Março, 2025 - Edição 305

Entrevista com Gustavo Binenbojm - Direito nacional e internacional

Entrevista transmitida em nível nacional, no Programa Identidade Brasil, apresentado por Arnaldo Niskier no canal Futura

Arnaldo Niskier: Hoje, com um prazer imenso, recebemos a visita do advogado, professor, homem de letras, homem de cultura, Gustavo Binenbojm. Ele vai nos falar sobre a sua experiência como advogado, mas também sobre as questões da atualidade que envolvem ou não o direito nacional e internacional. Muito obrigado pela sua presença aqui entre nós. Queria primeiro que você explicasse o que o levou ao Direito Público, o que foi que motivou o seu interesse por esse setor.

Gustavo Binenbojm: Eu é que tenho imensa honra e orgulho de participar do seu programa aqui no Canal Futura. Sou um telespectador assíduo das conversas muito ilustradas, iluminadas, que o senhor conduz aqui. Quero dizer que também sou um admirador de longa data do seu trabalho como educador, como intelectual brasileiro e judeu. Para mim é um exemplo e uma inspiração. Entrei na Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro com 17 anos e tive um professor que foi a minha primeira inspiração. Esse professor se chama Luís Roberto Barroso. Hoje, presidente do Supremo Tribunal Federal. Na época, ele tinha algo em torno de 30 anos de idade e tinha acabado de retornar de estudos de pós-graduação, nos Estados Unidos, na Universidade de Yale. A aula era uma festa, muito concorrida, e ele desses professores que encantam os alunos em sala de aula. Barroso era professor, depois se tornaria titular de uma cátedra de Direito Condicional. Diria que foi pelas mãos do ministro, hoje presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, que a minha paixão foi acendida pelo Direito Público. As aulas eram espetaculares. Foram quatro períodos de dois anos e, depois disso, eu me tornei monitor da disciplina e comecei a minha carreira de advogado, trabalhando com o professor Luís Roberto Barroso, de quem eu me tornaria, com muita honra para mim, colega, tanto de magistério como de advocacia. E desenvolvi minha carreira sob essa inspiração. Então, eu diria que foi muito por essa influência.

Arnaldo Niskier: Lembra quem era o diretor da Faculdade de Direito?

Gustavo Binenbojm: Perfeitamente. O diretor da Faculdade de Direito naquele ano era o meu também professor de Direito Civil, Simão Isaac Benjó, que era um grande amigo e foi membro do Ministério Público; e era aquele professor de sala de aula imbatível. Mas era um civilista e era obviamente ligado às questões do Direito Privado. Desenvolvi com o professor Benjó, também, uma relação de muita admiração e proximidade do dia em que o conheci como aluno até o dia do seu óbito. Foi uma grande figura do Direito brasileiro.

Arnaldo Niskier: O fato comum de vocês serem judeus, como é o meu caso, ajudounessa relação e no desenvolvimento das suas ações? O professor Benjó era judeu, você é judeu, sou judeu também. Vamos tratar um pouco das questões e, infelizmente, em pleno curso no Oriente Médio. Essa condição comum de judeus em exercício público ajudou ou não teve nada a ver?

Gustavo Binenbojm: Ajudou no caso, inclusive, do professor Luís Roberto Barroso. Ele também é judeu sefardita. A mãe dele nascida em Montevidéu era judia. Embora ele tenha sido educado fora da comunidade judaica, a uma certa altura da vida, se reaproximou, se interessou e hoje afirma publicamente essa sua identidade. Então, podemos dizer que o atual presidente da Suprema Corte brasileira é um judeu que se autoproclama, com orgulho, judeu. Diria que sim. Acho que, na faculdade, houve alguns professores judeus que me influenciaram, talvez de forma até inconsciente, por força da sua condição. O professor Barroso, que, na época, eu nem sabia que era judeu, o professor Simão Isaac Benjó, que foi professor de Direito Civil, era diretor da faculdade e um grande professor (certamente o senhor conheceu) de Direito Internacional Privado, chamado Jacob Dolinger.

Arnaldo Niskier: Muito, muito meu amigo. Ele foi, lá pelas tantas, para Israel.

Gustavo Binenbojm: Foi para Israel depois que se aposentou na carreira docente.

Arnaldo Niskier: Muito talentoso o Dolinger.

Gustavo Binenbojm: E um internacionalista de mão cheia. Teve um papel importantíssimo na difusão do Direito Internacional Privado no Brasil e formou gerações de pupilos, de discípulos. Hoje há professores, professora Carmen Tiburcio, professora Nádia Araújo, que também é judia, professor Lauro Gama, que foram alunos de Jacob e conduziram esse bastão do Direito Internacional nas escolas de Direito do Rio de Janeiro, notadamente na UERJ e na PUC. Acho que o vínculo, às vezes quase que não pronunciado entre judeus que têm essa identidade mais forte, é de uma certa comunhão de valores. Acho que, basicamente, as pessoas podem pensar na proximidade a partir de interesses, mas acima dos interesses comuns há valores fundamentais que movem esses judeus do mundo intelectual.

Arnaldo Niskier: Quais são esses valores, na sua opinião, como estudioso, como professor?

Gustavo Binenbojm: Não sei se tenho autoridade para afirmá-lo de maneira peremptória, é apenas uma percepção. Acho que, primeiro, os judeus que se dedicam à vida intelectual, como é o seu caso, têm uma paixão irrefreável pelo conhecimento. É como se os judeus tivessem essa vocação para forçar as fronteiras do conhecimento de maneira quase que ilimitada. Vejo isso mesmo entre os religiosos, sobretudo nos mais desanuviados intelectualmente, há uma busca pelo conhecimento e pela aproximação, porque o encontro seria uma grande pretensão humana da verdade.

Arnaldo Niskier: Vem à minha mente agora a presença, nesse processo, dos evangélicos, que são muito numerosos no Brasil, muito atuantes também e eles gostam de Israel de um modo geral. Gostaria de ouvir a sua resposta, certamente lúcida, a respeito da presença dos evangélicos no processo da valorização do conhecimento em nosso país. Você tem uma posição pública sobre o que está se passando no Oriente Médio, a guerra de Israel versus Hamas. Uma opinião sobre o que está se passando no Oriente Médio.

Gustavo Binenbojm: O Estado de Israel sofreu, e não apenas o Estado de Israel. A comunidade judaica, espalhada pelo mundo em diáspora, sofreu o maior ataque desde o Holocausto da Segunda Guerra Mundial. Foi um ataque brutal, um ataque sanguinário, um ataque covarde de uma milícia financiada pelo Irã, financiada pelo Hezbollah do Líbano, que vitimou centenas, talvez milhares de pessoas.

Arnaldo Niskier: De saída, 1200.

Gustavo Binenbojm: Infelizmente, com atos bárbaros de agressão e sevícias a crianças, jovens, mulheres, mulheres grávidas, cadeirantes, pessoas com deficiências. E muitas dessas pessoas estavam presentes numa festa rave no sul de Israel, perto dos kibutzim da fronteira com Gaza, de boa fé. Muitos desses jovens eram militantes de esquerda pró-Palestina, pouca gente diz isso hoje em dia. Muitos brasileiros que fizeram Aliá (é o termo que designa a imigração judaica para a Terra de Israel), há muitos que simplesmente eram simpáticos a uma solução binacional para aquela região do mundo e que foram atacados e mortos brutalmente, e outros tantos sequestrados e feitos reféns por esse grupo extremista, terrorista até hoje. O mínimo que um Estado que tem como missão condicional e legal defender os seus cidadãos pode fazer (e isso é pacífico e tranquilo à luz do Direito Internacional) é buscar libertar os reféns e retaliar esse ataque em nome da segurança nacional, em nome da defesa dos seus cidadãos e das suas fronteiras. Então, o ponto de partida de qualquer análise lúcida, equilibrada, de bom senso sobre a matéria é evitar a falácia das falsas equivalências. Não há meio racional de se comparar a reação do Estado de Israel, que hoje, felizmente, diferentemente do que havia na Segunda Guerra Mundial, tem um exército que defenda seus cidadãos (e talvez isso seja o maior inconformismo dos antissemitas que Israel hoje tem um exército, tem forças de defesa)...

Arnaldo Niskier: E é um Estado.

Gustavo Binenbojm: É um Estado democrático e constitucional, que atua sobre padrões de Direito Internacional. Comparar qualquer reação de Israel com qualquer outro ataque que tenha havido, muito menos com o Holocausto.

Arnaldo Niskier: Você tem razão, foi um ato, eu diria, impensado, de autoridades públicas brasileiras comparar o que está acontecendo na resposta a que Israel teria direito naturalmente com o que aconteceu no Holocausto, com o nazismo.

Gustavo Binenbojm: É possível, por exemplo, se questionar a política externa norte-americana em relação ao Oriente Médio, o ataque no início do século XXI ao Iraque. É possível questionar a guerra deflagrada pela Rússia contra a Ucrânia, questionando a política de Putin na Rússia, eu mesmo tenho uma visão muito crítica a respeito disso. E é possível criticar pontualmente eventuais excessos da política externa israelense em relação aos palestinos. Mas não é possível praticar esse tipo de populismo verbal, de comparar a reação de Israel com nenhum outro fenômeno da história da guerra entre civilizações, muito menos com o Holocausto. Situação absolutamente distinta, porque Israel atua em nome da sua defesa, da defesa e da segurança dos seus cidadãos

Arnaldo Niskier: Depois de atacado.

Gustavo Binenbojm: Depois de atacado numa reação covarde e que é movida também por um desejo de libertar até o último refém que as famílias justamente reclamam em praça pública pelas ruas de Israel. Então, esse é o primeiro ponto. O ponto de partida da análise é que se trata de um Estado democrático e constitucional, que é o Estado de Israel agindo à luz do Direito Internacional para se proteger de uma ofensa, de um ataque brutal, covarde, contra seus cidadãos e que vitimou, pelo menos, 1.200 na largada e outros tantos ainda não quantificados e que continua com reféns em Israel como um instrumento vil, cruel, de política de barganha para libertação de presos palestinos. Agora, o segundo ponto que acho que posso também dar uma opinião mais ou menos abalizada foi a iniciativa do governo da África do Sul, surpreendentemente seguida pelo governo brasileiro e outras poucas nações do mundo, de atacar o Estado de Israel com uma denúncia perante a Corte Internacional de Justiça na Haia, alegando que Israel estaria praticando um crime de genocídio contra os palestinos. A comparação é absolutamente... Fora de propósito, inadequada do ponto de vista político e jurídico. Politicamente, como já disse, Israel age como uma reação a um ataque visando a libertar os seus reféns e a, de alguma forma, dissuadir que esses grupos terroristas possam novamente atacar os seus cidadãos. Mas, do ponto de vista jurídico, a Corte se pronunciou. A Corte Internacional de Justiça da Haia rejeitou essa denúncia liderada pela África do Sul e secundada, infelizmente, pelo governo brasileiro, porque não se trata de um crime de genocídio. Nem crime é, a ação de Israel é balizada pelos melhores paradigmas do Direito Internacional dos conflitos armados.

Arnaldo Niskier: Direito de defesa.

Gustavo Binenbojm: Direito de defesa e direito de libertar reféns que são nacionais israelenses que estão lá presos, submetidos a todo tipo de tortura, todo tipo de crueldade desumana. E na Corte se afirmou claramente que Israel não é movido pelo propósito, pela intenção, pelo dolo de exterminar nenhuma nacionalidade, nenhuma etnia, o que é fundamental para tipificação do crime de genocídio.

Arnaldo Niskier: Fiquei espantado quando o presidente da República usou a expressão genocídio, a meu ver de uma forma equivocada ou de quem não conhece o problema devidamente ou de quem agiu por má fé. Mas, de toda maneira, é descabida a afirmação de que terá havido da parte da reação israelense um crime de genocídio. Acho que isso não tem cabimento. Falamos, há pouco, sobre a presença dos evangélicos nesse processo emque o presidente da República, na minha opinião, se enrolou acusando Israel de genocida. Como é que você vê essa presença dos evangélicos no processo?

Gustavo Binenbojm: Acho que o Censo de 2022 feito no Brasil já revelou que pelo menos metade ou mais da população brasileira hoje em dia é constituída do povo evangélico. Acho que essa é uma tendência em diversos lugares do mundo, como nos Estados Unidos da América. E há um vínculo muito interessante de respeito e admiração dos evangélicos pelos judeus. Muitas visitas e reconhecimento. Vamos lembrar aqui o primeiro Papa que disse essa frase, o papa polonês Karol Wojtyla, João Paulo II, que disse: “Os judeus são os irmãos mais velhos dos cristãos.” Se isso partiu da boca do Papa católico, isso é praticado no dia a dia pelos evangélicos. Essa irmandade, essa relação de fraternidade, respeito e admiração. É claro que há uma fronteira que justifica serem duas religiões, mas isso não impede que o que há de herança espiritual e cultural comum, um patrimônio comum, que é o humanismo judaico cristão, seja celebrado por evangélicos e por judeus. Então, diria que a Reforma Protestante abriu caminho para a ruptura de um antissemitismo quase que estrutural que sempre existiu na Igreja.

Arnaldo Niskier: Você não acha que está acontecendo uma crise antissemita e o Brasil está envolvido nisso?

Gustavo Binenbojm: Acho que sim. E acho que isso tem a ver com raízes muito profundas de um sentimento antissemita ligado à má compreensão da trajetória histórica dos judeus em relação ao próprio nascimento do cristianismo. Não há nenhuma justificativa para culpar historicamente judeus, nem pelo fenômeno cristão, muito ao contrário, porque, afinal, Jesus Cristo era judeu.

Arnaldo Niskier: É a origem do cristianismo.

Gustavo Binenbojm: E falou com as suas próprias palavras que a sua missão não era revogar a lei, mas apenas fazê-la cumprir. E, mais do que isso, há uma bestialidade nos argumentos antissemitas que acusam os judeus de teorias conspiratórias que estão absolutamente fora de seu alcance. Então, esse é o primeiro ponto, e o segundo ponto acho que é algo que me fala muito ao meu cotidiano como professor universitário, porque vejo isso nas universidades cotidianamente. A polarização extrema do mundo atual resvalou para também um Fla x Flu entre defensores da causa palestina como pessoas que necessariamente têm ou nutrem um sentimento antissemita, um sentimento de desapreço pelo Estado de Israel e pelos judeus de modo geral.

Arnaldo Niskier: Você falou isso, vou enfatizar. Somos favoráveis a presença de dois Estados naquela região também, não é? Quem é lúcido e tranquilo e raciocina friamente é favorável à existência dos dois Estados. Agora, acusar Israel de partidarismo em relação a isso é uma agressão sem cabimento, sem sentido.

Gustavo Binenbojm: Exatamente.

Arnaldo Niskier: Falamos a respeito disso e defendemos a posição dos evangélicos, porque são aliados dos judeus em todos os sentidos. Queria que você desse uma palavra sobre a sua experiência no Direito Público. Você se sente à vontade, como advogado, em defender o Direito Público?

Gustavo Binenbojm: Eu me sinto absolutamente uma pessoa que foi ao encontro da sua vocação, porque eu me senti atraído pelo Direito Público, especialmente pelo Direito Constitucional e pelo Direito Administrativo, como alguém que gostava muito da matéria política, mas que queria tratar dessa matéria no âmbito do Direito. E aí é o Direito Constitucional, o Direito Administrativo, por excelência.

Arnaldo Niskier: Daí a admiração pelo ministro Barroso.

Gustavo Binenbojm: Pelo ministro Barroso e, sobretudo, alguém que atua predominantemente em causas perante o Supremo Tribunal Federal, que são as grandes causas do Direito Público no país.

Arnaldo Niskier: O Supremo está no bom caminho?

Gustavo Binenbojm: É uma resposta que precisa ser dada não com uma fotografia do momento, mas como um filme em perspectiva. E encaminhando a resposta assim, eu diria que, desde a Constituição de 1988, com os seus ares democráticos, de toda a mobilização em defesa dos direitos fundamentais das minorias, o saldo do Supremo Tribunal Federal na defesa da proteção é altamente positivo.

Arnaldo Niskier: É altamente positivo.

Gustavo Binenbojm: É uma Corte que se coloca a par com as melhores cortes condicionais do mundo na defesa dos direitos fundamentais. E acho que falo isso como um certo consenso da comunidade jurídica brasileira. O Brasil deve muito ao Supremo pela defesa da liberdade de expressão, pela defesa dos direitos dos gays, ao casamento homoafetivo. É uma decisão que deu o título de um patrimônio Documental da Humanidade, dado pela UNESCO. E é também uma honraria para o Supremo e outros direitos fundamentais em que o Brasil evoluiu muito. Agora, claro que se pode e se deve fazer críticas pontuais. O excesso de judicialização que, vez ou outra, se pode observar em algumas matérias, entrando no campo da política, tenho uma posição mais reservada em relação a isso. Acho que nenhum país desenvolvido do mundo chegou lá por um governo de juízes. O papel do Supremo não é governar, é evitar o desgoverno. E acho que o Supremo deve voltar para essas posições iniciais

Arnaldo Niskier: Uma última pergunta, porque eu já li a respeito e já ouvi a respeito. Se o amigo fosse convidado para fazer parte do Supremo, aceitaria de bom grado?



Gustavo Binenbojm:
Fico lisonjeado com essa pergunta, mas ela é tão lisonjeira quanto inusitada, porque eu não teria nenhuma chance. Mas diria, com a resposta dada por um grande mestre que foi frasista, o ex-ministro do Supremo, deputado constituinte Nelson Jobim. Esse é o cargo que ninguém deve postular, mas também que ninguém tem o direito de declinar.

Arnaldo Niskier: Está dada a resposta. Eu quero agradecer muito a presença aqui no nosso programa do advogado Gustavo Binenbojm, que é uma das figuras mais expressivas hoje do nosso país em matéria de Direito Público, e suas palavras esclarecedoras honraram muito o nosso programa de hoje.

Entrevista transmitida em nível nacional, no Programa Identidade Brasil, apresentado por Arnaldo Niskier no canal Futura