Março, 2025 - Edição 305

Marina Colasanti, uma passageira em trânsito eterno

“O silêncio da casa é feito dos barulhos de fora. Se tudo em volta se calasse, minha respiração seria ensurdecedora.” (Marina Colasanti)

Décima mulher a conquistar um dos principais prêmios literários do país – o cobiçado Prêmio Machado de Assis, concedido pela Academia Brasileira de Letras, em 2023 – a escritora ítalobrasileira Marina Colasanti deixou triste uma legião de fãs, no dia 28 de janeiro, data em que morreu, aos 87 anos. Autora de mais de 70 obras para crianças e adultos, Marina sofria de Parkinson e morreu em decorrência de uma pneumonia.

Nove vezes vencedora do prêmio Jabuti, com uma narrativa vasta, atemporal e inesquecível, a escritora acumulou dezenas de outras premiações ao longo da carreira. Com a arte no DNA, sobrinha da cantora lírica Gabriela Bezansoni, Marina Colasanti nasceu em 26 de setembro de 1937, na cidade de Asmara, capital da Eritreia. Passou parte da infância em Trípoli, na Líbia e na Itália.

Por conta da difícil situação vivida na Europa após a Segunda Guerra Mundial, emigrou com a família para o Brasil, em 1948, fixando residência no Rio de Janeiro. Com dupla nacionalidade (brasileira e italiana), estudou na Escola Nacional de Belas Artes, de 1952 a 1956.

No início da carreira, escreveu textos para alguns periódicos e trabalhou como entrevistadora e apresentadora de programas televisivos. Começou a trabalhar no Jornal do Brasil, em 1962. Ali, foi redatora, cronista, ilustradora, além de ser editora do Caderno Infantil.

Em 1968, publicou seu primeiro livro, Eu Sozinha. Sua obra inaugural é um livro de solidão. A solidão como companheira, desde o nascimento, na África, até o presente em que foi escrito, num apartamento em Ipanema. Afasta-se da autobiografia porque não conta a história de uma vida, mas transmite a marca da solidão de uma mulher jovem que caminha só, mora só, viaja só, trabalha só, mesmo quando há ao lado a ilusão dolorosa de outras proximidades. O livro foi organizado em dois planos narrativos paralelos, sendo os capítulos pares relativos a momentos presentes, enquanto os ímpares são autobiográficos. “O que desejava, através dessa estrutura, era mostrar que a solidão se constrói desde o início, estejamos ou não acompanhados, e que desde o início nos acompanha”, explicou Marina, na época.

Em 1971, casou-se com o também escritor Affonso Romano de Sant’Anna. Foi editora da seção Segundo Tempo do Jornal dos Sports, onde permaneceu até 1973. Escreveu também para as revistas, Senhor, Fatos e Fotos, Ele e Ela, Fair-play, Cláudia e Joia. Em 1974, apresentou o noticiário Primeira Mão, da TV Rio. Em 1976, entrou para a Editora Abril, onde passou a ser Editora de Comportamento da revista Nova. Recebeu o Prêmio Abril de Jornalismo em 1978, 1980 e 1982. Entre fevereiro e julho de 1986, escreveu crônicas para a revista Manchete. Em 1992, deixou a Editora.

Profissional de múltiplos talentos, exerceu várias atividades na televisão, onde foi entrevistadora e apresentou programas na TV Tupi, TV Rio e TVE. Foi âncora do programa cinematográfico Sábado Forte e do programa Imagens da Itália, ambos na TVE, patrocinado pelo Instituto Italiano de Cultura. Traduziu importantes obras de autores da literatura universal, entre eles, As Aventuras de Pinóquio, de Carlo Collodi, 2002, A Pequena Alice no País das Maravilhas, de Lewis Caroll, 2015 e Imagine, de John Lennon, 2017.

Publicou diversas obras, participou de vários eventos literários, no Brasil e no exterior, recebeu mais de 20 prêmios em diferentes categorias da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, além de nove estatuetas do Prêmio Jabuti – o último deles em 2014, por Breve História de um Pequeno Amor (FTD), considerado o melhor lançamento de ficção na ocasião. Uma das escritoras mais premiadas do país, entre suas obras destacam-se: Entre a Espada e a Rosa, Rota de Colisão, Ana Z, Aonde Vai Você?, Eu Sei Mas Não Devia, Passageira em Trânsito, Antes de Virar Gigante. Em 2011, recebeu o Prêmio Portugal Telecom de Literatura – 3º lugar, com Minha Guerra Alheia.

Seus últimos trabalhos foram Passageira em Trânsito (2010), Hora de Alimentar Serpentes (2013), Como uma Carta de Amor (2014), Mais de Cem Histórias Maravilhosas (2015), Melhores Crônicas (2016), Tudo Tem Princípio e Fim (2017), Quando a Primavera Chegar (2017), Um Amigo para Sempre (2017) e Mais Classificados e Nem Tanto (2019).

Escritora brilhante, mulher de múltiplos talentos, Marina Colasanti deixa um legado inestimável para a literatura brasileira. Sua obra é marcada pela sensibilidade, profundidade e pela capacidade de transformar palavras em experiências universais, tocando leitores de todas as idades.


“Assim como deixamos abertas as portas e disponíveis os sentimentos para receber a chegada de um amor, devemos deixar livre a passagem para que serenamente se vá quando chegada a hora.” (MC)

“Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.” (MC)

A leitura da vida não se faz só com os próprios olhos, entram na receita a sensibilidade e os conhecimentos que se têm.” (MC)

“Não existem vidas insignificantes. Cada vida é um universo estrelar em que outras vidas orbitam com seus temores e seus amores. E para cada vida, todo dia, do passado ou do futuro, vale muitos anos luz.” (MC)

Por Manoela Ferrari