmio Casa Grande & Senzala (1984), pelo livro O que Faz o brasil, Brasil?; Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico (1995); Comendador da Ordem do Rio Branco (2001), do Ministério de Relações Exteriores; Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico (2002); Medalha da Ordem do Mérito Cultural (2002), do Ministério da Cultura; Personalidade Cidadania (2005) da UNESCO; Incluído na lista “100 Brasileiros Geniais” (2006), jornal O Globo; Incluído na lista “100 Brasileiros que mais fazem acontecer” (2007), da revista Época; Comenda ofertada pela Ordem dos Advogados do Brasil (2011);).

Além da ABC, possui associações com o Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB), o PEN Club do Brasil (Organização Internacional de Escritores), a Academia Americana de Artes e Ciências (AAAS, na sigla em inglês) e com a Academia Americana de Ciências (AASCI, na sigla em inglês). “Meu objetivo era ser escritor e a antropologia social ou cultural foi quem me ofereceu a oportunidade de realizar a escrita e ganhar a vida”, afirma.



Nação complexa



Estudioso do país, de seus dilemas e de suas contradições bem como de seu potencial e de suas soluções, o antropólogo considera o Brasil uma nação complexa, que não se submete a uma fórmula ou esquema único, tão diversificada como diversificados são os rituais, conjunto de práticas consagradas pelo uso ou pelas normas, a que os brasileiros se entregam.

O antropólogo revela a cultura do povo brasileiro através de suas festas populares, manifestações religiosas, literatura e arte, desfiles carnavalescos, paradas militares, leis e regras (quando respeitadas e quando desobedecidas), costumes e esportes. Todos esses temas são abordados em sua relação com duas espécies de sujeito (o indivíduo e a pessoa), e situados em dois tipos de espaço social (a casa e a rua).

A distinção entre indivíduo e pessoa é bem demarcada em seu original trabalho sobre a conhecida pergunta: Você sabe com quem está falando? Os seres humanos que se sentem autorizados a se dirigir dessa forma aos outros colocam-se na posição de “pessoas”: são “alguém” no contexto social. Os seres humanos a quem tal pergunta é dirigida seriam “meros indivíduos”, “mais um na multidão”.

A rua é o espaço público. Como é de todos, em tese não é de ninguém: logo, tem-se ali um espaço “hostil” onde não valem as leis e os princípios éticos, a não ser sob a vigilância da autoridade. A convivência na rua depende de uma negociação constante entre iguais e desiguais.

A casa, considerada num sentido amplo, é o espaço privado por excelência, onde estão “os nossos”, que devem ser protegidos e favorecidos. Nessa abordagem, DaMatta atualizou o conceito de “homem cordial”, de Sérgio Buarque de Holanda.

Trafegando com notável desembaraço entre o mundo acadêmico e a escrita coloquial, atualmente, integra o quadro de colunistas de O Globo e do Estadão. O escritor e antropólogo revela em seus textos ângulos insuspeitos da vida social, sendo capaz de transpor a linguagem da cultura popular para o pensamento sistematizado.



Obra



Índios e Castanheiros (com Roque de Barros Laraia) – 1967
Ensaios de Antropologia Cultural – 1975
Um Mundo Dividido: A estrutura social dos índios Apinayé – 1976 (em inglês, 1982)
Carnavais, Malandros e Heróis – 1979 (em francês, 1983; em inglês, 1991)
Universo do Carnaval: Imagens e reflexões – 1981
Relativizando: Uma introdução à antropologia social – 1981
O que Faz o brasil, Brasil? – 1984
A casa e a Rua: Espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil – 1984 (em 2000, foi lançada a 11ª edição)
Explorações: Ensaios de sociologia interpretativa – 1986
Conta de mentiroso: sete ensaios de antropologia brasileira – 1993
Torre de Babel: Ensaios, crônicas, críticas, interpretações e fantasias – 1996
Águias, Burros e Borboletas: Um ensaio antropológico sobre o jogo do bicho – 1999
Profissões Industriais na Vida Brasileira – 2003
Tocquevilleanas, notícias da América – 2005
A Bola Corre mais que os Homens: Duas Copas – 2006
Fé em Deus e Pé na Tábua: Como e por que o trânsito enlouquece no Brasil – 2011
Brasileirismos: Além do jornalismo, aquém da antropologia e quase ficção – 2015
Fila e Democracia – 2017

Séries para televisão



Os brasileiros (Rede Manchete, 1983, autoria e produção) Nossa Amazônia (Rede Bandeirantes, 1985, autoria) – direção de Cacá Diegues

Por Manoela Ferrari