Julho, 2021 - Edição 269
Marco Maciel, a eternidade do exemplo
O Jornal de Letras se une às homenagens e ao luto pela morte do
saudoso acadêmico Marco Maciel. Na madrugada do dia 12 de junho, o
ex-vice-presidente da República pernambucano, que estava internado
em um hospital particular do Distrito Federal, faleceu em decorrência
de um “quadro infeccioso respiratório”, como informaram os médicos. Foi enterrado no cemitério Campo da Esperança, em Brasília. O
Governo Federal decretou luto oficial de três dias.
Líder de princípios sólidos, político aberto ao diálogo, fiel aos
correligionários e respeitoso com os adversários, agia com discrição
nos bastidores. Passou pela vida pública sem deixar nenhuma mancha,
fazendo da política a arte da construção. O início da militância foi na
política universitária, na Faculdade de Direito da Universidade Federal
de Pernambuco. Nessa época, conheceu, na Universidade, a estudante
de Sociologia Anna Maria Ferreira Maciel, com quem casou e teve três
filhos: Gisela, Maria Cristiana e João Maurício.
Ao longo da carreira, pautado pela ética e probidade, sempre em
defesa da democracia, abriu infinitas portas para o diálogo e o ordenamento institucional. Quando presidiu a Câmara dos Deputados, com
apenas 30 anos, teve que confrontar-se com o fechamento do Congresso
pelo Governo do general Geisel. Manteve-se na ação ao lado dos militares que trabalhavam pela abertura política.
Foi um dos políticos mais atuantes no projeto de distensão gradual que levou à anistia política e à eleição de Tancredo Neves pelo voto
indireto. Rompeu com o PDS (partido governista derivado da Arena) e
ajudou a fundar o PFL, com dissidentes governistas.
Além de deputado estadual e federal, teve uma atuação brilhante
como senador e governador de Pernambuco, além de ter sido ministro
da Educação e Chefe do Gabinete Civil da presidência no governo José
Sarney.
Exerceu ainda o mandato de vice-presidente durante o governo de
Fernando Henrique Cardoso, de 1995 a 2003, ocasião em que assumiu
a presidência da República 87 vezes. Com contribuições decisivas para
o processo histórico brasileiro, atuou na linha de frente que resultou no
fortalecimento da democracia.
Em 2014, ele foi diagnosticado com Alzheimer.
Nascido em Recife (PE), em 21 de julho de 1940, o filho de José do
Rego e Carmen Sylvia Maciel foi também, entre as inúmeras funções de
importância pública já citadas, secretário da Fazenda, duas vezes deputado federal, prefeito do Recife, promotor e consultor-Geral do Estado.
Quem acompanhou sua vida afirmava que ele exercia a política
como “ação missionária”, conforme definiu o intelectual Alceu Amoroso
Lima (1893-1983). Foi essa forma de atuar que o tornou um dos mais
conhecidos e respeitados homens públicos com relevantes serviços a
Pernambuco, seu estado natal, ao país, às instituições e ao povo.
Oitavo ocupante da Cadeira nº 39 da Academia Brasileira de
Letras, Marco Maciel foi eleito em 18 de dezembro de 2003, na sucessão
de Roberto Marinho, e recebido em 3 de maio de 2004, pelo acadêmico Marcos Vinicios Vilaça. Em seu discurso de posse, definiu a política
como “ciência, virtude e arte do bem comum”:
“Tudo assim concorre, na minha opinião, para conferir, na estadística moderna, enquanto ciência de Estado, a condição de homem
público a todos quantos, mesmo não havendo exercido função pública
ou disputado mandato eletivo, se tenham empenhado no serviço do
bem comum. A vida pública, antes de ser uma profissão, é e deve ser
uma atitude de vida a exigir não o diletantismo, mas, como propunha
Nabuco, o interesse vivo e palpitante no destino e na condição alheia’.”
Citou o Papa João XXIII, na encíclica Pacem in terris, que afirmou: “A paz
será uma palavra vazia de sentido se não se fundar na ordem: ordem
fundada na verdade, constituída na justiça, alimentada e consumada na
caridade, realizada sob os auspícios da liberdade.”
O discurso de recepção do acadêmico Marcos Vinicios Vilaça foi
poético e muito aplaudido:
“Eis uma pessoa quase sobrenatural... Não podia defini-lo melhor
já que se move e fala constantemente. E monstruosamente alto e
magro... Um ar cavaleiresco de D. Quixote, qualquer coisa de apostólico... Sempre transbordante de vida e sempre a contar histórias interessantes...
Dá para pensar ser um desenho de Marco Maciel, mas não é.
Trata-se de Bernard Shaw, visto por Bertold Brecht.
Depois de Brecht, Mano Vargas Llosa principia A Guerra do Fim
do Mundo, a saga de Canudos, com esta frase: ‘O homem era alto e tão
magro que parecia sempre de perfil.
Não parece Marco Maciel?
É que Marco Maciel é magro como relíquia de sacrário. Magro e
alto.
O novo acadêmico chega à Academia Brasileira de Letras, alto e
magro, mas não de perfil. Entra de frente, sob o pálio de valores fundamentais à convivência em nossa Casa: brasilidade, serviços à Cultura,
produção intelectual, honradez irretocável, grande vida de político.
Ressalto, desde logo, a sua vertente de político, recordando
Carnelutti, uma das leituras indispensáveis dos nossos tempos da
Faculdade de Direito, que disse assim: ‘Admiro os políticos porque escolheram como profissão conviver com gente.’
Não causaria nenhum mal se este fosse o seu único título. Aqui,
nunca deixamos de ter a grande cota de políticos. Todos, como no seu
caso, de densa vida dedicada às Letras. A Política é a sua vocação. (...) A
Política concedeu a Marco Maciel, assim como a muitos dos nossos
confrades, a boa oportunidade de ouvir o povo, conhecer-lhe as agruras,
acumular experiências. Esse cabedal apresenta-se nos seus textos onde
o político não apenas reclama direitos, mas assume responsabilidades.”
Legado
Marco Maciel não tinha inimigos. Paciente e homem de muita fé,
em 45 anos de vida pública deixou um grande legado e inspirou muitos
políticos que trabalharam e cresceram ao seu lado. Com extrema capacidade de negociação, dotado de espírito público, contribuiu para o
engrandecimento do Brasil, buscando construir pontes e entendimentos.
No Twiter, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB),
seu colega na Academia Brasileira de Letras, lamentou a perda. “Marco
Maciel exerceu a vice-presidência nas duas vezes em que fui presidente.
Se me pedirem uma palavra para caracterizá-lo, diria: lealdade. Viajei
muito, sem preocupações: Marco exercia com competência e discrição
as funções que lhe correspondiam. Deixa saudades.”
O ex-ministro da Educação, deputado Mendonça Filho (DEM-PE),
declarou: “No momento em que o país precisa construir consensos, o
Brasil perde o maior símbolo da política do diálogo: o pernambucano
Marco Maciel. O DEM perde um de seus maiores líderes. Perco um
amigo, conterrâneo e exemplo de ética a ser seguido, uma referência
pessoal e política.”
Hamilton Mourão, vice-presidente da República, destacou o
exemplo de probidade: “Político com extrema capacidade de negociação e dotado de espírito público, contribuiu para o engrandecimento
do Brasil.”
O governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), decretou luto
oficial de sete dias no Estado: “Com a morte de Marco Maciel, o Brasil
perde um político que sempre esteve aberto ao diálogo e ao entendimento. Ao longo de sua trajetória como deputado, governador, senador,
ministro e vice-presidente da República, Marco Maciel defendeu suas
posições com ética e elevado espírito público. Características que também o destacaram na Academia Brasileira de Letras.”
O presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (DEM),
manifestou tristeza: “É com tristeza que recebi a notícia do falecimento
de Marco Maciel, que lutava há 7 anos contra o mal de Alzheimer. Meus
sentimentos à sua família, amigos e admiradores.”
João Campos (PSB), prefeito do Recife, se uniu às manifestações
de solidariedade: “O Brasil e Pernambuco perdem um grande político,
o recifense Marco Maciel. Sempre fazendo política buscando construir
pontes e entendimentos. Minha solidariedade à família e aos amigos.
Que possam encontrar conforto neste momento de dor.”
O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), destacou a unanimidade, resumindo o legado essencial do político pernambucano:
“Exemplo de dignidade e de espírito público, perdemos uma unanimidade política, um verdadeiro estadista cuja biografia deve servir como
exemplo para o Brasil, especialmente neste momento tão tristemente
marcado pelo acirramento ideológico e pela cega confrontação.”
O presidente da ABL ressaltou a simplicidade e a sabedoria do
acadêmico: “O Brasil perdeu um dos artífices mais sábios no cenário
complexo da redemocratização. Homem discreto, delicado, como quase
não há mais. Marco não firmou aliança com formas incertas e nebulosas. Seu compromisso foi o de manter-se fiel a um ideário, ao princípio
de clareza e harmonia, como um grego, leitor de Aristóteles e Rousseau.
Sua presença fez escola na vice-presidência da República. Jamais perdeu a consciência da liturgia do cargo. Falava pouco, agia muito, sem
protagonismo vazio. Marco Maciel jamais endossou a miopia da pequena política, nem tampouco a bandeira do ódio. Foi um homem de cultura na política, atento aos ventos da História e ao futuro de nosso país.”
Sua partida inflige enorme perda para a política brasileira e a arte
da conciliação.