Março, 2025 - Edição 305

A primeira escritora capixaba e santa tecla

Adelina Tecla Correia Lyrio (1863-1938), filha do coronel Joaquim Correia Lyrio, é a primeira escritora capixaba. Antes dela, outras mulheres publicaram em jornal, mas ela foi a primeira a cultivar a arte literária, sendo reconhecida, em seu tempo, como uma escritora em pé de igualdade com os homens, deles recebendo aplausos e críticas. Segundo Orminda E. Gomes, Adelina Lyrio obteve seu título de professora normalista entre 1878 e 1881, já que, em 1882, ela já se destacava por suas arguições brilhantes nas conferências dadas pelo Dr. Antônio da Silva Jardim para propagar o método de João de Deus, no governo de Inglês de Souza (1882).

Adelina Lyrio foi uma ativista cultural, a primeira professora de Datilografia, em Vitória, educadora, desenhista, pianista, tendo participado das campanhas abolicionistas e dos saraus lítero-musicais que se organizaram nas sociedades libertadoras da década de 1880, ocasião em que se registraram poemas seus, segundo Maria Stella de Novaes. Após ter-se diplomado como professora, quis ingressar na Academia de Medicina e, para isso, solicitou auxílio ao governo. Foi dissuadida por seu pai e pelo Dr. Pessanha Póvoa (1836-1904), professor e diretor da instrução pública, a mudar de ideia. Como cultivadora das belas letras, foi leitora de Revocata de Melo, Adelina Lopes Vieira, Amália Figueiroa, Zalina Rolim, Narcisa Amália, Júlia Lopes de Almeida, escritoras atuantes da 2a metade do século XIX e que publicavam seus textos em jornais pelo país afora, inclusive em Vitória.

Adelina, cujo nome significa “serpente da nobreza”, era nome comum a mulheres do século XIX, bem como seu segundo nome, Tecla, homenagem a uma santa do primeiro século da era cristã. Santa Tecla foi a primeira santa católica considerada protomártir (título equivalente ao de apóstolo para a Igreja Católica). Ela viveu onde, hoje, é a Turquia, num lugar chamado Icônio, nos primeiros anos do Cristianismo. Era de família nobre e fugiu de casa para seguir o apóstolo Paulo e os ensinamentos de Jesus. Santa Tecla não é citada na Bíblia, e a única fonte de informações sobre a sua vida é o livro “Atos de Paulo e Tecla”, escrito, provavelmente, no século II e tido como apócrifo, ou seja, não verdadeiro. Por outro lado, a Carta de Paulo a Timóteo, que está na Bíblia, e também é considerada apócrifa, pode, também, não ter sido escrita por Paulo. Nela, a misoginia, ódio ou preconceito contra mulheres, é perpetuada, ao dizer: “A mulher aprenda em silêncio, com toda a sujeição. Não permita, porém, que a mulher ensine, nem use de autoridade sobre o marido, mas que esteja em silêncio. Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. E Adão não foi enganado, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão. Salvarse-á, porém, dando à luz filhos, se permanecer com modéstia na fé, no amor e na santificação.” Essa foi a tônica das igrejas cristãs, em que a mulher, até hoje, não pode ministrar os sacramentos, celebrar missas ou a função de sacerdotisas ou episcopisas.

Adelina Tecla foi transgressora, assim como Santa Tecla, numa sociedade machista e falocrata, embora dezoito séculos a separassem. Não viveram em silêncio e ensinaram com a palavra e o exemplo. Ambas tiveram longa vida e são modelos para as mulheres que não se submeteram ao destino que os homens de suas épocas lhes reservaram, a submissão e o silêncio, abrindo caminho para as sufragistas e as feministas que lhes sucederam.

Por Francisco Aurélio Ribeiro, presidente de honra da Academia Espírito-santense de Letras.