Julho, 2020 - Edição 257

Murilo Melo Filho: um jornalista com posto de escuta imortal

Por Manoela Ferrari

Latinidade e retidão de caráter constituem expressões que caminharam juntas na trajetória do saudoso acadêmico Murilo Melo Filho, a quem o Jornal de Letras presta merecida homenagem nesta edição de julho.
Segundo o jurista francês René-Jean Dupuy (1918-1997), da Academia de Direito Internacional de Haia, “para o latino, a História é herança e não profecia. O latino acredita na inteligência e na virtude do raciocínio. Não para privilegiar a teoria, mas, sim, para aproveitar a experiência”.
Sexto ocupante da Cadeira nº 20 da Academia Brasileira de Letras, eleito em 25 de março de 1999, Murilo Melo Filho foi recebido em 7 de junho daquele mesmo ano, pelo Acadêmico Arnaldo Niskier. Na Casa de Machado de Assis, exerceu com o mesmo zelo e competência, os cargos de tesoureiro, segundo- -secretário e diretor da Biblioteca Rodolfo Garcia.
Em seu discurso de posse, um dos mais respeitados jornalistas do país falou da origem humilde, destacando a dedicação e paixão pelo ofício: “Nunca fui outra coisa na vida senão jornalista, tentando devolver à minha profissão, em dedicação e em trabalho, tudo quanto até hoje tenho recebido dela, que considero uma profissão fascinante e maravilhosa, quando exercida com correção, dignidade e entusiasmo. Esse jornalismo tem sido a minha própria razão de ser, de existir, de lutar e de viver. Por ele, bem cedo, começou a minha vida. Por ele vivi. Por ele lutei. Por ele sofri. Por ele triunfei.”
Com seu olhar atento, estilo pessoal inconfundível e integridade insuperável, Murilo Melo Filho esteve com alguns dos líderes que escreveram a história do mundo, na segunda metade do século XX. Entre eles, os presidentes Eisenhower, Kennedy, Nixon e Reagan, na Casa Branca, em Washington; os presidentes Charles de Gaulle e Giscard d’Estaing, no Palais d’Elysée, em Paris; Salazar e Mário Soares, em Lisboa; Thatcher, em Londres; Anuar-el-Sadat, no Cairo; Ben Gurion, Golda Meir, Itzak Rabin, Simon Peres e Albert Sabin, em Jerusalém; Indira Ghandi, em Nova Delhi; Fidel Castro e Che Guevara, em Havana; Perón, Evita e Menem, em Buenos Aires, para citar apenas alguns.

Triunfos e conquistas não faltaram na vida do admirado jornalista. Nascido em Natal, no dia 13 de outubro de 1928, mais velho de sete irmãos, aos 12 anos, “ainda de calças curtas”, como orgulhava-se em ressaltar, começou a trabalhar no Diário de Natal, escrevendo comentários esportivos. Ganhava um salário de 50 mil réis por mês.

Aos 18 anos, mudou-se para o Rio de Janeiro. Estudou no Colégio Melo e Souza e foi aprovado, em concursos públicos, para datilógrafo do IBGE e do Ministério da Marinha. Ingressou, a seguir, no Correio da Noite, como repórter de polícia.
Trabalhou, ainda, na Tribuna da Imprensa, com Carlos Lacerda; no Jornal do Commercio, com Elmano Cardim, San Thiago Dantas e Assis Chateaubriand; no Estado de S. Paulo, com Júlio de Mesquita Filho e Prudente de Moraes Neto; e na Manchete, com Adolpho Bloch.
Estudou na PUC e na Universidade do Rio de Janeiro, pela qual se formou em Direito. Chegou a advogar durante sete anos. Costumava dizer que “quem se forma em Direito pode até advogar”.
Como repórter freelancer, entrou para a Manchete, criando a seção “Posto de Escuta”, que escreveu durante 40 anos. Nessa mesma época, dirigiu e apresentou, na TV-Rio, com Boni, Walter Clark e Péricles do Amaral, o programa político Congresso em Revista, que ficou no ar, ininterruptamente, durante sete anos.

Murilo Melo Filho acompanhou de perto a política nacional, por décadas, assim como a mudança da Capital Federal do Rio de Janeiro para Brasília, onde viveu durante o atribulado quinquênio, de 1960 a 1965, testemunhado em centenas de reportagens. A convite de Darcy Ribeiro e de Pompeu de Souza, foi professor de Técnicas de Jornalismo, na Universidade de Brasília.
Sempre em coberturas jornalísticas, acompanhou várias viagens presidenciais, entre elas, as dos ex-presidentes Juscelino Kubitschek a Portugal; Jânio Quadros a Cuba; João Goulart aos Estados Unidos, ao México e Chile; Ernesto Geisel à Inglaterra e à França; e José Sarney a Portugal e aos Estados Unidos.

Cobriu a Guerra do Vietnã, com o fotógrafo Gervásio Baptista, em 1967, e foi o primeiro jornalista brasileiro a cobrir a Guerra do Camboja, com o fotógrafo Antônio Rudge, em 1973.
Foi 32 vezes à Europa, 27 aos Estados Unidos, quatro à América do Norte, duas à Ásia e duas à África. Era oficial da reserva do Centro de Preparação de Oficiais da Reserva do Rio de Janeiro (CPOR) e recebeu as Medalhas de Tamandaré e de Santos Dumont (Grande Oficial); das Ordens dos Méritos Militar, Naval, Aeronáutico (Oficial); Judiciário (Grã-Cruz); Cívico e Cultural (Comendador); Jornalístico; de Miguel de Cervantes, de Câmara Cascudo e da Ordem do Rio Branco (Cavaleiro), concedida pelo Itamaraty
Entre outros títulos, era também membro da Academia Norteriograndense de Letras, do PEN Clube do Brasil, da Academia Carioca de Letras, do Conselho Administrativo da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), da União Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Teresopolitana de Letras.



O desafio brasileiro

Com a obra O Desafio Brasileiro, lançado em 1970, Murilo Melo Filho ganhou o Prêmio Alfred Jurzykowski, da Academia Brasileira de Letras, como o melhor Ensaio do ano. Com prefácio do ex-ministro Reis Velloso, vendeu mais de 80 mil exemplares em 16 edições sucessivas. A versão espanhola foi lançada em Madri, pelo Editora Pomaire, com o título de El Desafio Brasileño. Vendeu mais de 10 mil exemplares. O livro permaneceu durante várias semanas nas listas dos best-sellers. Foi adotado na cadeira de Estudos e Problemas Brasileiros de várias universidades, às quais o jornalista compareceu para debates com estudantes e professores.

A razão de tamanho sucesso para O Desafio Brasileiro? Podemos apontar, entre outras, além de percorrer os mitos e a historicidade de um “Brasil potência”, a análise realista que fez, em 1970, das virtualidades do nosso país. Concluiu, na época, a trinta anos do final do milênio, uma visão objetiva do Brasil:
“Temos problemas enormes. Mas quem não os tem? Até hoje, nenhuma nação, nenhuma empresa, nenhum indivíduo descobriu a fórmula mágica de progredir sem sacrificar-se... O Brasil continua falando demais e fazendo de menos... No fim deste século, teremos de prestar contas à nossa geração e dizer ao mundo se fomos competentes para construir uma grande sociedade ou se seremos sempre (e apenas) o país do futuro.”

Sábias palavras, que ainda continuam atuais, fazendo jus à sua imortalidade. De acordo como presidente da Academia Brasileira de Letras, acadêmico Marco Lucchesi, Murilo foi, na Casa de Machado, exemplar e assíduo, sempre disponível a emprestar seu talento aos mais diversos cargos e serviços: “Guardo a imagem de um homem bom, de uma alta sensibilidade humana, voltada, sobretudo, para os mais vulneráveis e desprovidos.” O igualmente elegante, generoso e querido imortal reuniu, ao longo de toda a sua trajetória, na mesma medida, honradez e dignidade. Faleceu no dia 27 de maio, aos 91 anos, de falência múltipla dos órgãos. Casado com D. Norma, deixou três filhos (Nelson, Fátima e Sérgio) e muitas saudades. A gratidão é a memória do coração. E é com ela que registramos essa merecida homenagem.


Bibliografia:

Cinco dias de junho. Em coautoria com Arnaldo Niskier, Joel Silveira e Raimundo Magalhães Júnior. Rio de Janeiro: Editora Bloch.
O Assunto é Padre. Em coautoria com Armando Fontes, Cassiano Ricardo, Gustavo Corção, Hélio Silva, Josué Montello, Octavio de Faria, Rachel de Queiroz e Walmir Ayala. Rio de Janeiro: Editora Vozes.
Reportagens que Abalaram o Brasil. Em coautoria com Carlos Lacerda, Darwin Brandão, Edmar Morel, David Nasser, Francisco de Assis Barbosa, João Martins, Joel Silveira, Justino Martins, Otto Lara Resende e Samuel Wainer. Rio de Janeiro: Editora Bloch.
Augusto dos Anjos – A saga de um poeta. Em coautoria com Gilberto Freyre, Josué Montello, José Lins do Rego, José Américo de Almeida, Antônio Houaiss, Raimundo Magalhães Jr., Eduardo Portella, Ronaldo Cunha de Lima e Humberto Nóbrega. João Pessoa: Editora Gráfica Brasileira.
O Desafio Brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Bloch, 16ª edição.
El Desafio Brasileño. Madri: Editora Pomaire.
O Modelo Brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Bloch, 3ª edição.
O Progresso Brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Biblioteca do Exército.
Rio Grande do Norte – imagem e palavra. Barcelona: Bustamente Editores.
Crônica Política do Rio de Janeiro. Em coautoria com os jornalistas Barbosa Lima Sobrinho, Villas-Bôas Corrêa, Pedro do Couto, Marcio Alves, Rogério Coelho Neto e Paulo Branco. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas.
Testemunho Político. Rio de Janeiro: Editora Bloch, 1ª edição. São Paulo: Editora Elevação, 2ª edição.
Múcio Leão – centenário. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2001.
Tempo Diferente. Rio de Janeiro: Coedição ABL/Topbooks, 2005.
História do Gás – do Rio de Janeiro ao Brasil. Rio de Janeiro: CEG/ Pancron Indústria Gráfica, 2005.
O Desafio Brasileiro. Prefácio de João Paulo dos Reis Velloso. Rio de Janeiro: Editora Bloch. 3ª edição, 1970.
O Milagre Brasileiro. Prefácio de Delfim Netto. Rio de Janeiro: Editora Bloch, 3ª edição, 1972.
O Modelo Brasileiro. Prefácio de Mário Henrique Simonsen. Rio de Janeiro: Editora Bloch, 2ª edição, 1974.
O Nosso Rio Grande do Norte. Rio de Janeiro: Coleção Nosso Brasil, Edições Consultor, 1993.
Tempo Diferente. Prefácio de Villas Boas Corrêa. Apresentações de Arnaldo Niskier, Tarcísio Padilha e Candido Mendes. Rio de Janeiro: Editora Topbooks.
Testemunho Político. Prefácio de José Sarney. Apresentações de Barbosa Lima Sobrinho, Arnaldo Niskier e Carlos Heitor Cony. Rio de Janeiro: Editora Bloch, 1ª edição, 1999.
Memória Viva. Depoimentos de Alvamar Furtado e Carlos Lyra. Editora Bloch,1989.
A Transamazônica. Coleção Brasil Hoje, Editora INL – MEC, 1971.
Políticos ao Entardecer. Em coautoria com Ney Figueiredo, Claudia Izique, Marleine Cohen, MarceloTognozzi, Francisco Viana, Leonardo Fortes. São Paulo: Editora Cultura, 2007.
O Brasileiro Rui Barbosa. Paraíba: A União Editora, 2009.