Maio - 2022 - Edição 291
Arte é de quem cria ou de quem se apropria?
Em meados do
mês de maio de 2002,
quando todos acompanhavam a Copa do
Mundo sediada no
Coreia do Sul e Japão,
o escultor Zé Andrade
assistia distraído sua
televisão, quando, num
dos intervalos do Jornal
Nacional, foi ao ar uma
peça publicitária do
banco Itaú. Num típico
e utópico comercial, muito comum em anúncios de empresas financeiras, um ator surgia num ambiente passando uma mensagem
otimista e recheada de imagens cativantes. Entre elas, apareciam as
figuras de Woody Allen, Albert Einstein, Barão de Itararé, Friedrich
Nietzsche, Claude Monet e Antonio Callado em 6 esculturas criadas
por Zé Andrade. O que parecia ser uma consagração a um artista
popular brasileiro, em horário nobre, não passou de uso indevido de
obras autorais. A peça publicitária foi criada pela famosa e consagrada
produtora cinematográfica Conspiração Filmes, sob encomenda da
extinta agência de Nizan Guanaes, a DM9; porém, apesar de todas
as artes criadas por Zé Andrade serem facilmente identificáveis, com
assinatura do artista nas costas de todos os bonecos, nenhum dos profissionais envolvidos com a produção do anúncio realizou qualquer
contato com o artista para comercialização de suas obras, autorização
ou algum tipo de permuta. A escolha das citadas esculturas por parte
dos responsáveis pela criação da propaganda, por si só confirma a
notoriedade da série de bonecos criada pelo ceramista, muito popular
no meio cultural carioca, e mostra que as figuras cunhadas por Zé
Andrade são notórias por quem frequenta espaços culturais, o que,
obviamente, deveria ser do conhecimento dos idealizadores da peça
publicitária.
Indignado pelo uso de suas artes numa ação comercial, sem
sua autorização, Zé Andrade buscou orientação jurídica e entrou com
processo contra a poderosa instituição financeira. Municiado pela
Dr.ª Eny Moreira, discípula de Sobral Pinto, advogada consagrada e
reconhecida por sua atuação pelos Direitos Humanos, criadora do
Comitê Brasileiro pela Anistia, autora do livro Brasil: Nunca mais, além
de atuação contundente em questões do direito autoral; o escultor saiu-
-se vitorioso nas duas primeiras instâncias, porém, perdeu a batalha
contra o gigante financeiro e foi derrotado em terceira instância. “O
Juiz bateu o martelo e decidiu que eu não tinha direito ao meu direito,
daquilo que criei com a finalidade de exaltar a cultura!”, lamenta Zé
Andrade. A partir de então, depois de duas décadas de uma luta onde
Golias derrota David, o escultor popular vem perguntando a quem quiser ouvir: “Afinal, de quem é a arte? Arte é de quem cria ou de quem $e
apropria?”, assim mesmo, com o cifrão no lugar do “s”. Num país onde
Chico Buarque de Hollanda é indagado por uma juíza a provar ser
autor de sua música Roda Viva, Zé Andrade se mostrou descrente de
nossa morosa justiça e resolveu não apelar para mais recursos. “Após
a morte da Dr.ª Eny Moreira, em janeiro de 2022, depois de vencer nas
duas primeiras instâncias e perder na terceira, o escritório não quis
mais continuar defendendo a causa, e eu teria que contratar outros profissionais. Foram
anos de desgastes
emocionais e financeiros incalculáveis”,
constata o nosso Zé,
a triste realidade do
artista brasileiro.
O Artista
Zé Andrade é nascido no dia 22 de janeiro de 1952, no município de Ubaíra, na Bahia. O artista faz parte daquela trupe que Belchior descreveu muito bem em sua canção “Fotografia 3x4” (Pois o que pesa no norte/ pela lei da gravidade/ disso Newton já sabia/ cai no sul, grande cidade); e veio tentar a vida no Rio de Janeiro, em 1973; morou de favor, dormiu nas ruas, começou a criar artesanatos que vendia pelas alamedas, enveredou paras as esculturas, foi diversas vezes vilipendiado pelo rapa, até que, com persistência, foi conquistando seu espaço com sua personalidade e talento. Expôs suas artes no Sesc, passou pela imprensa alternativa, foi colaborador do lendário jornal O Pasquim, foi um dos ilustres alunos do cartunista Guidacci, no Senac; marcou presença em Portugal, quando do centenário de Fernando Pessoa, em 1988; e Alemanha, quando dos 100 anos de morte de Van Gogh, em 1990; foi funcionário do jornal O Dia, atuou como assessor dos vereadores Moacyr Bastos e Helinho Fernandes, e marcou a História da Democracia brasileira com o sucesso de suas máscaras que imitavam as cabeças dos políticos mais populares dos anos 1980, especialmente a máscara de Tancredo Neves, que ganhou as ruas das capitais do país e ajudou a derrotar Paulo Maluf nas eleições indiretas de 1985, decretando o fim da Ditadura Militar. Zé Andrade já criou mais de 100 esculturas representando personalidades do humor, literatura, artes cênicas, humanismo, artes plásticas e música. Sua obra pode ser conhecida pela internet, no site zeandrade.com/, ou nas redes sociais, no Facebook, no perfil ze.andrade.75, e no Instagram, no perfil @galeriazeandrade.
Saúde e Arte!