Novembro, 2024 - Edição 303
Retratos da leitura no Brasil
Leitura é coisa séria. Abstraídas considerações sobre formação, em geral, de caráter, de intelecto etc., a seriedade a que
me refiro decorre do fato de que a edição e comercialização de
livros constitui atividade econômica. Portanto, sem espaço para
improvisos, porque o objetivo de ninguém – pessoa física ou jurídica – inclui a obtenção de prejuízo financeiro. Assim é que as
organizações dedicadas à exploração dessa atividade econômica
– exploração do mercado livreiro – planejam suas ações mediante
o emprego de táticas e de práticas que lhes permitam aumentar a
taxa de lucro.
Essas obviedades – perdoem-me os leitores – para tecer
comentários acerca das pesquisas sobre hábitos de leitura disponibilizadas pelas tais organizações. Aliás, reunidas no Instituto Prólivro, fundado em 2006 para fomentar a prática da leitura no Brasil.
Para esse fim, desde 2001 vem sendo realizada a pesquisa “Retrato
da Leitura no Brasil” (a primeira delas a cargo da Abrelivros, CBL e
Snel, associações ligadas ao livro e que posteriormente criariam o
Instituto Pró Livro), levantamento que se presta a mapear os contornos do negócio e assim facilitar-lhe o planejamento. A última
pesquisa publicada realizou-se no final de 2019, vindo a público em
2020, ano em que se iniciou a pandemia de coronavírus. Que, como
se sabe, introduziria novos hábitos entre a população, desde o teletrabalho até o aumento da demanda por livros e séries televisivas.
Sendo os dados levantados nessa (5a
) edição da pesquisa
sucedidos por esse acontecimento extraordinário, necessário se
aguardar a próxima, que deve estar a caminho, para aquilatarmos
do impacto da pandemia sobre o segmento livreiro em geral. Mas
resultados parciais, no sentido de segmentados (se considerarmos
esse universo maior), podem ser colhidos da pesquisa realizada no
âmbito da 26a
Bienal Internacional do Livro de São Paulo, em 2022,
tocada pelo mesmo Instituto. Lá o público ouvido foram pessoas
de mais de 10 anos de idade que não integravam excursões escolares, público preferencial dessa espécie de eventos. Portanto, vale
dizer, pessoas que compareciam espontaneamente à feira literária.
Dentre os levantados, há um dado interessante, e que não se verifica isoladamente nesse evento: a presença majoritária de mulheres
entre o público leitor. Seriam elas em geral mais interessadas no
universo da leitura? Recordemo-nos de que Machado de Assis,
cujo estilo incluía por vezes verdadeiros “diálogos” narrador-leitor,
dirigia-se preferencialmente às suas leitoras.
Enfim, o que se pode retirar dos dados estatísticos colhidos
ao longo desses 20 anos? Que no período de 2000 (quando levantados os dados da primeira pesquisa, publicada em 2001) a 2019
(quando levantados os dados para a pesquisa publicada em 2020)
o número de brasileiros que se diziam leitores, abstraídas variações quanto à abrangência geográfica da pesquisa e etarização
do universo pesquisado, sempre apontou, ainda que ligeira, uma
maior quantidade de leitoras que de leitores. Daí se consolidou a
tendência de valorização de um nicho de mercado cada vez mais
explorado nos últimos tempos, que é o da literatura produzida por
mulheres. Se esse nicho corre o risco de saturação (que com certeza ocorrerá), no entanto é de se usufruir ao máximo da tendência,
cuja hipervalorização terá uma sobrevida pela atribuição do Nobel
de Literatura de 2024 à sul-coreana Han Kang.