Novembro, 2025 - Edição 309
Achiamé (1), o historiador poeta
A rica produção do escritor Fernando Achiamé versa sobre a
poesia e aborda estudos históricos sobre o Brasil e o Espírito Santo,
contudo objetivamos apresentar algumas informações, sobre
o seu fazer poético, retiradas de
sua obra: Livro Novíssimo, em que
pode ser observados poemas de
formas métricas diferentes transitando para uma simples conversa entre um eu e um tu imaginário nas exposições de temas
sentimentais, ou, ainda, quando
o eu se mostra socialmente engajado socialmente ou saudosista,
mostrando-se pleno de reflexões
próprias de um historiador-poeta,
que não perde o ritmo próprio do
poema, durante seus questionamentos.
Nessa obra, segundo uma
nota do autor, os poemas foram
criados a partir de 1990 até a
publicação e distribuídos nas
quatro partes do livro: Escala 1; 1,
Fogo Amigo, Trilha Sonora e Livro
Novíssimo.
Neles mostra-se Achiamé,
nas variações métricas: haikai,
sonetos, e temas, um poeta engajado socialmente, ciente da dificuldade de ser um poeta, um
fazedor de poemas, e ironiza:
“Escrever poemas é bom/ mas
não deve ser um vício. / Vício,
apenas o de viver// Fazer poemas
é um ato solitário/que envolve muita gente; / Os vivos & os que
em nós vivem/ Conhecidos & estranhos/ Gregos & troianos/ //
Se os poemas são passageiros, / no máximo trocadores/ como os
poemas podem ser motoristas/ correrem sem limites?/ // poetas
sustentam-se somente de seus versos” [... ] (Fazer Poemas, p. 193).
O historiador-poeta reflete sobre a bomba que provocou
a tragédia de 11 de setembro de 2001 no Word Trade Center (De
Repente no World Trade Center, 2011, p. 24-27): “Qual foi a primeira
bomba a explodir?/ E a última a detonar no mundo, qual será?” e
o poeta questiona: “Parado pergunto é fácil fazer poesia/ sobre o
horror-previsível-depois-de-criado? / como saber?/ poesia e tragédia se parecem/ O seu mistério sai do nada.”
Também o poeta relembra sua casa: “A casa era na rua
Alexandre Calmon/ em frente ao mercadinho da cidade. / No quintal dos fundos ficava a garagem da Viação Águia Branca/com estoque de diesel e de lubrificantes”(p. 133). Íntimo e saudosista, ele
nos repassa uma época em que vivia em Colatina e que a locomotiva, “não é um trem qualquer, / viaja perto do rio Doce e em alguns
pontos o corta”, e rememora a conversa com “um senhor baixinho
e gordo”, p. 132 (Tempo de Trem com Música, 2011, p. 103-134).
O trem ainda passa em Colatina e de trem pode-se ir a outros
lugares, mas o tempo é outro, o retorno não é o mesmo, por isso
lamenta o poeta: “meu Deus! Não entro nesse trem sem soluçar por
dentro. / Lastimo infância passada, a Certeza no futuro deploro”
(p. 103).
A infância do poeta brota a partir da viagem de trem para
Vitória. Quando o tempo inexorável destrói todo onírico “Aos cincoanos me mudaram pra Vitória. / O que de mim ficou na latitude de
19º 32` 22` S/ longitude de 40º 37`50`O, altitude de 38m/ E distante do mar 98km em linha reta?/ O que de mim aí muito ficou?”(p.
104).
O poeta brinca com as palavras e situações e se coloca em
jogo, diante de um telefone público: “Orelhão – na calçada vazia
telefone toca pra ninguém. / passo ao largo mas alguém insiste.
/ Olho de viés para a solidão da chamada. / Se atendê-la, serei
quem?” (p. 19) e o historiador em Visitas ao Éden (p. 31-41) lembra
um fato histórico ocorrido no século 19, de uma visita de Dom
José Caetano da Silva Coutinho no ES, e de suas impressões deixadas num relatório: “Vê mulatinhas, doutrina meninos, presenteia
menina. / Com pobres conversa,
lista nomes, anota línguas” [...]
“De tudo dá conta no seu caderno
secreto” (p. 32).
Mas, entre tantas temáticas apresentadas não deixou o
poeta de cantar o amor. Em O
INESPERADO (p. 96): “Amor é o
inesperado, mas vale programação/Vale o sonho, o inatingível,
vale o que for...”,
Em três quartetos, Na
Terceira Vez (p. 97), Achiamé
lamenta, com sobressalto, a durabilidade do desejo: “- A duração
do desejo é a mesma da vida!”.
No soneto “Entre Nós Dois...” (p.
99), dedicado a Marta, mostra o
poder do amor sobre obstáculos:
“Entre nós dois há um abismo/
Que nosso amor salte e preenche”. Mas o capixaba canta a
capital do Estado em Trópico de
Vitória (p. 64-67): “[...] Se a ilha
fica à mercê de aragens, de rochas
e marés, / Bem se retempera em
ares inconstantes, / Bem se harmoniza em pedras desiguais, /
Bem se afina em mares mudáveis,
/ Pois no Trópico de Vitória, o
velho Sol/ Com tais sopros, águas
e morros/ Faz-se, Anti-Fausto,
sempre novo.”
Assim, no fecundo desejo de Achiamé recriar, vamos observar que ele utiliza variados ritmos, plenos de linguagem poética,
centrada em um lugar social e espacial, joga todo o seu conhecimento histórico numa linguagem poeticamente viva, recorda
pessoas e situações, fazendo de seus sonhos e tendências mais
secretas reconstruções de cidades e lugares esquecidos.
O papa Francisco considerou que os poetas são os que vêm
e sonham, e são os sonhos de Fernando Achiamé que se registram
em seus poemas e ler, ou melhor, recitar, palavra mais apropriada
para poemas de Achiamé, é despertar fatos adormecidos, revisitar
lugares que podem ser encontrados em fotos bem antigas, é avivar
a nostalgia de uma vida de costumes modificados, numa fluida linguagem poética plena de ritmo, é reconhecer que a relação entre o
poeta e seu povo é orgânica e espontânea e, por fim, é certificar-se
de que o poeta intrínseco, Fernando Achiamé, citando Paz (p 50),
“opera de baixo para cima: da linguagem de sua comunidade para
a do poeta”.