Março, 2025 - Edição 305

O pardal e o tempo

Na cidade que não dorme, o casal acordou bem cedo quando o céu ainda era um manto negro salpicado de estrelas cintilantes. E nos primeiros raios da aurora voo à procura de um lugar seguro para construírem um ninho. Estavam juntos há dois meses. Sobrevoaram por várias ruas até encontrarem num poste de semáforo, instalado numa movimentada avenida da cidade, o local ideal. Era a primeira vez que a pardoca iria colocar os seus preciosos ovos fora da floresta e queria fazê-lo num cantinho do mundo de aconchego e sossego, longe de predadores e de tudo o que fosse nocivo ao nascimento de seus tão aguardados filhotes. Entraram por um tubo de aço que sustentava o semáforo e, após cuidadosa análise, decidiram que ali era um ótimo lugar! Saíram e voaram novamente em busca de galhos, vegetação seca, papel e outros materiais que tornassem a construção do ninho segura e confortável para o nascimento dos pardaizinhos. Trabalharam exaustivamente até que o ninho ficasse pronto. E nessas idas e vindas, comentavam entre si como lá embaixo os humanos passavam velozmente pela vida ziguezagueando em seus carros ou na correria dos passos apressados dos transeuntes que atravessavam a passarela. Para onde vão com tanta pressa, se a morte é coisa certa e a vida apenas o momento em que estamos vivendo? Se perguntava o jovem casal.

O pardal macho, além de exímio construtor de ninhos, era também um poeta. Impressionado como os humanos tratam com tanta negligência o tempo, uma bela tarde, escreveu o seguinte poema, inspirado nas cenasque via passar cotidianamente em frente ao buraco do cano de ferro no qual instalara o ninho, declamando-o para sua companheira: Tempo de pressa / corre, corre, corre /Quem não se adianta / morre, morre, morre / Cadê a VIDA? / Perdeu o sentido, o trem, o navio, o avião / E o ônibus acabou de partir veloz da estação / Corre, corre, corre / Senão morre, morre, morre / Cadê a VIDA? / Passou tão depressa / Não deixou felicidade / Foi vista pela última vez / Em alta velocidade. Após o bater de asas pela declamação do poema, a fêmea logo questionou: “Realmente para que tanta pressa vivem esses humanos?” E o pardal poeta respondeu: “Eles não vivem minha querida, estão apenas passando pela vida, desperdiçam o que tem de mais valioso. O tempo é uma roda que só gira para frente, levando tudo em sua passagem, de bicho a gente. Sempre vai além, mas só vai, não vem. Não há relógio que o prenda, nem cela que o encarcere. Porque ele escorre, pulsa, vibra e só anda de ida. O tempo é livre como os pássaros, mas os humanos, como fazem com alguns de nós, não o valorizam e insistem em querer enclausurá-lo em suas gaiolas. Pensando que o terão ao seu bel-prazer, como o canto triste dos pássaros que vivem engaiolados em suas casas e apartamentos. Mas são eles que vivem presos: acorrentados ao passado ou amarrados ao futuro. Para nós, cada minuto é tão precioso quanto os pedacinhos de pão, sementes de capim e os insetos que recolhemos para nos alimentar e alimentar nossos filhotes. Ambos são imprescindíveis ao nosso existir. Estamos vivendo sempre no tempo presente. Pois é nele que o milagre da vida acontece todos os dias.”

E, assim, a noite chegou e o casal foi dormir pensando em suas próprias reflexões. E após 14 dias, os filhotes nasceram para a alegria dos pais e o dobro de trabalho. Afinal, agora teriam que alimentar oito bocas famintas. Mas o feliz casal deu conta da tarefa e em 15 dias, os pardaizinhos estavam prontos para deixarem o ninho e seguirem, ou melhor dizendo, voarem por conta própria os seus destinos.

Por Peilton Sena, membro da Academia Santista de Letras e da ALAPG/SP