Novembro, 2024 - Edição 303
Conversa sobre literatura
A literatura é uma arte de extrema complexidade. Presta-se
a várias tentativas de definição. Antonio Candido, por exemplo,
defende que, quando se fala de literatura, se fala “dessa relação
misteriosa que há entre o senso de realidade e a necessidade de
fantasia”. O Júlio Cortázar considera que “toda literatura é sempre
expressão direta ou indireta da realidade”. García Márquez divertia-se quando elogiavam sua obra “sobretudo pela imaginação”,
sendo que, “na verdade, não houve nela uma única linha baseada
na realidade”.
Não bastasse a riqueza dessas percepções, Tzvetan Todorov
introduz um complicador. Segundo ele, “a realidade que a literatura aspira compreender é a experiência humana”, o que, para Marcel
Proust, significa dizer que “a verdadeira vida, a vida por fim esclarecida e descoberta, portanto plenamente vivida, é a literatura”.
Fácil de entender a dificuldade de escrever um livro que
abarque não só os mistérios e os encantamentos da produção
literária, mas também as diferenças conceituais do tema; a arte
de escrever; a função da literatura nesse processo que, segundo
Mallarmé, sempre terminará em um livro; o livro em si, afinal
a concretização de todo esforço produtivo; e, ao lado de tantos
outros aspectos, o papel do personagem na criação.
O desafio agiganta-se diante do reconhecimento de que soucrítico literário; apenas um leitor voraz, que, embora interessado
em conhecer mais e melhor a magia da literatura, cometeria crime
de soberba se embarcasse sozinho nessa aventura. Recorri, então,
a escritores, críticos, acadêmicos, jornalistas, estudiosos de temas
literários, consciente de que me deveria impor duas condições.
A primeira: não sendo possível simplificar o complexo, qualquer
esforço de sumariar o que já foi amplamente dito e escrito pelos
gigantes da literatura não caberia. E a segunda: o recurso às visões
e reflexões do que qualifico como minhas fontes privilegiadas de
consulta não se poderia confundir com um vade mecum de citações, uma espécie de roteiro exaustivo e definitivo de verdades
literárias, se é que isso existe.
Sobre essas bases, inspirei-me em iniciativas bem-sucedidas
de abordar a literatura em sua imensa amplitude pela exploração
do esforço analítico dos mestres e pelo ordenamento dos respectivos ensaios teóricos e os ativos críticos do pensamento humanista,
a partir de diálogos com interlocutores especializados, como a
série de entrevistas organizadas pelo The Paris Review of Interviews
e o Correio Braziliense, material da mais elevada qualidade para
estudos sobre literatura.
A metodologia desses trabalhos deu-me a pista correta para
que eu conduzisse a preparação e a execução do Conversa sobre
literatura. Tanto mais porque, no exercício altamente gratificante
de conversar com minhas referidas fontes de consulta, aprendi que
a literatura não nasceu para dar respostas, mas, antes, para fazer
perguntas, esclarecendo, de início, que as perguntas tendem a ser
mais importantes do que as respostas, em sintonia com o que diz
Joseph Conrad: “é minha a tarefa de fazer você [leitor] ver.”
Este é, assim, um livro dedicado aos leitores, aos quais me
associo na linha de frente da plateia.