Janeiro, 2025 - Edição 304

Entrevista com Paulo Alonso - A história de um Reitor

Entrevista transmitida em nível nacional, no Programa Identidade Brasil, apresentado por Arnaldo Niskier no canal Futura

Arnaldo Niskier: Hoje, tenho o prazer imenso de receber a visita do Magnífico Reitor da Universidade Santa Úrsula, professor Paulo Alonso. Ele tem várias formações em nível superior. Porque a escolha do Direito e do Jornalismo, professor Paulo Alonso?

Paulo Alonso: Primeiramente, muito obrigado, professor Arnaldo. Estar aqui junto ao senhor, sendo entrevistado por um educador, uma referência na educação superior, uma referência na educação do Brasil, além de um grande jornalista e um escritor dos mais respeitáveis. Na realidade, comecei estudando no curso de Direito por influência do meu pai, advogado, o meu avô, também advogado, e ele gostaria que o herdeiro seguisse a carreira de Direito. Fiz o curso de Direito e, quando estava no meio desse curso – que fiz inclusive na Universidade Santa Úrsula, onde faço questão sempre de dizer que acho que é o orgulho de ser aluno, de aluno a reitor na mesma universidade – resolvi fazer o curso de Jornalismo. Terminava o curso de Direito de manhã e fazia o curso de Jornalismo à noite.

Arnaldo Niskier: Foi ao mesmo tempo?

Paulo Alonso: Ao mesmo tempo, os dois últimos anos do Direito e os dois primeiros anos de Jornalismo. Ao finalizar o curso de Direito, o meu pai falou assim: “Faz um concurso.” Fiz um concurso para o Ministério Público do Rio de Janeiro. Não estudei absolutamente nada e passei na primeira prova, o meu pai ficou exultante porque eu passei na prova do Ministério Público. Entre o Direito e o Jornalismo, já estava me identificando muito mais com o Jornalismo. Fiz a primeira prova, passei; na segunda prova, não passei, não fiquei triste pelo fato de não ter passado. Ao mesmo tempo, naquela época, O Globo fazia um concurso para trainee, então eram 400 candidatos inscritos, uma coisa assim, e, no final, cinco deles eram contratados. E fiquei dentre esses cinco. Então comecei a minha carreira na realidade, no jornalismo, no jornal O Globo, onde eu fiquei dez, onze anos, até que fui convidado para ir para a Faculdade da Cidade, que era uma faculdade que começava, ali em Ipanema, resultado de fusões ou outras instituições. E fiquei 22 anos desde a Faculdade da Cidade até o credenciamento dela em Centro Universitário da Cidade.

Arnaldo Niskier: A Faculdade da Cidade nasceu no Colégio Brasileiro de Almeida, dirigido pela nossa amiga querida e colega Edília Coelho Garcia. Paulo Alonso – Eu fiquei 22 anos ali, aprendi muito, fui de professor a reitor durante muitos anos e depois fui tomar outros caminhos na vida. Continuo a escrever no Monitor Mercantil. Vez por outra, escrevo um artigo no Jornal de Brasília e em outros periódicos. Enfim, nunca deixei de escrever, mas sem o vínculo com as redações, o que faz alguma falta.

Arnaldo Niskier: Outro dia, no Conselho de Notáveis da Confederação Nacional do Comércio de Bens e Serviços e Turismo, você fez uma palestra maravilhosa sobre o ensino superior e as perspectivas do ensino a distância. Mas você não foi muito otimista nessa palestra. Você não acredita no ensino a distância?

Paulo Alonso: Acredito na educação a distância, porque, num país gigantesco como é o Brasil, que na realidade é um país continental com 8.500.000 quilômetros, com 260 milhões de habitantes, é imprescindível que o Brasil tenha o ensino a distância, que adote a modalidade a distância. O que vejo, lamentavelmente, é que nem todas as instituições que oferecem o ensino a distância oferecem com qualidade. Há instituições, por exemplo, que ofertam ensino a distância por R$49,90.

Arnaldo Niskier: Como pagar bem os professores?

Paulo Alonso: Como pode uma instituição pagar bem aos professores com uma mensalidade de R$49,90? Essa é uma questão. Outra questão: a legislação brasileira diz que tutores e professores devam ser treinados, capacitados, porque é uma dinâmica diferente do que é uma aula presencial. Eu não identifico esses treinamentos nem essas capacitações. Pior do que tudo isso é que a legislação também diz que, na educação a distância, as provas devem ser presenciais, nos polos espalhados das instituições que são credenciadas. Poucas são as instituições que fazem com que seus alunos se dirijam aos polos para fazerem as provas. Ou seja, é meio que uma enganação, porque, se as provas não são presenciais e não existe, vamos dizer assim, uma fiscalização do tutor ou do professor no momento em que a prova é aplicada, os alunos consultam o Google, os livros, a internet, os amigos e trazem respostas prontas para todas as questões. Vejo que, em boa hora, o ministro Camilo Penna suspendeu os novos processos de credenciamento de instituições a distância, suspendeu a criação de polos em educação a distância e suspendeu a oferta de cursos em educação a distância até 2025, quando terá sido feito, dentro do Ministério da Educação, um estudo aprofundado sobre a importância da educação a distância, mas com novas formas de avaliação da própria educação a distância, novos parâmetros de avaliação de educação a distância. Vejo que o Brasil não pode prescindir da educação a distância, mas tem que ser com muito mais seriedade em oferta. É claro que nos grandes rincões do Amazonas, do Pará, dos antigos territórios ou mesmo no interior dos estados do Nordeste, do Norte e até mesmo no Centro-Oeste, há necessidade de educação a distância. Evidentemente que sim. Mas temos que formar alunos, bons alunos, porque não existe no diploma do aluno que se forma na graduação presencial e do aluno que se forma em educação a distância um selo, esse se formou em educação a distância e esse presencial. Até porque seria muito ruim se isso fosse apontado.

Arnaldo Niskier: Se houvesse uma discriminação.

Paulo Alonso: Mas acontece que eu não posso colocar todos os alunos num mesmo patamar sem que a qualificação tenha sido a mesma.

Arnaldo Niskier: Muito interessante a sua digressão, porque é de uma pessoa muito experimentada. Quero perguntar agora ao nosso Magnífico Reitor a respeito da descontinuidade no Ministério da Educação. Num artigo seu muito apreciado, criticou essa descontinuidade e eu cito um dado que é seu. De 1930, quando começou o Ministério da Educação e Saúde na época, até agora foram mais de 57 ministros ocupando a pasta da Educação. Uma descontinuidade absurda, mas que é efetiva, aconteceu. Como é que o Brasil pode sobreviver com uma boa educação com tanta descontinuidade assim?

Paulo Alonso: É um milagre o Brasil ainda formar bons profissionais com tanta descontinuidade. O presidente Getúlio Vargas, em 1930, criou, como você diz, o Ministério da Educação e da Saúde. De 1930 a 2024, tivemos 57 ministros de Estado da Educação. Se você divide o número de anos com o número de ministros, vamos ter ministros que permaneceram no governo por 3 anos. Só tivemos três grandes exceções: Gustavo Capanema, na época do Getúlio Vargas, Paulo Renato de Souza, na época do Fernando Henrique Cardoso, oito anos; e Fernando Haddad, que pegou um pedaço do Lula e o outro período da Dilma Rousseff, de sete anos e pouco. Então, se tivemos 57 ministros nesse período, de 1930 para cá e três ministros ficaram quase 27 anos no poder, vamos verificar que todos os demais ministros ficaram 1, 3 anos apenas no MEC. Essa descontinuidade de política pública, na área educacional, reflete claramente numa educação no nosso país que até esse momento não se tornou prioridade do Estado brasileiro. É diferente se você pegar os países que formam os tigres asiáticos, por exemplo, que investiram maciçamente na educação e hoje eles têm pessoas formadas e exercendo funções das mais relevantes e dando a esses países aquilo que eles receberam na educação. O Brasil é um país continental, tem menos de 3000 instituições de educação superior. Tivemos 57 ministros nesse tempo todo. Então, como que se projeta um país continental que não aposta na educação como prioridade? E quando sabemos também que, sem educação, não pode existir uma nação desenvolvida com ordem e progresso. Enquanto seus governantes não acreditarem, não investirem firmemente na educação, continuaremos sendo sempre observados pelas outras nações como país ainda em desenvolvimento, um país subdesenvolvido ou um país que, dentre os 17 da América Latina é o 13º com o menor salário mínimo, o que demonstra as suas fraquezas gigantescas. O Brasil precisa ter profissionais que criem políticas públicas efetivas de valorização da educação. Desde a creche, passando pela educação infantil, pela educação fundamental, pelo ensino superior, pela graduação e pelos programas de pós-graduação stricto sensu.

Arnaldo Niskier: E você vê, porque é um educador muito atento e muito cioso o drama do ensino médio. Cada vez se esvazia mais o ensino médio, tem a geração “nem, nem”, nem estuda, nem trabalha, e a gente não vê uma solução à vista. Farei uma pergunta sobre o ensino de Medicina e educação a distância. Há uma discrepância entre um e outro?

Paulo Alonso: Não quero ser antiquado com o meu comentário, mas quero dizer a você que não acredito que o curso de Medicina deva ser ofertado a distância até que se corrijam as anomalias do ensino no Brasil, porque o curso de Medicina é um curso muito complexo. Ele demanda laboratórios na instituição, convênios com os hospitais, demanda um curso com muita especificidade. E creio que o Brasil, nesse momento, não está preparado para a oferta de um curso de Medicina. Inclusive volto a dizer que acho que o posicionamento do ministro Camilo Santana é um posicionamento interessante. Na Portaria 2041, de 29 de novembro de 2023, ele resolveu sobrestar os processos de autorização de curso superior na modalidade a distância.

Arnaldo Niskier: No Conselho Nacional de Educação.

Paulo Alonso: Dentre eles, o de Biomedicina, o de Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina, Nutrição e Odontologia. Então, ele proíbe, até que uma comissão seja constituída, que estude com profundidade a questão da educação a distância, que esses cursos possam ser alcançados na modalidade a distância. Ele também proibiu cursos novos de licenciatura, porque a nossa Pedagogia estava sendo oferecida por R$49, com a primeira mensalidade, muitas vezes, não cobrada. E como é que você pode oferecer um curso de Pedagogia, que é a formação do alunado brasileiro, a formação de quem quer ser professor por um preço absolutamente irrisório? E qual é a qualificação dos professores para ensinar aos alunos na Pedagogia? Voltando à sua pergunta absolutamente pertinente em relação à Medicina, nesse momento, sou totalmente contrário à oferta do curso de Medicina pelas especificidades do curso. Se o Brasil efetivamente criar uma política pública de educação a distância com seriedade, comprometimento, responsabilidade, qualificação acadêmica, quem sabe daqui a alguns anos poderemos voltar a pensar na criação do curso de Medicina a distância, mas por ora acredito que seria uma temeridade, até porque temos médicos muito mal formados e os jornais, os noticiários, demonstram isso.

Arnaldo Niskier: Estão matando gente.

Paulo Alonso: Você vai operar o joelho esquerdo e opera o joelho direito; vai fazer uma cirurgia no braço, opera o outro braço e matam pessoas. São cursos presenciais, imagina se formos ter esses cursos a distância.

Arnaldo Niskier:Pois é, você tem toda, comungo desse seu ponto de vista. São necessários cuidados especiais em relação à matéria, porque senão a gente vai se dar muito mal.

Paulo Alonso: Você foi Secretário de Estado de Educação aqui no Rio de Janeiro e várias outras vezes secretário e verifica que da sua época como Secretário estadual de Educação até agora como as escolas se encontram sem professores, com água caindo nas salas, baldes nas salas, rodo, sem nenhuma infraestrutura. Então, como é que se quer um Brasil gigante, formar cidadãos, se não damos para a educação a atenção necessária em todos os níveis de ensino?

Arnaldo Niskier: Você vê a crise na UERJ, que é a principal Universidade do Estado. Alunos invadiram a Universidade, não queriam sair de jeito nenhum. Essa é uma política arrevesada de certos partidos e que a gente não pode defender e que só depõe contra o ensino de um modo geral.

Paulo Alonso: Com certeza. Além da desordem feita na UERJ, quebraram o mobiliário, computadores, cadeiras, biblioteca...

Arnaldo Niskier: Gente fina.

Paulo Alonso: Gente finíssima. Quase destruíram a UERJ e estamos no final do mês de setembro. Não teve aula ainda e o prejuízo é para toda a comunidade que estuda nos seus cursos.

Arnaldo Niskier: Você falou coisas muito judiciosas a respeito da educação a distância, mas ficou uma curiosidade no meu espírito de educador. Como formar esses especialistas, esses profissionais que vão lidar com a educação a distância?

Paulo Alonso: Em primeiro lugar, acho que a partir do momento que a instituição quer credenciar um curso ou ela própria para oferta de educação a distância, tem que ter um projeto pedagógico do curso. E o projeto pedagógico não se encerra apenas na escolha de disciplinas, nem de bibliografia e eventuais laboratórios, mas, sobretudo, há que se formar os professores e os tutores. Notamos claramente que não existe esse entendimento nem essa prática em 80% das instituições que estão ministrando cursos de educação a distância. São pessoas que leem um pouquinho sobre educação a distância ou são professores antigos, tradicionais em educação presencial e que são migrados também para oferta da educação a distância. É muito diferente de um professor que tem uma formação presencial, porque, na educação a distância, o tutor ou o professor tem que ter clareza, tem que ter entendimento digital, tem que ter uma biblioteca que ele vá consultar também digitalmente.

Arnaldo Niskier: E agora vem aí a tal da inteligência artificial.

Paulo Alonso: E tem a inteligência artificial que você fez uma belíssima palestra, na CNC, sobre essa temática de inteligência artificial. Ele tem que ter o domínio digital, tem que ter senso de liderança. Se ele não tiver senso de liderança, como é que ele vai num chat, quando ele estaria dando aula ou ele estaria dialogando sobre determinado assunto, e enfrentar 100, 200 alunos? Ele tem que ter carisma. Então, existem coisas, liderança e carisma, por exemplo, que a gente não estuda, a gente tem ou não tem, mas o conhecimento, sim. O conhecimento digital, sim.

Arnaldo Niskier: Pode ser adquirido.

Paulo Alonso: Pode ser adquirido, deve ser adquirido, deve ser investido. Se a instituição não investe no tutor nem no professor a distância, ele tampouco fará esse investimento, porque já ganha o salário, que não é dos melhores. Muitas vezes está desestimulado até com a profissão que escolheu. Não tem uma outra opção. Cabe ao mantenedor, aos instituidores das instituições fazer com que o seu professor, o seu tutor a distância, tenha treinamento, tenha capacitação e não é uma capacitação de começo de curso e acabou. É uma capacitação ao longo do tempo, porque as ferramentas digitais cada vez mais evoluem e, se não houver a permanência da capacitação, o professor será um medíocre, o tutor será um medíocre. E qual será o resultado do aluno? A mediocridade daquilo que ele poderá ou não aprender.

Arnaldo Niskier: Você durante muito tempo foi um especialista em avaliação de cursos superiores. Isso tem um nome no Ministério da Educação. Você ainda exerce essas funções

Paulo Alonso: Sim. Avaliador institucional e avaliador de curso no Inep.

Arnaldo Niskier: Com que cuidados?

Paulo Alonso: Eu tenho o máximo de cuidado, porque acho que o avaliador de cursos para a autorização, reconhecimento, renovação de reconhecimento ou institucional, para credenciar e credenciar ou renovar credenciamento, tem que ter primeiro clareza da legislação. Tem que estar bem informado sobre todas as portarias do Conselho, de tudo que emana do Conselho Nacional de Educação e que chega ao Gabinete do Ministro para homologação, ou seja, os pareceres que vêm do Conselho Nacional. Você foi seis ou sete anos conselheiro do Conselho Federal de Educação e sabe a importância que o Conselho Nacional de Educação tem na vida brasileira da educação.

Arnaldo Niskier: Tem muita.

Paulo Alonso: Então o avaliador que não passa por uma capacitação maior e que não conhece o Inep, porque o Inep hoje é um a partir da Maria Helena Guimarães Castro, que foi a presidente do Inep na gestão do Paulo Renato, que até então estava adormecido. Ali ela deu uma importância...

Arnaldo Niskier: Deu uma vida.

Paulo Alonso: Deu uma importância e uma vida ao Inep de forma extraordinária. E acho que tudo isso que vivemos hoje no Inep é fruto de uma gestão séria, de uma educadora, de uma pessoa formadora, de uma pessoa absolutamente extraordinária. Acho que os formulários do Inep só precisariam estar um pouco mais adaptados à regionalidade das instituições, porque eu não posso cobrar número de doutores de um curso de Direito no Rio, São Paulo, Brasília e na mesma proporção de números de professores doutores de qualquer curso no interior do Brasil, no norte do Brasil e na Amazônia. Então, acredito que essa questão do regionalismo deveria ser colocada nos formulários do Inep para que uma instituição que não esteja numa boa localização não seja prejudicada por uma produção científica dos seus professores, que evidentemente não é a produção científica de um professor do Rio, de São Paulo ou de Brasília. Até porque não pode ser, porque ele não tem condições para ter uma boa produção científica, a não ser que ele busque instituições do Cone Sul, Sudeste, mande seus artigos para que eles possam eventualmente ser aprovados em livros etc. Então é um formulário que é Brasil, mas o Brasil são vários Brasis. Nós temos cinco Brasis, pelo menos. Cada região é um Brasil diferente. Então, acredito que essa seja uma questão que o Inep deveria estudar. E lembrando que, no governo passado, tivemos quatro ministros da Educação e cinco presidentes do Inep em quatro anos de governo. Então olhe o caos que o Brasil viveu na área da educação, sem falar da segurança pública, da saúde, da habitação, dentre outros. Volto a dizer, a frisar e repetir, acho que esse é um mantra que carrego, se o Brasil não investir na educação continuaremos sendo esse Brasil gigantesco, no tamanho gigantesco na população, mas ainda muito pequeno na educação em todos os níveis.

Arnaldo Niskier: Você disse na sua palestra na Confederação Nacional do Comércio que a educação é um investimento. Que a gente deve praticar diariamente.

Paulo Alonso: Diariamente. A gente não pode pensar jamais que a educação é custo, a educação é investimento, não é gasto. Se eu não investir na educação, nunca terei um país desenvolvido, um país que possa brigar nas nações mais evoluídas.

Entrevista transmitida em nível nacional, no Programa Identidade Brasil, apresentado por Arnaldo Niskier no canal Futura