Março, 2021 - Edição 265

Na Ponta dos pés de Ana Botafogo

No mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, o Jornal de Letras abre espaço para homenagear uma artista que sempre contribuiu para engrandecer o cenário cultural do país. Com leveza, graça e muita competência, eleva a nossa autoestima como nação brasileira de capacidade e talento, igualando a nossa arte ao mesmo patamar no cenário mundial.
O início da história da bailarina Ana Botafogo é de dedicação e abdicação. O jogo de emoções que o ballet desencadeia não tardou a ser descoberto: “Muitas vezes tive de congelar meus sentimentos de tristeza para me entregar ao dia a dia do balé...”, revela no livro Ana Botafogo – na ponta dos pés (Editora Globo, 2006). A obra é baseada em entrevistas com a jornalista Leda Nagle e com a coreógrafa e ex-diretora do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, Dalal Achcar, com redação final de Eliana Rocha.

Com prefácio assinado por Alicia Alonso, bailarina, coreógrafa e diretora do Balé de Cuba, um dos mais respeitados do mundo, o cotidiano, os sonhos, os amores, as esperanças, as perdas e os medos são elementos presentes na publicação. Impressões sobre a dança e a vida, que mesclam a trajetória profissional com a pessoal, possibilitando o reconhecimento do percurso de uma das principais bailarinas brasileiras de renome internacional. Ao longo de 136 páginas, o livro trata de momentos importantes da vida de Ana Maria Botafogo Gonçalves Fonseca, sua estreia internacional, a entrada para o Teatro Municipal do Rio de Janeiro como primeira bailarina, as apresentações que tiveram mais êxito e seus balés prediletos. Sensível e determinada na mesma medida, Ana enfatiza a necessidade do planejamento e do eterno aprendizado para o reconhecimento profissional e aponta possíveis fatores que a conduziram a uma posição de destaque. Dentre eles, muita disciplina, foco e força de vontade. Para manter a forma de seu 1,60m e 45kg, faz aulas de balé todos os dias: “Acho que cheguei tão tarde na carreira porque sempre fui muito disciplinada, não deixo de fazer aula diária, trabalho seis dias na semana”, afirma.

A carreira de bailarina profissional teve grandes e pequenos saltos, além de algumas quedas. Ana sofreu um acidente de carro no início da carreira, não foi aceita em alguns papéis de destaque, sofria com as dores musculares e ainda tinha uma vida pessoal para ser atendida. Não desistia de alcançar o posto de primeira bailarina por amor à dança e por um incentivo que ouviu de Margot Fonteyn, bailarina inglesa consagrada na Academia The Royal Ballet: “Você vai crescer, vai ser alguém. Acredite nesse brilho interior.”
Dalal Achcar, uma das autoras do livro, também acreditava nesse brilho. A coreógrafa convidou Ana Botafogo para, em 1978, dançar uma versão pop do clássico “Romeu e Julieta”, espetáculo decisivo para germinar a semente da popularização da dança em Ana. Depois disso, realizou outras apresentações de dança contemporânea, como “Sonho de uma noite de carnaval”, “Flertando”, “Floresta Amazônica” e “Isto é Brasil”, esta última acompanhada por Carlinhos de Jesus. No entanto, Ana tem paixão – e é reconhecida – pelas obras clássicas (como “O Lago dos Cisnes”) que consagraram sua carreira desde quando participava como figurante.
A felicidade por ser chamada para interpretar “Giselle”, seu repertório preferido, e as dificuldades nos ensaios talvez só sejam entendidas por quem dança. Mas sua fragilidade diante da morte de dois maridos e o cansaço mental e físico de dias de trabalho são completamente compreensíveis ao leitor.

Ana Botafogo – na ponta dos pés é uma delicada biografia, com uma narrativa fluida e cativante. O livro, com ilustrações de traços leves feitas por Marina Mayumi Watanabe, vem acompanhado por um CD de Waldemar Gonçalves, com músicas inéditas para quem quer aprender balé e algumas orientações a respeito da profissão.
Leve, agradável e de fácil entendimento, a obra reverencia a dança e a trajetória de quem, dotada de uma técnica e versatilidade ímpares, exerce a profissão com perfeição, magia, carisma e brilho incontestáveis.



Biografia

Ana Botafogo é, sem dúvida, o principal nome da dança clássica brasileira. Nascida no Rio de Janeiro no dia 9 de julho de 1957, começou a fazer iniciação musical e a dançar aos sete anos de idade, com a bailarina Luciana Bogdanish, no Conservatório da Urca. Aos onze, já dançava no palco do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, nas apresentações de final de ano.
Na França, para onde se mudou com 19 anos, teve início a carreira profissional, no Ballet de Marseille. Frequentou a Academia Goubé na Sala Pleyel, em Paris (França), a Academia Internacional de Dança Rosella Hightower, em Cannes (França), e o Dance Center-Covent Garden, em Londres (Inglaterra).
Após um período morando em Londres, voltou ao Brasil e participou de um concurso, em 1981, que fez dela a Primeira Bailarina do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, onde estreou com o ballet Coppélia. Desde então, dançou clássicos como A Bela Adormecida, O Quebra Nozes, Giselle, Romeu e Julieta, La Sylphide, Dom Quixote, La Bayadéré, O Lago dos Cisnes e Onegin, entre outros, na Europa, América do Norte, América Central e América do Sul.
Foi várias vezes ao exterior como convidada de outras companhias, como a Saddler’s Wells Royal Ballet, de Londres, o Ballet Nacional de Cuba, o Ballet Nacional da Venezuela e o Ballet del’Operadi Roma. Em 1995, na qualidade de estrela convidada da Companhia da Ópera de Lodz (Polônia), interpretou o papel principal feminino do Balé Zorba, o Grego, dançando em várias cidades do Brasil.

Suas performances no exterior incluem participações em Festivais em Lausanne (Suíça), Veneza (Itália), Havana (Cuba) e na Gala Iberoamericana de La Danza, representando o Brasil, no espetáculo dirigido por Alicia Alonso, em Madrid (Espanha), realizado em comemoração aos 500 Anos do Descobrimento das Américas. Alguns de seus principais partners foram Fernando Bujones, Jean Yves Lormeau, Julio Bocca, Stephen Jefferies, Lazaro Carreño, Alexander Godunov e Richard Cragun. Já recebeu vários prêmios e homenagens, no Brasil e no exterior, pelo conjunto de sua obra. Além das temporadas do Teatro Municipal, desenvolveu seus próprios projetos, levando espetáculos a diversas capitais brasileiras, como o Ana Botafogo In Concerte Três Momentos de Amor.

Aos 32 anos, perdeu o primeiro marido, o bailarino inglês Graham Bart, tragado por uma onda durante uma ressaca no Rio, em 1988. Doze anos depois, o segundo marido, o advogado Fabiano Marcozzi, foi vítima de um AVC fatal. Para superar a tristeza, a arte foi fundamental: “A dança me ajudou muito naquele momento. Como você trabalha com o físico, tem que estar bem. Eu não podia não fazer aula, não ensaiar. Isso acabou me fazendo forte em um momento que eu estava muito frágil. O show tem que continuar e eu tive que continuar também, mesmo triste, para que pudesse levar alegria para as pessoas”, ensina com sabedoria e generosidade.

A estreia como atriz aconteceu na Rede Globo, em 2006, com a novela Páginas da Vida, de Manoel Carlos, quando viveu Eliza, uma ex-bailarina. Ao ser questionada sobre o significado da dança em sua vida, responde: “Eu já não lembro mais da minha vida sem a dança. Ela sempre me proporcionou foco e me mostrou que, para qualquer coisa, é necessário ter determinação para que a gente possa superar os desafios da carreira.”
Os desafios de Ana, somados à sua determinação e garra, são intermináveis. Este ano, dirigida por Maria Maya, estrela a adaptação teatral de Dores do Amor Romântico, primeiro livro de poemas da escritora multimídia Fernanda Young (1970-2019), lançado em 2005. Afinal, para a artista, o show, assim como a vida, não pode parar.

Por Manoela Ferrari