Julho, 2025 - Edição 307

Castro Neves: novo imortal

Dono de uma das maiores bibliotecas de Shakespeare no Brasil, o jurista José Roberto de Castro Neves é o novo integrante da Academia Brasileira de Letras. O advogado foi eleito com 27 votos em total de 34 possíveis. Aos 54 anos, vai ocupar a cadeira 26, vaga desde o falecimento do jornalista Marcos Vilaça.

Formado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Castro Neves é mestre em Direito (LL. M.) pela Universidade de Cambridge, Inglaterra e doutor em Direito Civil pela UERJ. Desde 1996, tem se dedicado à carreira docente na Pontifícia Universidade Católica e na Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, onde já lecionou diversas disciplinas.

Além da atividade acadêmica, atua na advocacia e na arbitragem, razão pela qual é frequentemente apontado como um dos advogados mais admirados do país nas áreas cível e arbitral. Essa área ele conhece muito bem, pois integrou, por orientação do Senado Federal, a comissão de juristas que elaborou a Lei de Mediação e fez a revisão da Lei de Arbitragem. É também membro de diversas comissões, dentre as quais a Comissão de Direito Civil do Instituto dos Advogados do Brasil (IAB) e a Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da OAB Federal. Atualmente, é presidente da Editora OAB-Federal, responsável pela Revista da OAB, além de ser titular da cadeira 27 da Academia Brasileira de Letras Jurídicas.



Sua produção acadêmica é vastíssima, com livros e artigos nas mais diversas áreas do Direito, principalmente obrigações, contratos e arbitragem. Dentre as mais renomadas, destacam-se: Uma Introdução ao Direito Civil – Parte Geral, Direito das Obrigações e Contratos, publicadas pela editora GZ. Além de jurista, Castro Neves é um grande humanista, o que fica evidente em sua larga produção literária. Autor de 18 livros sobre direito, literatura e história, suas obras somam cerca de 200 mil exemplares vendidos. Entre os títulos mais conhecidos estão Como os Advogados Salvaram o Mundo (2018), Medida por Medida: O Direito em Shakespeare (2019) e Os Grandes Julgamentos da História (2018).

O novo acadêmico se destaca nas intersecções entre Direito e literatura, aproximando o público leigo do universo jurídico e unindo ao seu conhecimento técnico um amplo horizonte cultural. No mesmo dia em que ingressou no quadro dos imortais da ABL, ele lançou o livro Que é Ser Advogado?, que divide a profissão em três pilares: cultura humanística, conhecimento técnico e ética, traçando um panorama sobre a essência e a relevância da advocacia.

Já em Direito e Literatura: O que os advogados e os juízes fazem com as palavras, publicado em 2023, ele afirma que a linguagem é fundamental nos tribunais e defende que juristas “abram a cabeça” com mais leituras literárias. No livro A Invenção do Direito (2015), ele volta às origens da civilização e compreende como o Direito foi moldado a partir de dilemas humanos que aparecem nas peças clássicas. Através da combinação de conhecimento cultural e jurídico, Castro Neves revela como as complexidades da sociedade e da moral têm raízes profundas que remontam à antiguidade.



Publicado em 2018, Como os Advogados Salvaram o Mundo mostra a atuação de grandes mentes jurídicas ao longo de eventos importantes da História, como a Revolução Francesa e a Revolução Americana. Este ano, Castro Neves estreou também na ficção, com o elogiado Ozymandias. Apresentando uma dezena de personagens em uma narrativa complexa e caleidoscópica, o romance aborda questões como a força do destino e pensa a formação do Brasil a partir de uma pequena cidade fictícia (Ateninhas).

Percorrendo mais de um século de transformações sociais, culturais e políticas, acompanha os rumos de uma mesma família, os Luteros, que concentram o poder no povoado desde a colonização até a redemocratização brasileira.

A narrativa costura dezenas de personagens e múltiplas camadas de tempo. Mais do que uma saga familiar, Ozymandias é uma alegoria da formação do Brasil e um ensaio sobre o destino: “A ideia central era discutir o papel do destino na vida humana. Até pouco tempo, o homem ocidental acreditava que não controlava sua história – quem mandava era o destino. Só recentemente começamos a achar que temos algum poder sobre isso. Eu quis retomar essa discussão”, explicou.

O livro dialoga com a obra de diversos autores canônicos, de Guimarães Rosa a Shakespeare. A biblioteca do novo acadêmico, aliás, possui cerca de 5 mil títulos do bardo inglês. Parte dela foi adquirida da crítica e tradutora Barbara Heliodora, morta em 2015, e uma das maiores autoridades brasileiras no assunto.

Shakespeare, por sinal, é o tema de diversos títulos de não ficção de Castro Neves. O mais recente deles, Shakespeare Ontem, Hoje e Amanhã, e Amanhã, e Amanhã explora a atemporalidade de peças como Hamlet e A tempestade. Ele também traçou paralelos entre o inglês e os universos jurídicos e musicais nos títulos Medida por Medida: O Direito em Shakespeare e Shakespeare e os Beatles, de 2019 e 2021, respectivamente.

O conhecimento em Shakespeare foi fundamental para o ingresso do advogado na ABL, de acordo com o presidente da instituição, Merval Pereira: “Ele será importante para a ABL por ser uma pessoa muito ativa no meio literário. É um estudioso da língua portuguesa e tem livros que tratam da influência da literatura em diversos campos. Certamente, vai nos ajudar nesta fase em que estamos explorando a variedade da importância da língua portuguesa. José Roberto é uma pessoa indicada para nos ajudar a aprofundar estes estudos.” Ao falar sobre a importância da literatura em entrevista a Karina Fritz, do blog Migalhas, Castro Neves citou Fernando Pessoa: “Nascemos sem saber falar e morremos sem ter sabido dizer... e em torno disto, como uma abelha em torno de onde não há flores, paira ignóbil um inútil destino’, já disse um amargo Fernando Pessoa”.

Falando sobre os motivos que exigem a leitura para um bom advogado, explica: “A alma se alimenta de sabedoria. Só se comunica bem quem lê. Com a leitura, aumenta-se o vocabulário e aprendem-se as inúmeras formas de se manifestar. Advogado é aquele que fala pelo outro. Essa é a própria origem da palavra: ad vocare. Fundamental, portanto, que ele saiba se expressar. A literatura é a mais poderosa escola da comunicação.”

Por xxxxx