Fevereiro, 2021 - Edição 267

Martinho da Vila no mundo das crianças

Presença obrigatória em qualquer lista com os maiores nomes do samba brasileiro, Martinho da Vila, desta vez, foi encarregado de selecionar – e narrar para crianças – a história dos maiores gênios do gênero, no país. Uma série de biografias de sambistas geniais está sendo organizada por ele.

Martinho Conta... Cartola e Martinho Conta... Noel são os dois primeiros títulos. Apesar de a coleção ser voltada para o público infantojuvenil, a narrativa – coloquial e agradável, características do autor – certamente vai despertar interesse em todas as idades. Com ilustrações de Werner Schulz, os livros vão preencher uma lacuna no mercado literário do Brasil, em que ainda são poucos os registros sobre figuras de relevância musical para o país. O terceiro livro da coleção, já em fase de finalização, apresenta o compadre Paulinho da Viola, de 78 anos. A narrativa veio da convivência, “devagar devagarinho”, ao longo de muitos anos, no cenário do samba. Em poucas páginas, com jeito descontraído, mas bastante informativo, os textos satisfazem quem procura conhecer a vida dos sambistas.

O longo período de isolamento social provocado pela pandemia de Covid-19 fez o lado escritor de Martinho da Vila ampliar o espaço junto ao público infantojuvenil. Autor de dois livrinhos infantis (A Rainha da Bateria e A Rosa Vermelha e o Cravo Branco), publicados pela editora Lazuli, não hesitou em aceitar o convite do editor Miguel de Almeida, de quem partiu a ideia de produzir essa série de biografias: “Ele deu a sugestão, e eu embarquei. Pensei logo no Cartola, que é um compositor de quem eu gosto muito e que a meninada não conhece. A mesma coisa com o Noel Rosa. Preferi começar com eles.”


Biografia


Nascido em Duas Barras, Rio de Janeiro, em 12 de fevereiro de 1938, Martinho José Ferreira é filho de lavradores da Fazenda do Cedro Grande. Mudou-se para o Rio de Janeiro aos quatro anos e foi criado na Serra dos Pretos Forros. Sua primeira profissão foi Auxiliar de Químico Industrial, função aprendida no curso intensivo do SENAI. Servindo o exército como Sargento Burocrata, cursou a Escola de Instrução Especializada, tornando-se escrevente e contador, profissões que abandonou em 1970 para se dedicar à carreira de cantor. Casado com Clediomar Corrêa Liscano Ferreira (Cleo) desde 1993, é pai de oito filhos e avô de dez netos. Como cantor e compositor, criou músicas de vários ritmos, tais como ciranda, frevo, coco, samba de roda, capoeira, bossa nova, calango, samba-enredo, toada e sambas africanos.

Sua primeira grande apresentação foi no III Festival da Record, em 1967, com a música Menina Moça. O sucesso veio no ano seguinte, na quarta edição do festival, com a canção Casa de Bamba. O primeiro disco foi lançado em 1969, intitulado Martinho da Vila. Fez parte da extinta escola de samba “Aprendizes da Boca do Mato” até 1965, quando passou a se dedicar à Unidos de Vila Isabel, cuja história se confunde com a do próprio compositor, autor de vários sambas-enredo. Em 1988, criou o memorável Kizomba – A Festa da Raça, garantindo para a Vila o título de campeã do carnaval carioca. Martinho torce para o Vasco da Gama, e compôs duas músicas em homenagem ao clube do coração. Em 2009, foi lançado o documentário O Pequeno Burguês – Filosofia de Vida, que conta um pouco da vida artística e particular do artista. No fim de 2012, fez participação na série de TV Meu Anjo, produzida pela produtora Telemilênio, como ele mesmo.

Em 2017, aos 79 anos, ingressou na faculdade de Relações Internacionais da Universidade Estácio de Sá, na cidade do Rio de Janeiro, segundo ele, para “entender um pouco mais das relações internacionais em termos históricos, na teoria”, já atuando havia algum tempo nessa área, como Embaixador Cultural de Angola e da Comunidade de Países de Língua Portuguesa. Frequentou as aulas regularmente e de forma presencial, cumprindo todas as exigências do curso, mas não o concluiu. Cursou até o terceiro ano (o último ano seria para preparar o aluno para o mercado de trabalho, o que não era seu interesse).

Martinho foi o primeiro sambista a ultrapassar a marca de um milhão de cópias com o CD “Tá delícia, Tá gostoso”, lançado em 1995. Já era um compositor bastante conhecido quando voltou a Duas Barras, a convite da prefeitura, para uma festa em sua homenagem. Foi, então, que descobriu que a fazenda onde nascera estava à venda e a adquiriu. Seu acervo de obras musicais e literárias encontra-se em Duas Barras, bem como os prêmios recebidos, dentre os quais os títulos de Cidadão Carioca, Cidadão Benemérito do Estado do Rio de Janeiro, Comendador da República (Grau de Oficial), e a Ordem do Mérito Cultural (pela contribuição à cultura brasileira). Martinho da Vila recebeu ainda as Medalhas Tiradentes e Pedro Ernesto e, em 1991, o Prêmio Shell de Música Popular Brasileira.

Com reconhecido ecletismo musical, valorizado internacionalmente, Martinho lançou, em 1989, o disco O canto das lavadeiras, baseado em nosso folclore, e, no ano 2000, Lusofonia, reunindo canções lusófonas mundiais. Apresentou, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em setembro de 2000, seu projeto Concerto Negro, idealizado em parceria com o maestro Leonardo Bruno, enfocando a presença da cultura negra na música erudita.

Em 1999, fundou a Editora ZFM e publicou o primeiro romance: Joana e Joanes. Escreveu, ainda, seis outros livros: Vamos Brincar de Política (1986), voltado para o público juvenil; Kizombas, Andanças e Festanças (1992), de teor autobiográfico; Ópera Negra (1998), que idealiza a apresentação, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, de uma ópera que busca traçar a história do negro no Brasil; Memórias Póstumas de Teresa de Jesus (2003), que conta a vida de sua mãe; Os Lusófonos (2006), no qual destaca o cruzamento das culturas de língua portuguesa; Vermelho 17, romance centrado nos conflitos, emoções e experiências de um jovem de dezessete anos; A Serra do Rola-Moça, novela cujo tema central é a família Gullar Drummond, de Belo Horizonte. Este ano, além de dar início à coleção de biografias narrando a história de gênios do samba, Martinho finalizou um livro de contos. Segue não deixando o samba, nem a literatura, morrer

Por Manoela Ferrari