Dezembro - 2023 - Edição 298
História da Caricatura
no Brasil, de Herman Lima, completa 60 anos
Desde o surgimento da coluna Desenharte,
registrei em alguns textos
o respeito que nutro pela
figura do escritor e pesquisador Herman Lima, cuja carreira produziu
uma seleta coleção de obras marcantes, iniciada em 1924, quando
do surgimento de Tigipió, livro de contos com 190 páginas, editado
pela Livraria Leite Ribeiro, editora que, na época, foi a responsável
por colocar no mercado editorial diversos jovens escritores do país.
Depois, Herman Lima lançou os livros Garimpos (1930), Na Ilha de John
Bull (1941), Outros Céus, Outros Mares (1942), Variações sobre o Conto
(1952), Roteiro da Bahia (1953), Imagens do Ceará (1958) e Poeira do
Tempo (1967) – seu livro de memórias.
Herman de Castro Lima nasceu no dia 11 de maio de 1897, no
município de Fortaleza, Ceará. A trajetória do escritor começou muito
antes de sua primeira obra publicada, já que o artista era conhecido
pelos leitores de algumas das publicações populares do Rio de Janeiro,
como a infantojuvenil O Tico-Tico e a revista semanal Fon-Fon.
Para aprimeira, Lima colaborou com alguma regularidade, sendo um habitual participante e vencedor dos concursos da primeira revista infantil
brasileira. Aliás, Herman Lima chegou a publicar algumas boas ilustrações nesta revista, com destaque para a edição de junho de 1914, quando o jovem desenhista teve uma de suas artes publicadas a cores, num
daqueles jogos de recortar e armar. Na época, os editores anotaram:
“Original do nosso distinto colaborador Herman Lima.” Para a Fon-Fon,
em 1919, o escritor teve um de seus contos publicados em três páginas,
quando foi apresentado como promissor talento pelo poeta e romancista cearense Antônio Salles. No conto, Herman Lima esbanja criatividade ao narrar a experiência sobrenatural de um pescador jangadeiro.
O escritor também foi habitual colaborador da grande imprensa
carioca, com pesquisas e reportagens sobre literatura, turismo, artes
e, especialmente, a caricatura brasileira, com textos publicados nas
revistas O Malho, O Cruzeiro, Manchete, Revista da Semana e Revista
do Livro – órgão do Instituto Nacional do Livro. Em 1949, Herman Lima
publica seu primeiro livro temático sobre a arte do humor gráfico, no
caso Rui e a Caricatura, com uma interessante coleção de desenhos
humorísticos sobre a figura do escritor e político Rui Barbosa. No ano
seguinte, o pesquisador organiza junto ao Serviço de Documentação
do Ministério da Educação e Cultura, sob o comando de José Simeão
Leal, um álbum de seu grande ídolo, o caricaturista J. Carlos.
Em 1954, novamente pelo mesmo ministério, pela coleção “Artistas Brasileiros”,
lança o livro Alvarus e os seus Bonecos, coletânea com 72 caricaturas
desenhadas por Álvaro Cotrim, inclusive uma retratando o próprio
Herman Lima.
Em 1963, entre os meses de outubro e novembro, depois de mais
de duas décadas de pesquisas, Herman Lima viu sua principal obra ser
publicada pela editora José Olympio: História da Caricatura no Brasil.
Numa magnífica coleção de 4 volumes, é a mais completa e complexa obra editada sobre o tema até os dias atuais. Hoje, é praticamente
impossível se debruçar numa pesquisa sobre o humor gráfico brasileiro sem a obrigatoriedade de folhear e estudar os quatro volumes desenvolvidos por
Herman Lima. O pesquisador conseguiu
reunir, em mais de 1.790 páginas, estudos
sobre os primórdios da caricatura brasileira, assim como seus principais artistas. Lima citou mais de 200 desenhistas,
sendo que boa parte deles com interessantes biografias, informações curiosas
e avaliações técnicas sobre referências
e influências artísticas. Mesmo com as
críticas comuns nesse tipo de obra – parte
delas por ter deixado de citar alguns caricaturistas, outras por discordâncias sobre
fatos históricos e dados sobre pioneirismos – a pesquisa de Herman Lima é
preciosa sob todos os aspectos, especialmente por ter deixado em sua bibliografia, sem egoísmos, muitas referências
para futuros pesquisadores. Quando do
lançamento da História da Caricatura no
Brasil, Josué Montello, ao comentar sobre
a obra no Jornal do Brasil, assim definiu a importância da pesquisa na
trajetória vitoriosa do autor: “Romancista de Garimpos e contista de
Tigipió, Herman Lima, não obstante o valor desses dois livros, nasceu
em verdade para escrever uma longa história – a História da Caricatura
no Brasil.”
A magnífica obra de Herman Lima completou, em novembro passado, 60 anos de seu lançamento. Infelizmente, como de hábito acontece num país amnésico como o Brasil, a importante data praticamente passou em branco. Aliás, não é de hoje que o historiador é pouco lembrado, inclusive por pesquisadores que surgiram após as publicações de Herman Lima. Pelo menos meia dúzia de livros dedicados ao desenho de humor brasileiro, que vieram depois dos lançamentos de Herman Lima, todos eles, sem exceção, se basearam na História da Caricatura no Brasil. Alguns chegaram ao cúmulo de copiar até títulos de capítulos que Herman escreveu. Todas as tentativas de atualizar a chamada História da Caricatura no Brasil seriam válidas se, antes de tudo, os autores reconhecessem que eles mesmos são dependentes de Herman Lima, inclusive na observação da bibliografia que o escritor cearense deixou aos futuros pesquisadores. Lamentavelmente, alguns desses “novos” pesquisadores fazem questão de tentar parecer que eles descobriram a pólvora e sequer citam Herman Lima como deveriam.
Tudo que Herman Lima escreveu sobre a caricatura brasileira elevou o humor gráfico nacional à arte de primeira grandeza, e fez da caricatura referência definitiva para a história política, social e cultural do Brasil. Mais do que qualquer coisa, a comunidade gráfica e humorística nacional têm um dívida histórica com Herman Lima. Após problemas de saúde causados por enfisema pulmonar, seguido de um câncer de intestino, Herman Lima faleceu no dia 21 de junho de 1981, aos 84 anos, sendo sepultado no cemitério São João Batista, em Botafogo. No Youtube, o leitor do Jornal de Letras pode buscar pelo canal TV Assembleia – Ceará, e pesquisar pelo documentário “Perfil de Herman Lima”. Neste vídeo, dirigido por Angela Gurgel, em pouco mais de 55 minutos, o espectador saberá tudo sobre o escritor e principal pesquisador da caricatura brasileira, com depoimentos de admiradores, jornalistas e pesquisadores, além dos filhos do contista, Teresinha Amarante, Marta Lima Ghiatã, Ana Beatriz e João Antônio.
Saúde e Arte!