Setembro - 2024 - Edição 302
5 perguntas para Junior Kadeshi
Nascido em Embu das Artes, município da Região
Metropolitana de São Paulo, no dia 27 de julho de 1978, o publicitário Junior Kadeshi está
à frente do Salão Internacional de Humor de Piracicaba há 3
anos, mas o produtor cultural faz parte da equipe responsável
pelo evento desde 2010, quando tornou-se funcionário do município, após passar em concurso público.
Junior Kadeshi ganhou a simpatia dos cartunistas brasileiros,
principalmente por sua visão inclusiva e atenção com a preservação da
memória do Salão e, ao mesmo tempo, buscando inovações e espaços para
as novas linguagens e tecnologias.
Para conhecer um pouco mais sobre o pensamento renovador de
Kadeshi, enviamos 5 perguntas ao produtor. Acompanhem:
Desenharte: Você se recorda da primeira vez que esteve no Salão
Internacional de Humor de Piracicaba? Lembra se esteve no Salão antes
de se imaginar atuando diretamente no principal evento do gênero do
mundo?
Junior Kadeshi: Sim, estive pela primeira vez no Salão por volta
de 2003. Minha esposa, que é piracicabana, na época minha namorada,
sabendo que eu gostava de arte e humor, me falou do evento na primeira
vez que visitei a cidade (sou da capital de São Paulo), e me trouxe para
conhecer as exposições. Lembro que vários armazéns do Engenho abrigavam diversas mostras, e achei aquilo incrível. Uma coisa que marcou
na minha mente foi uma enorme escultura de Dom Quixote, feita em
espuma, obra do Paulo Caruso. Era gigante, e ficava em um dos grandes
armazéns do Engenho Central. É incrível imaginar que, 7 anos depois,
eu trabalharia naquele evento que tanto me chamou a atenção e que eu
chegaria a ser seu diretor!
Desenharte: Graças à sua visão inclusiva, para o evento que está em
cartaz, você desenvolveu a edição mais interessante da História do Salão,
colocando as mulheres em destaque, primeiro, possibilitando que 3 cartunistas criassem os cartazes de 3 eventos organizados pelo Salão (sobre esse
tema, o leitor pode visitar a edição nº 301 desta coluna, de julho passado),
depois, formando um júri de seleção apenas com mulheres – coisa que
nunca havia acontecido anteriormente. Em algum momento você temeu
pelas críticas e habituais comportamentos machistas, muito comuns entre
os cartunistas?
J Kadeshi:Aumentar o papel da mulher no Salão sempre foi, para
mim, uma missão. Em 2010, quando entrei no evento, junto ao antigo diretor, Edu Grosso, percebi que poucas mulheres participavam e juntos criamos a mostra Batom, Lápis e TPM. Na época, fui “caçando” mulheres do
humor nos blogs e Orkut. Percebi que, com isso, muitas artistas tomaram
coragem e avançaram, não só em Piracicaba, mas em outros eventos do
gênero. Ao assumir como diretor, sempre busquei equilibrar os júris entre
mulheres e homens participantes. No final de 2023, no HQ Mix, encontrei
a grande amiga Sonia Luyten, que me puxou de canto e falou: você já pensou na ideia de fazer um Salão de Humor só com mulheres? Aquilo ficou
na minha cabeça, martelando. Após isso, ao empossarmos o Kevin Freitas
como presidente da edição, ele veio com a mesma ideia.
Vi que o Universo estava conspirando e resolvi dizer sim! Convidamos as 3 mulheres para
fazerem os cartazes principais do evento (Batom, Salão e Salãozinho) e
montamos o júri de seleção 100% feminino. Com certeza, pensei: “o que
as pessoas vão pensar disso?”, mas esse pensamento foi justamente o que
me fez seguir adiante. O Salão de Humor foi criado em plena ditadura,
passou por uma pandemia, quebrou tabus nesses 50 anos, então esse vai
ser mais um tabu que vai cair. E foi um sucesso! Críticas vieram de homens
e mulheres (!), mas nos mantivemos firmes. E, além do júri, escolhemos
“Mulher” como tema da edição, e estamos homenageando as mulheres
em toda a exposição. As paralelas, junto à mostra principal, são todas
feitas por elas, além de uma homenagem às pioneiras e às cartunistas que
existem e resistem hoje.
Desenharte: Complementando a pergunta anterior, a caricaturista
Cláudia Kfouri deixa a seguinte indagação: após anos acompanhando
seleções e premiações realizadas por grupos de jurados majoritariamente
masculinos, como você avalia os critérios e percepções do primeiro grupo
de juradas exclusivamente feminino, idealizado por você nesse 51° Salão?
J Kadeshi: Confesso que, como se tratava de algo novo, nunca realizado aqui, fiquei apreensivo de como seria a experiência. Porém, posso
dizer que foi incrível, e terminamos antes do planejado. As mulheres foram
dinâmicas, críticas, engraçadas, bem-humoradas e engajadas no que se
refere ao feminino. Várias facetas do humano foram se abrindo à nossa
frente, enquanto os trabalhos eram projetados. Detalhes que passam
despercebidos em nosso cotidiano foram “dissecados”, abrindo os nossos
olhos para pautas não somente femininas, mas humanitárias. Isso tudo
sem deixar de ser engraçado. Porque a gente quer um salão que traga consciência a quem vê, mas também gere muitas gargalhadas. E é isso o que
essas 7 mulheres trouxeram ao 51º Salão. Aproveitando, a Cláudia Kfouri
é um grande presente que o Salão me proporcionou. Um dia conto como
foi que a conheci, aqui no Salão. Acho até que, por isso, algo foi gerado em
meu coração em relação às mulheres no Salão.
Desenharte: O Salão de Humor de Piracicaba é, com certeza, o
maior e mais longevo evento do gênero no mundo. Depois de 3 anos à frente do salão, você percebe que ele pode crescer ainda mais? Na sua visão, há
algo a fazer para que o salão evolua e torne-se ainda mais inclusivo?
J Kadeshi: Quando eu paro para pensar que estou, junto à minha
incrível equipe, à frente de um evento deste tamanho, proporção e responsabilidade internacional, meus olhos se enchem de lágrimas. Sim, o salão
me faz chorar. Chorar de emoção por ele me proporcionar fazer parte da
história do mundo e, de alguma forma, deixar um legado, e ter meu nome
linkado à essa entidade, esse ser grandioso – pois sempre digo que o Salão
tem vida própria.
Aos poucos vamos transformando o Salão com o que temos em
mãos. Por ser um evento ligado à Prefeitura Municipal de Piracicaba, o
Salão é uma lei, e tem uma verba destinada, o que nos garante a realização
dele anualmente. Porém, para pensarmos em algo maior, precisamos do
apoio da iniciativa privada, que são as empresas que patrocinam o evento.
E corremos atrás disso todo ano! Empresas que entendem a grandeza do
evento são nossos parceiros há anos, e captamos novos apoiadores anualmente para que, de fato, possamos fazer algo diferente, novo e inclusivo. E
o que seria esse inclusivo? Deixar o Salão acessível aos deficientes visuais,
cadeirantes, surdos e outros tipos de necessidades especiais. Quando
montamos a exposição, pensamos nos espaços entre os painéis para a
passagem de cadeirantes, na altura dos desenhos. Orientamos nossos
monitores a darem atenção e cuidado, acompanhando as pessoas que
apresentem dificuldades diversas.
Outra coisa que está em nosso radar é fazer uma mostra mais
imersiva, com movimento, mais digital e interativa, pensando nas novas
gerações. E, para isso, precisamos de mais recursos!
Desenharte: Quais seus planos particulares para o futuro? Pretende
expandir suas atividades culturais além Piracicaba?
J Kadeshi: Eu quero continuar no Salão, de qualquer forma. Não
me vejo longe desse lugar, desse universo, longe desses artistas que se
tornaram meus amigos. Eu digo que o Salão me escolheu. Minha esposa
me trouxe a Piracicaba, e esta cidade me levou ao Salão, desde o primeiro
dia que me mudei
para cá, justamente
para assumir a programação cultural
dele. Nunca antes
me imaginei nele, e
nunca mais quero
estar fora. Porém,
tenho outros planos
que vão além do
Salão, mas dentro
do mesmo universo. Só que vou fazer
a linha ex-BBB:
estou estudando
propostas! (Encerra
com humor, literalmente).
Saúde e Arte!