Janeiro - 2024 - Edição 304

Quando Mendez desenhou a caricatura de Santos Dumont

Perdi a conta de quantas vezes mencionei algo sobre o nome e obra do caricaturista Mário Mendez aqui na Desenharte. O pintor e desenhista foi um dos amigos mais queridos e atenciosos que conheci, desde que comecei a me interessar pela História da Caricatura no Brasil.

Já nem me recordo mais, mas creio que já registrei em algum texto que o conheci em 1988, num tempo que ainda usávamos telefone discado e com fio sob os “auspícios” da extinta Telerj. Na época, encontrei em casa uma velha lista telefônica que pertenceu ao meu avô paterno, pela qual o usuário poderia encontrar todos os assinantes da região. Bastava saber o nome e sobrenome de uma pessoa, que era possível encontrar artistas famosos e ilustres desconhecidos. Fiz diversas buscas e localizei alguns dos nossos desenhistas mais importantes, entre eles o Mendez, que foi o primeiro que encontrei e logo fiz contato.

Quando telefonei para a residência do mestre, fui atendido por Dona Emília, sua esposa, que me passou ao genial caricaturista, quando agendamos um encontro naquela mesma semana em seu apartamento, no Bairro de Fátima, nas proximidades da Rua do Riachuelo.

Após o primeiro encontro, outros se repetiram por anos, fiz alguns registros fotográficos interessantes, levei diversas pessoas naquela residência, ganhei dezenas de presentes preciosos, alguns autógrafos e guardei muitas histórias. Tudo que colecionei durante aqueles anos está comigo, guardado com muito zelo e carinho. São dezenas de desenhos originais e impressos, mas algumas dessas peças me são raras e prediletas.

Uma delas trata-se de uma caricatura que o Mendez desenhou exclusivamente para uma exposição que organizei no Clube de Aeronáutica, na Praça XV, e que aconteceu entre os meses de novembro e dezembro de 1993. Na época, fui convidado pelo clube por conta da minha atuação como professor de desenho do Senac de Madureira. Na verdade, a instituição mantinha uma revista impressa que eu imaginei que poderia se interessar em publicar algumas caricaturas que meus jovens alunos desenharam retratando a figura de Alberto Santos Dumont. Eles curtiram a ideia, mas sugeriram que as artes poderiam ser melhor aproveitadas se ficassem expostas num dos eventos do Clube de Aeronáutica. Assim, surgiu a primeira exposição que organizei.

Numa das visitas que fiz ao Mendez, comentei com ele que estava organizando a tal exposição, quando ele informou que não lembrava se já havia desenhado a caricatura de Santos Dumont. Chegou a perguntar para Dona Emília se ela recordava de alguma coisa e ela, que era uma espécie de “Google” do Mendez, afirmou, com certeza absoluta, que seu esposo nunca havia de fato caricaturado o Pai da Aviação. Foi então que Mendez me disse que gostaria de participar da exposição com meus alunos, e que desenharia uma caricatura do inventor brasileiro. Logo no dia seguinte, Dona Emília me telefonou e informou que o Mendez acordou cedo, tomou seu café e foi para sua prancheta e, depois de meses sem desenhar, terminou a caricatura em poucos minutos, e me pediu para que eu fosse buscar o desenho.

A iniciativa do Mendez acabou me incentivando a chamar outros artistas profissionais a incluírem suas artes na exposição junto aos novatos. E assim foi, colegas como o Guidacci, Paulo Santos, Sandro Dinarte (que também lecionavam no Senac) e até o Fortunato de Oliveira (o aviador e cartunista, criador do desenho Senta a Pua) se uniram ao Mendez e deram um peso interessante ao evento, que acabou até ganhando matéria na TVE (atual TV Brasil).

Por muitos anos, mantive esse desenho guardado, quase escondido. Confesso que tenho ciúmes da arte que o Mendez me presenteou e a mantive arquivada por todos esses anos. Pouca gente sabe, mas possivelmente a caricatura de Santos Dumont assinada pelo Mendez foi a última arte humorística que ele finalizou.

O leitor mais atento perceberá um traço sem a mesma firmeza de outros tempos, tudo por causa da condição de saúde do artista que, naqueles anos, começava a sentir o peso da idade e de algumas doenças crônicas que o desenhista de humor enfrentava, mas a verve do caricaturista “Leitor de Almas” (frase de Herman Lima que enriqueceu o título de um artigo que assinei sobre o Mendez para o jornal da ABI, em 2009) ficou gravada naquela arte, hoje uma das peças que mais admiro na minha humilde coleção. Mendez faleceu no dia 21 de outubro de 1996, deixando, além de saudades e histórias, um acervo de pinturas inéditas, muitos desenhos e fotografias memoráveis.

Saúde e Arte!