Setembro, 2025 - Edição 308
Esqueçam a CPLP e deixem o Camões em paz

A somar a trinta anos de irrelevância política e diplomática, a
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) tem dois novos desafios pela frente. Nos próximos quatro anos, a organização será presidida pela
Guiné-Bissau, cujo Presidente faz questão de ignorar qualquer preceito constitucional, e pela Guiné Equatorial, país conhecido por esses e outros atropelos.
O que o Presidente Umaro Sissoco Embaló poderá fazer pela CPLP é
nulo. As suas práticas contradizem os estatutos: dissolução inconstitucional
do Parlamento, perseguição de opositores políticos ou violação dos direitos
humanos. E o que Teodoro Obiang poderá fazer pela organização será ainda
pior. A ditadura de Obiang ainda não aboliu a pena de morte, nem deixou de
perseguir adversários políticos e ativistas dos direitos humanos.
Após dois anos de presidência de Bissau, seguir-se-ão os dois anos da
presidência de Malabo. Nenhuma das duas fará bem a quem quer que seja,
exceptuando à imagem dos dois presidentes. Que comunidade será esta em
2029? É muito duvidoso que seja melhor do que aquilo que é agora.
A presidência da CPLP sucede-se por ordem alfabética e chegou a vez
de a Guiné Equatorial tomar conta dos destinos de uma organização criada em
torno de uma língua comum, que este país não fala, à excepção de um crioulo
de origem portuguesa, na ilha de Ano Bom, cuja população é alvo de opressão.
A Guiné Equatorial foi aceite com pompa e circunstância como país-
-membro há mais de uma década, desde a cimeira de Díli, em 2014, e, agora
que chegou o momento de presidir à organização, Portugal, Brasil e Timor
levantaram sérias dúvidas quanto a essa hipótese.
Em sua substituição, como solução para o embaraço, Lisboa, Brasília e
Díli estavam de acordo quanto à entrega da presidência ao Brasil, a partir de
2027, mas a conferência acabou sem consenso.
Se a utilidade da CPLP já era discutível, a organização não servirá para
mais nada do que a rotina de mudança de presidência de dois em dois anos,
perante dignitários de segunda importância, legitimando práticas autoritárias
e anticonstitucionais, quando presidida por alguém com os pergaminhos de
Sissoco Embaló ou de Obiang
O adiamento é triste. A razão, simples. A ditadura de Teodoro Obiang
não tem qualquer paralelo entre os nove países e a possibilidade de presidir à
CPLP dividiu a organização a meio.
Em suma, os próximos quatro anos só irão acentuar a degradação de
uma comunidade que nunca deixou de ser meramente simbólica e que nunca
teve peso político suficiente para se impor estrategicamente.
Quer para Sissoco Embaló, quer para Teodoro Obiang, quer para o filho
deste, o primeiro na linha de sucessão, será uma oportunidade de recuperar
prestígio internacional, se é que ainda pode existir algum. Para a CPLP, será
mais um passo no sentido contrário, como se fosse possível perder ainda mais
prestígio e razão de existir.
Portugal e Brasil, pela importância que têm na organização, têm agora
de lidar com a contradição de ter aceitado a adesão da Guiné Equatorial e,
simultaneamente, de porem em causa o direito de Malabo à presidência rotativa.
e a pertença a uma comunidade deste tipo, por mais justos que sejam
os seus estatutos, não regenerou o sistema político moçambicano, por exemplo, era uma ingenuidade pensar que isso poderia acontecer com o regime
equato-guineense. Mas essa foi uma das ingenuidades mencionadas a favor da
aceitação da ditadura de Obiang. É tarde demais para arrependimentos.
O segundo desafio é este. Construída por inspiração e influência portuguesa, a CPLP debate-se com a mudança de ar destes tempos. A facilidade e
os expedientes com que se demoliram as barracas em Loures talvez seja mais
exequível se os inquilinos, ou infratores, na linguagem conspurcada do Chega,
forem estrangeiros, de cor negra e oriundos de São Tomé e Príncipe ou Cabo
Verde, como é o caso do bairro do Talude Militar.
A alteração da lei dos estrangeiros, e outra legislação que vier a ser
alterada, terá como consequência inevitável quebrar as ligações de proximidade afetiva entre os cidadãos dos países de expressão portuguesa e levar à
adopção da reciprocidade legislativa, como o Brasil já anunciou que irá fazer.
Acrescente-se que as relações entre os vários países sempre foram mais bilaterais do que multilaterais, pelo que a CPLP nunca foi de grande utilidade
diplomática.
Neste cenário, se a utilidade da CPLP já era discutível, a organização
não servirá para mais nada do que a rotina de mudança de presidência de
dois em dois anos, perante dignitários de segunda importância, legitimando
práticas autoritárias e anticonstitucionais quando presidida por alguém com
os pergaminhos de Sissoco Embaló ou de Obiang.
Era bom que a comunidade linguística e emocional fosse além da
retórica simbólica, mas não é suposto que isso aconteça nos próximos quatro
anos. A língua em comum sempre foi mais retórica e simbólica do que política
e diplomática. Nos próximos quatro anos, pelo menos, deixem o Camões em
paz.