Fevereiro, 2021 - Edição 264
A exuberância visual de Beatriz Milhazes

Está em cartaz até o dia 30 de maio a maior exposição da carreira
de Beatriz Milhazes, no Itaú Cultural e no Masp, de São Paulo. A parceria
entre as duas instituições vizinhas permitiu que “Avenida Paulista” exiba
cerca de 170 obras, através das quais o público poderá conhecer e percorrer a trajetória profissional da artista plástica, em um arco temporal
de produção que segue de 1989 a 2020.
A retrospectiva apresenta uma ampla seleção de pinturas, gravuras, colagens e obras tridimensionais, além de trabalhos inéditos realizados em parceria com a coreógrafa Márcia Milhazes, irmã da artista.
Figuras geométricas, cores saturadas, arabescos, mandalas e
alguns elementos são recorrentes nos trabalhos, tais como flores, rosáceas e volutas, com os quais a artista diz ter uma relação espontânea:
“Meu trabalho é muito racional, o encaixe e a construção partem de
lógicas variadas”, afirma, acrescentando: “Acho, inclusive, que desenvolvi uma nova maneira de pensar a geometria, que não só quadrados,
retângulos e círculos. Há a questão do sonho atrelada à criação de uma
lógica.”
A artista produz uma quantidade limitada de trabalhos por ano, o
que costuma gerar uma longa lista de espera. Sua obra bateu duas vezes
o recorde em leilões internacionais: em 2009, teve uma tela arrematada por 2,6 milhões de reais. Em 2012, “Meu Limão” foi vendido por 10
milhões de reais, em um leilão da Sotheby’s, tomando para si o recorde
de uma artista brasileira viva. Em 2016, Beatriz quase bateu sua própria
marca, ao ter “Summer Love – Gamboa Seasons” (2010) negociada por
22 milhões de reais na SP-Arte.
Por trás das formas sedutoras desta “carnavalesca conceitual”,
como ela mesma se define, há um pensamento extremamente racional,
explicado em sua origem. Artista viva mais cara do país, antes de se tornar uma das mais bem sucedidas da sua geração, a carioca foi professora de matemática. Deu aulas para jovens dos 21 aos 26 anos, na mesma
época em que frequentava a Escola de Artes Visuais do Parque Lage.
Outra característica de sua produção é a forma como conjuga,
sem criar hierarquias, a explosão de cores do carnaval carioca e as pinturas faciais da etnia indígena Kadiwéu com a história da arte ocidental,
com destaque para o período barroco e a influência de artistas como
Henri Matisse (1869-1954) e Tarsila do Amaral (1886-1973).
Nascida no Rio de Janeiro em 1960, Beatriz Milhazes se formou
em Comunicação Social pela Faculdade Hélio Alonso, em 1981, e em
Artes Plásticas pela Escola de Artes Visuais do Parque Lage, em 1983.
Participou de várias exposições que caracterizam a Geração 80 – grupo
que, pela pesquisa de novas técnicas e materiais, produziu pinturas
avessas à vertente conceitual dos anos 1970.
A colagem é parte importante da construção de suas imagens e
aparece com o uso de materiais diversos, como papéis (de bala, coloridos) e tecidos recortados (chitão). Com experimentação em monotipia,
Milhazes desenvolveu sua técnica de construção da pintura baseada na
colagem, criando os motivos em filmes plásticos e transferindo-os para
a tela quando secos. A artista pode, então, criar os próprios elementos a
serem usados nas pinturas.
De 1995 a 1996, estudou gravura em metal e linóleo, no Atelier
78. As obras dessa época revelam sensibilidade no uso da cor. Desde os
anos 1990, Milhazes se destaca em mostras internacionais nos Estados
Unidos e na Europa.
Frequentemente trabalhando com formas circulares, sugere deslocamentos ora concêntricos, ora expansivos. A transferência de imagens da superfície lisa, pelo uso de película plástica para a tela faz com
que a gestualidade seja quase anulada. A matéria pictórica obtida por
numerosas sobreposições não apresenta espessura. Os motivos de
ornamentação e arabescos são colocados em primeiro plano. O olhar
do espectador é levado a percorrer todas as imagens, acompanhando a
exuberância gráfica e cromática dos quadros.
Na opinião do crítico Frederico Morais (1936), Beatriz Milhazes
revela, desde o início da carreira, a vontade de enfrentar a pintura
como fato decorativo, aproximando-se da obra de artistas como Henri
Matisse: “Ela se interessa pela profusão da ornamentação barroca,
sobretudo pelo uso de arabescos e motivos ornamentais da obra de
Guignard (1896-1962). Característica importante no trabalho da artista
é o uso da cor: enquanto a profundidade é criada pela sobreposição e
pelo acúmulo de motivos, a cor aparece de forma inesperada, criando
uma harmonia pelos contrastes que desafiam os limites da imagem.
Assim como Matisse, não existe uma hierarquia entre desenho, pintura,
cor e forma”.
A pintora, gravadora e colagista explora diferentes técnicas e
materiais, experimentando as potencialidades da escultura. Sua obra se
caracteriza pelo intenso dinamismo óptico.
No Itaú Cultural (IC), com curadoria assinada por Ivo Mesquita,
a exposição ocupa três andares da sede, com a exibição de 80 obras,
sendo três delas, inéditas: “Havaí em amarelo vibrante”, “Cor de pele” e
“Giro horizontal”. Entre colagens e gravuras, o público poderá conferir
um minidocumentário sobre a obra da artista, realizado pelo Núcleo de
Audiovisual e Literatura do Itaú Cultural. A peça “Dovetail”, a maior e
última gravura produzida pela artista até agora, com quase dois metros
de comprimento, é um dos destaques, sendo um claro exemplo do
desdobramento do trabalho de Beatriz entre as diversas linguagens
artísticas.
“Avenida Paulista” é também o nome de uma obra que a artista
realizou especialmente para ser exibida no Masp, que traz um panorama
das pinturas e obras tridimensionais da artista: “Esta é a maior exposição
dedicada a Beatriz Milhazes, possível apenas em razão da colaboração
inédita entre duas instituições como o Masp e o Itaú Cultural. A mostra
cobre mais de três décadas de sua produção de pinturas, colagens, gravuras, desenhos, têxteis, bem como amplo material documental. Nesse
sentido, é uma oportunidade verdadeiramente única para se conhecer
e compreender o trabalho dessa que é uma das principais artistas brasileiras vivas, com uma obra já amplamente consolidada no panorama
internacional”, afirma Adriano Pedrosa, curador da exposição no Masp,
com assistência de Amanda Carneiro.