Julho, 2025 - Edição 307
Língua portuguesa

A literatura é uma arte psíquica idiomática. Serve-se de dois elementos:
a mente e a palavra. A língua é, ao mesmo tempo, o meio de comunicação e
a forma dessa arte. É o veículo, a forma exteriorizadora da criação artística
elaborada no espírito humano, segundo o professor de Teoria Literária Hênio
Tavares.
A nossa língua é a portuguesa. Lembrando um pouco sua história:
da fragmentação do latim vulgar, que os romanos levam para a Península
Ibéric, surgiram numerosos romances (dialetos), entre eles, o lusitânico (ou
galaico-português). A independência política de Portugal estabelece a língua
portuguesa, levada aos cinco continentes pelos portugueses conquistadores,
expandindo-se rapidamente. No Brasil, foi enriquecida pela influência das
línguas indígenas e africanas.
Reconheço a língua portuguesa como meu maior instrumento de trabalho e declaro a ela o meu respeito, o meu amor sincero. Um amor feito de
estudos, sacrifícios, análises, longas horas debruçadas sobre as gramáticas,
sobre os manuais e os livros de literatura brasileira e de literatura portuguesa,
outras tantas passando suas normas em quadros-negros, corrigindo provas e
trabalhos de alunos, nas quatro décadas de magistério. Toda essa dedicação
não passou de meio para atingir um fim maior: dominar a língua, conhecê-la,
manuseá-la, dissecá-la para melhor criar poesia.
Quando falamos em amor à língua portuguesa, na sua história e importância, logo nos vem à memória o poema/oração “Língua Portuguesa”, do
parnasiano Olavo Bilac, da qual transcrevo a estrofe inicial:
Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...
Parece-me incongruente um poeta não ser admirador e conhecedor
de sua própria língua. Desde a infância, quando deslanchou dentro de mim o
apaixonante processo de ler-escrever, interessei-me pelas regras do jogo.
A expressão “língua portuguesa” evoca imagens místicas de Portugal.
Influenciada por um verso do poema/canção “Língua”, de Caetano Veloso,
que começa assim: “Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de
Camões”, escrevi:
Por Raquel Naveira
Minha língua encosta
Na língua portuguesa,
Meu pensamento reveste-se da forma
Ditada pelas normas
Da gramática portuguesa;
Ó língua galega!
Quisera dominar-te como águia.
Que o anjo de Portugal
Sopre em mim o espírito
De tua clareza rude,
Mostre tua força de carvalho,
Tua envergadura de choupo,
Teu cheiro de murta e eucalipto.
Que as tágides
Façam-me atravessar
O Cabo da Esperança,
O Cabo Verde,
O Cabo Não
Até chegar ao cerne de tua concisão.
Que a marquesa de Alorna
Dê-me o romantismo
Que orna as cantigas de amigo
Com pérolas de harmonia!
Que as colunas dos mosteiros
Passem para minhas veias
A lírica de Camões
E para meu paladar
O segredo das palavras,
Dos vinhos,
Dos grãos de aveia.
Que minha língua encoste
Na língua portuguesa
Hoje e sempre,
Aqui e além,
Que a minha poesia se erga,
Gótica e galaica
Como a torre de Belém.
A língua portuguesa faz correr no meu sangue as cantigas dos trovadores, dos cancioneiros, de árcades e orfeus. Faz com que eu pertença à mesma
linhagem de Camões, Pessoa e Drummond. Põe em meu inconsciente histórias
onde se mesclam caravelas, cruzes, cocares, palmeiras, oceanos, onças, jandaias, príncipes afonsinos, mártires da liberdade, portos seguros.
Ó Língua Portuguesa! Que cada vez mais eu possa sentir em meus versos a tua sagrada soberania.