Janeiro, 2024 - Edição 304
O linguista e o imperador

O que é a linguagem? Essa é uma frase tão profunda quanto
“O que é a vida?” Não se pode possuir ou usar a linguagem natural
sem possuir ou usar alguma língua específica, um idioma. A língua
é um fenômeno social, uma instituição e, sobretudo, um grande
mistério. Um mistério humano e divino.
O francês JeanFrançois Champollion
(1790-1832) foi um
extraordinário linguista, filólogo, responsável pela decifração
dos hieróglifos egípcios. Escreveu inúmeros trabalhos sobre
a cultura e a língua
do Egito Antigo. Foi
parcialmente criado por seu irmão, o
estudioso Jacques, e
sempre demonstrou
ser uma criança prodígio. Falava várias
línguas, como copta,
grego, latim, hebraico
e árabe.
A campanha de
Napoleão (1769-1821) no
Egito aconteceu durante
a Revolução Francesa. Os franceses pretendiam ocupar o Egito
para utilizarem esse território como plataforma para avançar para
a Índia, de onde atacariam o domínio britânico. Vários nomes do
meio acadêmico científico participaram dessa campanha. A Pedra
de Roseta, um exemplar de estela para marcar a coroação do faraó
Ptolomeu como “deus vivo”, foi encontrada pelo Capitão Bouchard
e tornou-se a chave para a decifração dos hieróglifos. Ela continha
um decreto escrito nos três sistemas: grego, copta e com hieróglifos. Champollion conseguiu comparar e alcançar a solução do
enigma. Questionava-se: os sinais eram fonéticos (sons da fala) ou
ideográficos (gravando conceitos com significados semânticos)? A
pedra estaria ligada a ideias esotéricas? Registraria fatos históricos?
Todas as suposições estavam erradas. Era, na verdade, uma rica
combinação de sinais fonéticos e ideográficos.
Na célebre Batalha das Pirâmides, em junho de 1798,
Napoleão pronunciou a máxima de encorajamento: “Soldados de
França! Do alto dessas pirâmides, quarenta séculos vos contemplam.” Incitou assim seus comandados a enfrentarem as tropas
de mamelucos e muçulmanos. A campanha, em termos militares,
foi um desastre, desperdício de vidas e de dinheiro, mas, culturalmente, foi um sucesso e alavancou a reputação de Napoleão e sua
ascensão política.
Indico o romance histórico O Linguista e o Imperador:
Champollion, Napoleão e o mistério da Pedra de Roseta, de Daniel
Myerson, professor de criação literária nas universidades de
Columbia e Nova York. Myerson narra a verdadeira história de
como as vidas desses dois gênios obcecados pelo Egito convergiram para uma conquista que revolucionou nosso entendimento
do passado. A espantosa história da Pedra de Roseta que está no
Museu Britânico, depois de uma disputa amaldiçoada, as maquinações para protegê-la, a corrida para desvendar seus segredos e o
tormento que parecia atacar os que tocavam nela são descritos de
forma fascinante. Lembrando que Champollion viajou para o Egito
novamente em 1829, onde leu vários textos e trouxe novos desenhos de inscrições. Sua saúde ficou arruinada pelas dificuldades
dessa jornada pelos desertos egípcios, vindo a falecer jovem, aos
quarenta e um anos, no auge de sua capacidade.
E sobre a Pedra de Roseta, escrevi:
Acaricio o basalto negro
Da pedra de Roseta:
Sou poeta,
Minha meta é decifrar a escrita,
A linguagem perdida,
Os símbolos,
Os pictóricos sinais.
As imagens formam palavras:
Leões,
Perdizes
Mais uma boca
Significam
Cleópatra.
Jarros,
Pães,
Rostos,
Escaravelhos,
Mistérios trançados
Em novelos de linho.
Há beleza
Nas caudas de crocodilo,
Nos vasos de cerveja,
Nos corações ligados à traqueia,
Em cada ideia.
Acaricio o basalto negro
De um claro enigma.