Setembro, 2024 - Edição 302

Camões, um inesquecível clássico da literatura lusa

Na literatura, consideram-se escritores clássicos os que possuem obras que resistiram ao tempo. Elas continuam a ser lidas e apreciadas no decorrer dos séculos. São atemporais. Preservar esses escritores é como conservar uma parte essencial da nossa história e cultura. Suas obras são tesouros literários que devem ser apreciados e transmitidos para as futuras gerações. Elas ajudam a ampliar nosso conhecimento cultural, permitem-nos ter contato com diferentes épocas e abordagens universais eternas como o amor e a morte. E Luís Vaz de Camões é um dos clássicos do Renascimento português.

Camões, soldado, poeta, dramaturgo, autor do poema épico Os Lusíadas, revelou grande sensibilidade para escrever sobre os dramas humanos, sejam amorosos ou existenciais. Ele é considerado o maior escritor do período do Classicismo e apontado como um dos maiores representantes da literatura mundial. Em sua época foi pouco reconhecido, mas deixou para a posteridade uma riquíssima obra e mostrou nela o seu vasto conhecimento, sensibilidade e filosofia, como a traduz com humor na décima Esparsa ao desconcerto do Mundo (1977, p. 17): “Os bons vi sempre passar/ No mundo graves tormentos: / E para mais me espantar, / Os maus vi sempre nadar/ Em mar de contentamentos. / Cuidando alcançar assim/ O bem tão mal ordenado, / Fui mau, mas fui castigado: / Assim que, só para mim/ Anda o mundo concertado”.

Pouco se sabe da vida de Vaz de Camões. O local e os anos de nascimento e morte ainda são incertos. Sabe-se que nasceu em Lisboa, por volta de 1524, que faleceu em 1580, estudou em Coimbra, morreu pobre e seu escravo Jau, à noite, mendigava o sustento de ambos, e que amou a várias mulheres. O dia 10 de junho, quando faleceu, foi o escolhido para Dia de Portugal, de Camões, Comunidades Portuguesas, e da Língua Portuguesa. Neste ano celebram-se os 500 anos de nascimento de Luis Vaz de Camões.

Na obra magna camoniana Os Lusíadas, ele envolve todo o povo lusitano. É uma obra épica, na qual o poeta faz, entre fatos históricos, dados geográficos e mitos, a narrativa da viagem de Vasco da Gama de Lisboa à Índia. Nas duas primeiras oitavas do Canto I, que dá início à obra, ele menciona o objetivo de estender a narrativa além da pátria para destacar a ação expansiva portuguesa, ao mesmo tempo em que louvaria os reis e os valorosos homens que fizeram parte desta expedição.

1
As armas e os Barões assinalados
Que da Ocidental praia Lusitana
Por mares nunca de antes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;

2
E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando,
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.


Esta épica, por sua magnitude, é síntese e sublimação da literatura portuguesa. No canto 1, o poeta lamenta a crueza das guerras: “No mar tanta tormenta e tanto dano, / Tantas vezes a morte apercebida; /Na terra tanta guerra, tanto engano, / Tanta necessidade aborrecida!/ Onde pode acolher-se um fraco humano, / Onde terá segura a curta vida, / Que não se arme e se indigne o Céu sereno/ Contra um bicho da terra tão pequeno.”

A existência de Camões como literato e ou soldado era alternada com uma vida boêmia. Nesse ambiente amou e, num soneto, conceituou esse sentimento como “fogo”: “Amor é um fogo que arde sem se ver; / É ferida que dói e não se sente; / É um contentamento descontente; / É dor que desatina sem doer.” Também, em outro soneto, considera o Amor uma “fatalidade” que submete o ser humano e modifica os seres, pois o amor “Transforma-se o amador na cousa amada, / Por virtude do muito imaginar; / Não tenho, logo, mais que desejar, /Pois em mim tenho a parte desejada. // Se nela está minha alma transformada, / Que mais deseja o corpo de alcançar? / Em si somente pode descansar, / Pois consigo tal alma está liada.”

O tema amoroso aparece na obra de Camões tanto nos sonetos, nas canções e nas éclogas como na sua obra épica Os Lusíadas, seja em forma de paixão e de desejo que visa a encontrar a mulher, como no Canto IX, quando o bardo menciona a Ilha dos Amores, lugar e prêmio para os fatigados navegadores. Também, o amor é mencionado em forma de louca paixão, no Canto III, quando Inês de Castro é coroada depois de morta. No Canto IX, novamente ele o apresenta representando uma vitória sobre o desconcerto do mundo, porque o Amor travara “u’a famosa expedição/ contra o mundo rebelde”. Nesse Canto, na estrofe 83, o eu lírico mostra vencidos e vencedores entregues ao amor: “Oh, que famintos beijos na floresta, / E que mimoso choro que soava!/Que afagos tão suaves! Que ira honesta, / Que em risinhos alegres se tornava!/ O que mais passam na manhã e na sesta, / Que Vênus com prazeres inflamava, / Melhor é experimentá-lo que julgá-lo; / Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo.”

Camões, com seu claro olhar observou a realidade circundante e moral. Com agudeza e penetração atravessou a vida literária de um Portugal Quinhentista. Frequentou a vida cortesã de Lisboa, e se enrijeceu numa experiência de soldado, cruzando mares e terras de Oriente, pisando caminhos abertos e trilhados pelos heróis e por Vasco da Gama, para chegar até nós nesses 500 anos passados de seu nascimento, fazendo jus de ser um clássico da literatura mundial.

Referências:
ANDRADE, Eugênio. Versos e alguma prosa de Luís de Camões. Lisboa: Moraes e Editores 1977.
CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. Porto: Figueirinhas, 1978. 2v.
CIDADE, Hernani. Luis de Camões, Lisboa: Editora Arcádia Limitada, 1961.

Por Ester Abreu Vieira de Oliveira, presidente da Academia Espírito-santense de Letras.