Novembro, 2025 - Edição 309

A rainha e o maestro

Era uma vez um maestro. Era uma vez um maestro e suas mãos. Era uma vez um maestro, suas mãos e seus sentimentos. As mãos do maestro foram mãos crianças, como todas as mãos. Como todas as mãos vocacionadas à construção. Construíram, as mãos do maestro, antes de ser maestro, concertos que consertaram mundos. Era uma vez um pianista. Era uma vez um pianista e suas mãos. Era uma vez um pianista, suas mãos e seus sentimentos. As mãos do pianista foram dizendo ao piano, “foi para você que eu nasci”. O piano, entendedor de mãos e de sentimentos, foi sendo música, foi sendo mundo. O pianista conquistou o mundo. E, então, surgiu a dor. A dor não impediu a música. A dor doeu os dedos e a alma do pianista. Da dor, o sonho. Do sonho, a decisão. Era preciso continuar dizendo ao piano, “foi para você que eu nasci”. O piano levava os sons para a alma do pianista. E, então, os médicos. E as cirurgias. E a valentia disfarçando o choro. E o choro, sem disfarces, na emoção dos consertos que concertavam mundos. O pianista olhou para o piano, para as mãos, para os sentimentos e decidiu reger. A vida. A música. A vida dos outros. Nasceu o maestro. O maestro, com suas mãos e sentimentos, começou a dizer aos instrumentos que ele estava ali. E aos músicos que a música era a linguagem mais bonita para que a palavra encontrasse o alto. A música é a delicadeza de Deus na sinfonia do mundo. O maestro, mesmo com as mãos feridas, consertava as rasgaduras que os abandonos provocam nas pessoas.

Por Gabriel Chalita, membro da Academia Paulista de Letras.