Julho, 2025 - Edição 307
O Vargas Llosa que conheci

Conheci Mário Vargas Llosa pessoalmente em sua cidade, Lima,
na ocasião em que fui ao Peru cobrir para o Jornal do Brasil uma eleição
presidencial na qual saiu vencedor Alan Garcia, jovem candidato do líder
socialista Haya de la Torre. Vi-o pela primeira vez na seção em que foi
votar. Os jornalistas que cobriam a votação fizeram uma entrevista coletiva
curta falando mais de política do que literatura. Fiquei frustrado, porque
eu queria saber mesmo dele como conseguia dominar o humor como se
fosse comediante profissional, um Cantinflas limenho. Não tive como
introduzir a pergunta e ia precisar de uma conversa bem mais longa, mas
só tive com ele alguns encontros fortuitos e muito breves, como uma vez
na Livraria Cultura, apresentados um ao outro pelo livreiro Pedro Herz.
Em todos os encontros, ele foi sempre frio e cortês, diferente do passional
Gabriel Garcia Márquez, sobre cuja obra escreveu um verdadeiro clássico
da teoria literária História de um Deicídio. Eram muito amigos. Tornaramse inimigos mortais, primeiro pessoalmente. Gabo, um gênio mulherengo
e enxerido, assediou Patrícia, sua mulher, a prima com quem se casara
depois das núpcias com a tia Júlia, título de um clássico da comédia, Tia
Júlia e o Escrevinhador. As relações dos dois gênios se azedariam aindamais quando o autor de Cem Anos de Solidão tornou-se um fã público de
Fidel Castro e o de A Festa do Bode (sobre o tirano dominicano de direita
Trujillo, inimigo de todas as ditaduras da esquerda e da direita).
Nélida Piñon, nossa amiga comum, indicou-me para escrever sobre
política brasileira no jornal El Nuevo Herald, versão em castelhano do
Miami Herald, cujo editor de opinião era filho dele, Álvaro. Não conheci
pessoalmente meu editor de então e meus textos estavam alinhados com
o pensamento liberal da família por convicção, não por conveniência.
Quando estive em Lima e o conheci, fiz questão de tomar um trago
no boteco La Catedral, cenário de Conversa na Catedral, na minha opinião
seu melhor romance. Uma coincidência interessante de nossos desencontros é que nunca falamos sobre Canudos, tema de seu romance A Guerra
do Fim do Mundo. A coincidência é que, quando entrevistei Jorge Luís
Borges em Buenos Aires e lhe perguntei sobre que autor estava “lendo”, ele
respondeu, rápido “Euclides”. Eu fiquei espantado: “O senhor lê em português?” E o portenho respondeu, impaciente: “Eu leio Euclides.” Agora, ao
ter notícia na noite passada de seu passamento, pensei que nunca mais
terei como conversar com don Mário sobre Os Sertões. Afinal, primeiro
morreu nossa amiga comum. Nélida, que ficou de promover o encontro.
Álvaro Vargas Llosa ainda é vivo, mas parece que estavam de mal, depois
que o pai trocou a mãe pela ex-mulher de Júlio Iglesias. Um irresistível
enredo para um escrevinhador. Agora foi o próprio peruano. Isto é o de
menos: a falta maior que me faz é não saber qual será a nova aventura
literária do escritor, que pariu obras de inimitável humor como Pantaleão
e as Visitadoras, cuja versão cinematográfica vi em Caracas, quando a
Venezuela era democrática e o Brasil penava na ditadura. Este sempre foi
um dos meus esportes favoritos.