Stembro, 2025 - Edição 308

Entrevista com Antonio Carlos Secchin - Avatar Machado

Entrevista transmitida em nível nacional, no Programa Identidade Brasil, apresentado por Arnaldo Niskier no canal Futura



Arnaldo Niskier: Hoje, com muito prazer, estamos entrevistando o secretário geral da Academia Brasileira de Letras, acadêmico Antonio Carlos Secchin. Um momento bonito da história da Academia, em que os jornais estão dando muita ênfase à presença do Machado de Assis na nossa vida, novamente, graças ao avatar que foi produzido pela ABL. Como é que você vê isso, como acadêmico?

Antonio Carlos Secchin:Primeiro, devo registrar a minha satisfação de estar aqui neste programa. Pela terceira vez. Sempre respondendo aos seus amáveis convites e mais satisfeito ainda por ter a possibilidade de comentar o que representa não só o Machado de Assis em si, como memória passada, mas o Machado atual presente através desse avatar. E indagado por um jornalista, me permiti fazer um jogo de palavras dizendo que o bom pai à casa torna. Então, já que ele é o pai de todos né, ele tem...

Arnaldo Niskier: Foi o primeiro presidente da Academia.

Antonio Carlos Secchin: Presidente enquanto viveu e faltando duas ou três sessões apenas ao longo desse período todo. Muito presente, muito atuante e, com certeza, ele está feliz de poder reingressar, mais de um século depois da sua extinção física, graças ao avanço da tecnologia.

Arnaldo Niskier: Como é que você vê a inteligência artificial na casa da tradição, que é a casa de Machado de Assis?

Antonio Carlos Secchin: Muito interessante, porque isso de alguma forma atenua aquela versão de que só temos compromisso com o passado. Eu diria que nós não fazemos um museu do futuro...

Arnaldo Niskier: E com o chá. Maldosos dizem que só tem chazinho.

Antonio Carlos Secchin: E o chá, para aqueles que porventura não saibam disso, é simplesmente um momento de distensão preparatório para as sessões semanais que temos, às quintas. Antecede a sessão e já ultrapassamos o número de 5000 sessões desde a fundação, é um número fantástico. Tudo isso registrado em atas, com discussões de temas internos, mas também de temas externos, temas da cultura brasileira, temas da política cultural do mundo, da relação do Brasil com o mundo. E sobre a inteligência artificial, que assusta muita gente, primeiro, devo dizer que eu não sou um especialista da tecnologia, mas a priori sou a favor de tudo o que facilite a jornada do homem na terra. E entre essa facilitação, sem dúvida, o potencial de informações que a inteligência artificial traz é algo que não pode ser desprezado.

Arnaldo Niskier: Você foi, durante muitos anos, professor de Literatura Brasileira da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor titular, eu diria, na antiga nomenclatura, catedrático. Você acha que, se dominasse a ferramenta (chama-se assim a inteligência artificial, é uma ferramenta que une hardware e software), nos tempos em que você lecionou na UFRJ, isso modificaria a maneira de lecionar?

Antonio Carlos Secchin: Essa é uma experiência que não tenho. Fui ou sou um professor da idade da pedra e do giz. Quando eu estava me aposentando, tem mais de dez anos, era o início da revolução tecnológica do celular, que tem internet. Naquela época, o telefone era só para ligar, não era para ver outra coisa, quando eu me aposentei, em 2011, por aí. Atualmente, alguns professores se queixam de que eles têm um rival muito grande em sala de aula, que é o celular com a internet que se abre para o mundo inteiro.

Arnaldo Niskier: Você viu que aqui, no Rio de Janeiro, o secretário de Educação do Estado proibiu a presença da internet nas salas de aula? Você não acha essa medida um pouco extrema demais?

Antonio Carlos Secchin: Acho extrema. Agora, por outro lado, não há como fazer um filtro. Por exemplo, se o professor vai dar um tema de pesquisa, como aferir se os alunos estão ali. Ou estão difusamente numa sala de bate papo querendo conseguir um namorado ou namorada. Então, é muito difícil e você não pode autoritariamente ficar controlando cada celular de cada aluno. Devo dizer a você, qualquer modéstia colocada de lado, que eu confiava muito no discurso. Achava que poderia interessar os alunos simplesmente pelas questões que eram levantadas na análise do texto, sem precisar desse recurso externo.

Arnaldo Niskier: E é muito interessante o que você está falando, como tudo que você fala, porque hoje, no jornal O Globo, há uma entrevista do Bolívar Torres com o avatar do Machado de Assis. E ele diz, nessa entrevista, que o fundamental, no exemplo do Machado de Assis, é o cuidado que ele tem com a educação e o conhecimento. Você concorda com isso?

Antonio Carlos Secchin: Acho que o Machado foi muito feliz nessa entrevista. Se tivesse sido dada na época dele, há tempos, seria algo semelhante, adaptadas às condições socioeconômicas e culturais da época. Foi tudo muito pertinente, muito bem equilibrado. Alguns reclamaram que o avatar devia ser gago. A empresa fez bem e não houve críticas à aparência de Machado. Mas outros reclamaram que ele estava com sotaque paulista e por aí, nunca se satisfaz todo mundo. Se fosse desejar que tivesse, não sei se a tecnologia conseguiria fazer isso, seria dar um certo sorriso malicioso de Machado. E correlato ao sorriso, gostaria que as respostas contivessem um pouco de ironia, humor e talvez seja a ironia e o humor aquilo que diferencia o ser humano da inteligência artificial.

Arnaldo Niskier: Como membro atuante da diretoria da Academia, você teve uma participação bastante sugestiva na escolha dos temas das pessoas que vão falar às terças- feiras, às 16 horas, aqui na sede da Academia Brasileira de Letras. Como é feita essa escolha?

Antonio Carlos Secchin: Obrigado por dar oportunidade de esclarecer isso para todos os nossos espectadores. Inicialmente eu reitero o que você disse, convido a todos para comparecer à Academia Brasileira de Letras, todas as terças-feiras do ano, a partir do dia 12 de março até o dia 15 ou 12 de dezembro, se não me engano, porque certamente encontrará aqui um tema e um palestrante, ambos de alto nível. Essas palestras são gratuitas, tem acesso gratuito e são transmitidas ao vivo pelo YouTube da Academia e pelo site da própria Academia. Então, a pessoa pode comparecer, que é o ideal, quem mora no Rio, pode assistir pelo YouTube, pelo site da Academia e ainda se dar ao luxo, se estiver ocupado no horário, de depois de pesquisar no YouTube e, tardiamente, acompanhar. Esses temas são discutidos no âmbito da diretoria. Temos dez ciclos por ano, de março a dezembro, cada ciclo ocupando um mês. Então há meses com quatro palestras, meses com quatro terças-feiras, e alguns meses com cinco. Dependendo do calendário. Em dezembro, temos duas a menos, porque nós encerramos antes do Natal.

Arnaldo Niskier: Prejuízo para o último curso, que é o de poesia. E você gosta tanto de poesia e é um poeta também.

Antonio Carlos Secchin: Tem que fazer um equilíbrio mágico, porque os temas são infinitos. Os palestrantes de qualidade também são numerosos.

Arnaldo Niskier: Mas são só membros da Academia?

Antonio Carlos Secchin: Não. Antigamente havia um preceito de que todo ciclo necessariamente teria de ter um palestrante que fosse acadêmico. É interessante a proposta pela visibilidade, mas temos que ter a modéstia de saber que pode ser que um certo tema não seja da especialidade de um determinado acadêmico.

Arnaldo Niskier: Quer que eu dê um exemplo? O problema dos cantores. Quando você vai pegar um Tom Jobim, por exemplo, tem acadêmicos que eram íntimos do Tom Jobim, não necessariamente alguém de fora.

Antonio Carlos Secchin:Havendo possibilidade, sempre um acadêmico é cogitado em primeiro lugar. Agora pode haver temas em que não haja um acadêmico específico, como pode haver outros temas em que mais de um acadêmico é capacitado. Então, há muita flexibilidade quanto à composição.

Arnaldo Niskier: Mas eu tenho uma pergunta, a meu ver, relevante para lhe fazer. Por que não se permite um debate nesse ciclo cultural da Academia?

Antonio Carlos Secchin: Ótima pergunta. Então você tem toda a razão, quando informa ao público que, uma vez encerrada a palestra, vão todos para casa e satisfeitos com o que aprenderam, o que ouviram, mas sem poder ter uma interlocução. A razão é a experiência. Há muitos anos, creio que no período ainda no nosso querido e saudoso Ivan Junqueira, a tônica era permitir que, após a palestra, houvesse perguntas do público. E o que acontecia? O famoso discurso paralelo. Um levantava o dedo e repetia o que o conferencista havia dito. Poderia ter pior, alguém levantar e dizer que achou horrível, que era contra tudo que foi falado. E outros que, em vez de formular uma pergunta, ficavam dez minutos dando uma aula sobre o assunto. E temos aqui, infelizmente, protocolos de segurança, de horário. Então, para evitar esse problema, a sugestão que sempre dou é informar ao distinto público, não só o presencial, mas o da internet, que mandem as suas questões para o site da Academia e encaminharemos para o palestrante. Então o espectador, presente aqui ou na internet, manda a sua pergunta.

Arnaldo Niskier: Quer dizer, ele não tem tolhida essa liberdade de se expressar.

Antonio Carlos Secchin: Não tem, apenas não participa pelos limites de tempo que temos. Outra hipótese que também cogitamos era que, para o público presencial (isso ainda não implementamos), houvesse a possibilidade de escrever a pergunta. Essas perguntas seriam encaminhadas ao coordenador da mesa, que discretamente faria o filtro, escolhendo as melhores, eliminando as redundantes, eliminando as agressivas e colocando de fato perguntas pertinentes ao que fosse feito na hora. Isso atende à demanda do público presencial. Mas eu creio que essa possibilidade de mandar pela internet atende também a quem não pode estar presente lá.

Arnaldo Niskier: Acho que aí você responde, porque de vez em quando somos atropelados por um comentário desses: “Eu tinha uma pergunta para fazer e não me permitiram”.

Antonio Carlos Secchin: Alguns não se contém, fazem a pergunta mesmo sem poder, sem permissão.

Arnaldo Niskier: Já tenho 40 anos de Academia e me lembro das perguntas conferência. O sujeito ia fazer uma pergunta, mas fazia uma conferência paralela e é desagradável. Quando vai para assistir a uma palestra do Antônio Carlos Secchin, não quer ouvir alguém do auditório fazer uma outra palestra em paralelo, não tem cabimento. Você tem a responsabilidade de colaborar com o acadêmico nomeado pelo presidente, que é bastante rigoroso em relação a isso. Queria saber como é feita essa escolha, porque a cultura do nosso país é tão vasta, tão polifacetada que fico impressionado como se chega a essa escolha de uma maneira tranquila. Como é que isso se faz?

Antonio Carlos Secchin:Sabemos que a Academia é uma casa de literatura, mas é uma casa de cultura, no seu sentido mais amplo. E seria ruim, de um lado, a Academia esquecer o seu compromisso com a literatura. Mas também seria ruim, de outro lado, esquecer que deve ser mais abrangente em termos de temas culturais e não apenas literários. Daí essa programação tentar contemplar essas duas faces. Por exemplo, o primeiro ciclo, agora de março, “Mitos da música popular brasileira” tem até um vínculo com a literatura através das letras, mas é algo que, digamos, ultrapassa o âmbito do livro ou da literatura. O segundo já é mais restrito à literatura porque é “A poesia na Academia”, no ciclo de abril. Em maio, temos “Deus, deuses”, que já dialoga com antropologia. Você vai ver a noção de Deus, um curso até que pode retomar em outro ano, porque há muitas configurações da figura divina. Então trabalharemos com quatro delas nesse ano. Em junho, um curso que é, ao mesmo tempo, de literatura e fora da literatura, que é “Machado e a questão racial”, quando é Machado, é pura literatura, quando é a questão racial, entra um tema de identitarismo, temas culturais, temas de representatividade.

Arnaldo Niskier: Discussão se o Machado era ou não era mulato, porque até hoje isso subsiste.

Antonio Carlos Secchin: Cada época descreve o Machado que ela quer ver. Machado é descrito, segundo o interesse hegemônico e ideológico de determinado período. Não vamos esquecer que a época de Machado, na sua certidão, no seu atestado de óbito, consta a cor branca. E Joaquim Nabuco dizia que Machado era um grego. Então você vê como certas noções que, na época, eram tidas como valorizadoras de Machado, hoje em dia seriam criticadas como o racismo, querendo embranquecer a todo custo alguém como a nítida ascendência afro. Isso acontece com grandes escritores que são apropriados por determinados grupos e eles vão se transformando com isso. Em julho, um curso eclético chamado “Pensar”, em pensar você pode botar política, pode botar saúde, pode botar natureza, pode botar justiça.

Arnaldo Niskier: Dê um exemplo de quem vai falar nesse “Pensar”.

Antonio Carlos Secchin: Por exemplo, pensar a saúde, Margareth Dalcomo.

Arnaldo Niskier: Que é formidável.

Antonio Carlos Secchin: Pensar a justiça, Luiz Roberto Barroso, presidente do Supremo; Pensar a natureza, Ailton Krenak, o nosso confrade. Então, são nomes assim expoentes em cada uma dessas áreas. Agosto, “Cadeira 41”, que é o resgate de escritores que por alguma razão não puderam ou não quiseram entrar. Somos muito criticados injustamente por não termos eleito escritores que nunca quiseram entrar para a Academia, como Drummond, Érico Veríssimo e outros. Não esquecemos também que, além do compromisso com a literatura e a cultura, temos compromisso com a língua portuguesa. Então, em outubro, Ricardo Cavalieri vai coordenar o curso “Temas em Língua e Literatura”. Finalmente, fechando o ano, aquele ciclo menor de dezembro, é a homenagem que a Academia presta a si mesma, chamada “Memórias Acadêmicas”, Memórias da Academia, fatos, nomes, instituições...

Arnaldo Niskier: Quem vai falar nesse ciclo?

Antonio Carlos Secchin:É o coordenador, Arno Wehling, que é um grande historiador, coordena e fala. Ele vai falar sobre a questão da tensão da Academia entre os helenos, a tradição grega clássica e a modernidade. Trabalhamos em várias frentes. E convidamos o público em geral a aproveitar as iguarias que o nosso banquete cultural oferece de graça para todos. Totalmente gratuito e ainda dá certificado.

Arnaldo Niskier: A Academia está vivendo um tempo muito bonito. Alguém me falava, antes de começarmos a gravação, que é um tempo glorioso da Academia, porque ela está no noticiário. Os jornais importantes, como O Globo, o Correio Braziliense, a Folha de São Paulo, a todo momento estão dando alguma coisa sobre a Academia. Essa história da inteligência artificial que a Academia abraçou está nos jornais quase que diariamente.

Antonio Carlos Secchin: Na primeira página do Segundo Caderno. Você imagina, para uma criança ou um estudante do ensino médio, primeiro nível, a alegria de poder dizer: “Eu conversei com Machado de Assis.” Então deixa de ser apenas aquela referência livresca perdida no século XIX para o XX e assume a dimensão viva da cultura de hoje.

Arnaldo Niskier: E para conversar com Machado de Assis, tem que telefonar para ele?

Antonio Carlos Secchin: Não, é só apertar um botãozinho e encarar. Ele responde qualquer pergunta, mesmo as mais ardilosas, apenas como eu comentei, eu sinto falta da ironia machadiana. A ironia, como eu disse, nenhuma máquina consegue produzir.

Arnaldo Niskier: Ainda não criaram essa máquina.

Antonio Carlos Secchin: A ironia nem o humor. São as marcas que nos distinguem fundamentalmente de qualquer inteligência artificial.

Arnaldo Niskier: Quem sabe numa próxima versão venha até com ironia.

Antonio Carlos Secchin: Tomara, eu estou esperando.

Entrevista transmitida em nível nacional, no Programa Identidade Brasil, apresentado por Arnaldo Niskier no canal Futura