Novembro, 2025 - Edição 309

Luís Jardim: um nome para lembrar

No trono da França, houve muitos Luíses. Na literatura de língua portuguesa também: Luís de Camões, Luís Forjaz Trigueiros, Luís Guimarães Júnior, Luís Edmundo, Luís da Câmara Cascudo, Luís Martins, Luís Fernando Veríssimo, Luís Jardim. Foquemos nesse último, que anda muito apagado da memória dos leitores. Dele acabo de ler O Meu Pequeno Mundo, um livro de memórias da infância. O autor lhe deu um subtítulo: Algumas lembranças de mim mesmo. A obra, de 187 páginas, saiu pela José Olympio, em 1976. O próprio autor criou a capa: era um grande ilustrador, desenhista e artista gráfico, famoso pelos seus bicos de pena; seu autorretrato é um primor. Detalhe: nunca fez cursos, era um autodidata das letras e das artes gráficas.

Luís Ignácio de Miranda Jardim nasceu em 8 de dezembro de 1901, em Garanhuns, PE, e faleceu no Rio de Janeiro, em 1º de janeiro de 1987. Foi introduzido no mundo editorial literário pelo seu coestaduano Gilberto Freyre. Era um cultor da literatura para crianças e deixou, nesse campo, livros premiados: O Boi Aruá, O Tatu e o Macaco, Proezas do Menino Jesus, Aventuras do Menino Chico de Assis e Façanhas do Cavalo Voador. Casado com Alice Alves Jardim, o casal não teve filhos.

Luís Jardim foi funcionário do IPHAN, em cuja revista publicou ensaios sobre a pintura mineira barroca do século XVIII. Ilustrou o Guia de Ouro Preto, do também pernambucano Manuel Bandeira, e os Guias do Recife e de Olinda, ambos da lavra de Gilberto Freyre. Foi redator do Instituto do Açúcar e do Álcool e, por muitos anos, trabalhou na editora José Olympio.

Destacou-se como colaborador e redator de jornais do Rio de Janeiro. Era um prosador admirado pela alta verve, finura estilística e elegância formal, discreta. Ressalte-se também a alta voltagem da poética de sua prosa, seja como ficcionista, seja como memorialista. Nosso autor legou-nos outros livros notáveis, na seara do conto e do romance: Maria Perigosa, As Confissões do meu Tio Gonzaga e O Ajudante de Mentiroso. Recebeu prêmios da Academia Brasileira de Letras.

Necessário registrar o volume Seleta, com vários de seus trabalhos. A seleção ficou a cargo do erudito Paulo Rónai, com notas, comentários e estudo crítico do não menos erudito Eugênio Gomes. Figuras ilustres da nossa vida literária teceram elogios aos livros do pernambucano, entre eles Monteiro Lobato, Carlos Drummond de Andrade, Wilson Martins, os já mencionados Eugênio Gomes e Paulo Rónai, Rachel de Queiroz, outros mais. No seu livro de memórias, Tempo ao Tempo, o também pernambucano Sylvio Rabello menciona Luís Jardim, à pág. 101. Ele chama Luís Jardim de “amigo dos mais fraternos”. Luís perdeu o pai quando ainda menino, nas brigas de famílias, nos começos do século XX; brigas por política e por terras, como acontecia Brasil afora, aliás, mundo afora.

A linguagem de O Meu Pequeno Mundo é cursiva, linear, coloquial, recheada de humor e carregada de fortes sentimentos, até metafísicos... Palavras e expressões interioranas, “da roça”, pipocam aqui e ali, na pena de Luís Jardim, para regalo do leitor. Darei só um exemplo, para não espichar muito a conversa. Eis uma palavra, na pág. 13: perequeté. Lá em Minas, nós dizíamos prequeté. O que significa? Significa emperiquitado ou empriquitado, galhardo, faceiro, elegante, frajola, pimpão, guapo, taful, loução, vistoso. Segundo o filólogo Antenor Nascentes, perequeté é um termo de origem indígena. Sim, como macambira, maracanã, pindorama, itacolomi, itamarati, aquiraz, paranoá e centenas de outros. Mas não posso mais espichar a conversa. Adeus! Leiam Luís Jardim!

Por Danilo Gomes, membro da Academia Mineira de Letras.