Novembro, 2021 - Edição 273

A poesia do Rei Davi

No final de setembro deste ano, em que a Igreja Católica celebrou os 50 anos do Mês da Bíblia, uma notícia alvissareira quase passou despercebida pela grande imprensa, em meio ao noticiário utilitário e político que tem tomado conta da mídia. A imagem do Rei Davi, furtada da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar, em Duque de Caxias (RJ), procurada há 47 anos, foi, finalmente, recuperada.

Um dos primeiros bens tombados do país, em 1938, apenas um ano após a criação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar foi construída no início do século XVIII nas margens do antigo porto do Pilar do Iguaçu, sendo a sede religiosa de um dos locais mais ricos da região, durante o ciclo do ouro.

Assim como na literatura bíblica, as imagens sacras do Rei Davi e de sua amada Betsabá passaram por maus momentos. Furtadas da Igreja Matriz em 1974, as esculturas seguiram destinos diferentes e ficaram desaparecidas por mais de quatro décadas, até serem localizadas em acervos de colecionadores, em São Paulo.

A primeira escultura recuperada foi a da rainha consorte de Israel (Betsabá, esposa do rei Davi e mãe do rei Salomão). Em seguida, foi a vez da imagem do Rei Davi. As obras, executadas na primeira metade do Século XVIII, possuem características do barroco joanino, em madeira policromada e douramento, com cerca de 1,20m de altura. Juntas, formam o conjunto escultórico pertencente ao altar-mor da igreja histórica.


Iconografia
A transcendência estética das imagens ajuda a fortalecer os ensinamentos religiosos através do encantamento dos devotos com a beleza artística. Com a imagem do Rei Davi, em Duque de Caxias, não era diferente.

A iconografia do conjunto escultórico da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar chamava a atenção dos fiéis, levando-os a se interessar pela trajetória simbólica do rei Davi e, consequentemente, pelos Salmos, autor da maioria deles. Textos de pura poesia, os escritos supõem o contexto maior de uma fé que nasce da história e constrói história.


Os salmos
Maior, mais central e mais lido livro da Bíblia, os Salmos são usados como orações ou louvores, tanto no Judaísmo, no Cristianismo ou no Islamismo. Tal fato – ser comum aos três monoteísmos semitas (apreciados igualmente por judeus, cristãos e muçulmanos) – não tem paralelo.

Coração do Antigo Testamento, os 150 (ou 151, segundo a Igreja Ortodoxa) cânticos e poemas proféticos são uma espécie de síntese que reúne todos os temas e estilos dessa parte do Livro Sagrado. O rei Davi teria escrito, ao menos, 73.

Um dos mais diversos livros da Bíblia, – já que lidam com temas como Deus e Sua criação, guerra, adoração, sabedoria, pecado, julgamento, justiça, o mal e a vinda do Messias –, o período em que os Salmos foram escritos varia muito. Representa um lapso temporal de, aproximadamente, um milênio, desde 1440 a.C., quando houve o êxodo dos judeus do Egito até o cativeiro babilônico. Muitas vezes, os poemas permitem traçar um paralelo com os acontecimentos históricos. A personalidade e identidade de Davi estão claramente estampadas em muitos poemas. Dois deles, porém – 72 e 127 – são de Salomão, seu filho e sucessor. O Salmo 90 é uma oração atribuída a Moisés. Outro grupo de 12 textos é de autoria da família de Asafe. Os filhos de Coré escreveram 11. O Salmo 88 é atribuído a Hemã, enquanto o Salmo 89 foi escrito por Etã, o ezraíta. Com a exceção de Salomão e Moisés, todos esses autores foram sacerdotes ou levitas responsáveis pelo fornecimento de música para a adoração no santuário, durante o reinado de Davi. Cinquenta e um textos, no entanto, têm a autoria desconhecida.


Rei davi, o poeta A história de Davi – poeta, algoz dos filisteus e rei de Israel – ocupa 42 capítulos da Bíblia e é uma das mais conhecidas. O significado do nome “Davi” (dawid) é incerto. Uma das possibilidades mais aceitas é a de que o nome Davi signifique “amado”, procedente do hebraico “dod”. Já foi sugerido também que dawid deveria ser equiparado ao termo dawidum, “chefe” ou “oficial do exército”. Mas, se assim fosse, “Davi” seria um título e não um nome próprio. Essa sugestão, portanto, ficou improvável.

Descrito como “o doce salmista de Israel” (2 Samuel 23:1), o Antigo Testamento faz referências a Davi também como líder da adoração musical de Israel, inventor de instrumentos, poeta e habilidoso compositor. Citado inúmeras vezes não apenas no Antigo Testamento, mas também no Novo Testamento, é mencionado com destaque na genealogia de Jesus nos Evangelhos. A menção mais importante é como “ancestral segundo a carne de nosso Senhor Jesus” (Romanos 1:3). Ao todo, existem pelo menos 58 referências ao rei Davi no Novo Testamento. Entre elas, inclui-se o título frequentemente utilizado para se referir a Jesus como “Filho de Davi”. No livro do Apocalipse, o apóstolo João registrou as seguintes palavras ditas pelo próprio Jesus: “Eu sou a raiz e a geração de Davi” (Apocalipse 22:16).

Uma das descrições mais conhecidas sobre quem foi Davi está registrada no livro de Atos dos Apóstolos. Nela, lemos que o rei Davi era um homem “segundo o coração de Deus” (Atos 13:22).



História

Davi era o filho mais novo de Jessé, pertencia à tribo de Judá, e era neto da moabita Ruth com o judeu Boaz. Nascido em Belém, cidade a aproximadamente 10 quilômetros ao sul de Jerusalém, seu pai era um homem rico e respeitado na cidade.

Um episódio que trouxe extremo reconhecimento a Davi entre o povo de Israel foi quando ele enfrentou e matou o gigante filisteu Golias (1 Samuel 17). No campo de batalha, Davi tomou conhecimento do desafio imposto por Golias ao exército de Israel: um confronto individual contra o escolhido hebreu. O lado vencedor determinaria o resultado da batalha. Na época, lutar contra aquele gigante parecia ser um suicídio.

Quando se ofereceu para aceitar o desafio do gigante filisteu, Davi recebeu o melhor equipamento militar entre os hebreus, mas recusou a oferta, pois não conseguiu manejar a armadura. Na ocasião do combate, utilizou apenas uma pedra e uma funda como arma. O gigante foi derrotado, sua cabeça foi cortada e a vitória do jovem pastor evidenciou que o “Senhor dos Exércitos” estava com ele.

A história de Davi como rei começou ainda antes de ele assumir o trono. Primeiro, ele tornou-se rei da tribo de Judá, em Hebrom (2 Samuel 2-4). Depois, tornou-se rei sobre as doze tribos de Israel, após a morte de Isbosete, filho de Saul. Foi o primeiro a governar Israel como um império unificado. Mesmo com a divisão que ocorreu após a morte de seu filho, o rei Salomão, a dinastia da casa de Davi durou aproximadamente 425 anos.


Antiguidade dos escritos

Não se nomeia os Salmos por capítulos e sim por Salmo. Cada Salmo é uma unidade distinta, devendo ser identificado por seu número e estudado no contexto histórico próprio.

Um exame cuidadoso da questão da autoria, bem como dos assuntos abrangidos em si, revela que os escritos cobrem um período de muitos séculos. O Salmo mais antigo é a oração de Moisés, uma reflexão sobre a fragilidade do homem em comparação com a eternidade de Deus. O mais recente, provavelmente, é o Salmo 137, uma canção de

Por Manoela Ferrari