Julho, 2024 - Edição 301

Notícia vestida de mentira em ano eleitoral

O publicitário e economista Maurício Dinepi, que presidiu o Jornal do Commercio, onde atuou por muitos anos, fez uma brilhante palestra na Confederação Nacional do Comércio, no Rio, onde avaliou as transformações que a internet produz na economia mundial como um todo. Entre os temas, tratou do impacto das fakenews, que se tornou um estigma da internet. Vamos aos principais trechos: “Estigma definitivo, que vai se expandir ainda mais neste ano de eleições e, ao que tudo indica, vai durar enquanto existir internet. Parasita permanente e indesejável. A internet veio ao mundo com as fakesnews na bagagem. Essa realidade fica mais aguda quando lemos, vemos ou assistimos a autoridades falando sobre os riscos da rede.

Falsas notícias existem desde o início dos tempos. Mas a falsa notícia eletrônica, disseminada mundo afora sem nenhum pudor, é algo mais recente. E lamentável. O anonimato garantido pela internet propiciou o surgimento de seres humanos sem medo de contar mentiras, sem vergonha de ser Pinóquio. Sem vergonha de serem falsos. Pior, mentir na internet virou profissão. E, lembremo-nos, é crime. Para se defender, tudo o que um consumidor de informação tem que fazer é exercitar o faro. Aprender a ler intenções, principalmente as más, enquanto não descobrem um detector de mentiras que funcione com a mesma rapidez das fakenews.

Há duas ou mais décadas as falsas notícias são uma marca lamentável de um mundo onde, em outubro do ano passado, viviam virtualmente 5,3 bilhões de seres humanos, ou 65,7% da população do planeta. É muita gente exposta aos riscos dessa prática.

A internet no Brasil tem cerca de 156 milhões de usuários, ou 84% da população. Em 2022, era 81%. Dos 156 milhões, mais da metade – 58%, ou 78 milhões – acessaram a rede, no ano passado, apenas pelo celular. Esse índice era maior em 2002, em torno de 62%. Um dado significativo: de cada 100 internautas, 71 estão preocupados com a indústria da desinformação na rede. Ou seja, perdem tempo precioso para descobrir se estão diante de uma verdade ou uma mentira. Os que não têm o cuidado de verificar se o que estão lendo é mentira ou verdade somam 26 milhões. Um exército que assusta. Os estudiosos da rede consideram como integrantes da Geração Z quem nasceu no fim da década de 1990. Ou seja, são nativos da internet, têm uma relação íntima com o meio digital porque nasceram quando a expansão tecnológica estava em alta. Essa geração já é maioria no mercado de trabalho hoje, já está integrada à rotina da sociedade. Há quem enxergue uma atenuante nos dados sobre brasileiros que aceitam e repassam fakenews. A maioria deles (58%) usa só o celular para lidar com a internet. Essa maioria pode ser carente de celulares mais possantes ou, pior, de mais habilidade digital. Ou seja, não domina a ferramenta que tem em mãos. Com isso, ler e compartilhar torna-se passo único e quase automático para quem não se incomoda com fakenews. E isso daria uma turbinada nas mentiras.

Nessa tentativa de mapear o tamanho da montanha das fakenews na internet e o quanto elas contribuem para o estigma da desinformação na rede, trago aqui alguns dados de uma outra pesquisa. Essa é da Kaspersky, empresa global de cibersegurança. Ela descobriu, no ano passado, que 62% dos brasileiros não conseguem identificar ou reconhecer uma notícia falsa. O número é ruim. Mas essa pesquisa, de âmbito continental, traz uma informação interessante: um terço dos pesquisados recebe e lida com fakenews pelas redes sociais. E há um outro terço, pelo menos no Brasil, que opta por confiar nos sites da mídia tradicional. Ou seja: para uma parte significativa dos usuários, confiar na mídia tradicional é o caminho para quem busca clarear as informações que lê. Uma questão delicada nessa afirmativa: os jovens, a tal Geração Z, não se interessam pela mídia tradicional. Chegaram à prateleira da população economicamente ativa depois do reinado dos impressos.

A fakenews se espalha de forma mais rápida e profunda que as notícias verdadeiras. As primeiras, predominantes nas redes sociais,atingem, cada uma delas, de mil a 100 mil pessoas. As segundas, mais presentes na mídia tradicional, alcançam, em média, mil pessoas cada uma, não mais que isso. Tais dados são fruto de um estudo do Instituto de Tecnologia de Massachussets, dos Estados Unidos, que concluiu o seguinte: as notícias falsas se esparramam 70% mais rápido que as verdadeiras. Goleada das fakenews. A marca forte e covarde das fakenews é o anonimato, de braços dados com a disseminação através de ferramentas automatizadas, os robôs. Já quem atua na checagem, na busca da verdade, vê sua apuração ser veiculada basicamente nos sites das empresas tradicionais, cujas audiências têm peso ínfimo perto da repercussão das redes sociais.

A CNN Brasil divulgou, no fim do ano passado, uma pesquisa inédita que mostrava o tamanho do impacto das fakenews na vida do internauta que busca informação eletrônica em dois aplicativos importantes, Whatsapp e Telegram. Conclusão: 25% do que se publica neles sobre política é distorcido, exagerado ou falso. Não erraremos se dissermos que os 25% crescerão significativamente neste ano eleitoral. Agora, no dia 8 de outubro, 5.567 municípios elegerão seus prefeitos.

O Brasil é o terceiro maior do mundo no uso de redes sociais, atrás apenas da Índia e da Indonésia e a frente dos Estados Unidos, do México, da Argentina, entre muitos. São dados da Comscore, empresa americana que faz análises da internet e fornece dados para grandes empresas do mundo, entre elas as de mídia.

Temos lei específica contra fakenews que propagam mentiras em período eleitoral, com punições que vão de multas a prisões. Estão no Código Eleitoral. O empacado Projeto de Lei 2630, quando chegar, poderá botar ordem na casa.

Mas, na luta contra a desinformação, entre nós vale também o Código Penal. Aliás, por conveniência, há muita gente confundindo o combate às fakenews com o fim ou a redução da liberdade de expressão. O Código Penal estabelece três configurações de crimes vinculados a mentiras e boatos. São os crimes de honra: calúnia, injúria e difamação, com penas que podem ir de doações de cestas básicas a quatro anos de prisão. Diretor do InternetLab, um centro de pesquisa em direito e tecnologia, o advogado Francisco Brito Cruz afirma que o Código Penal brasileiro pode, sim, ser instrumento precioso de combate às fakenews. E quem compartilha a mentira está sujeito às penas da lei. Outro trabalho interessante no campo da checagem é feito pelo Boatos.org, ferramenta independente que publica cerca de 100 checagens por mês, todas desmentindo fakenews. Desde sua criação, já publicou cerca de 10 mil checagens. Com cerca de 1 milhão de acessos mensais, está entre as maiores do país e virou fonte de informação para grandes veículos, além de ajudar na educação midiática, ensinando como separar o joio do trigo.

Um estudo do Reuters Institute Digital News de alguns anos atrás informava que o Brasil ocupava então a 3ª colocação no ranking global de países que mais consomem e compartilham informações falsas no planeta. Em tese, o Brasil está então no topo da lista dos países com internet mais exposta e receptiva à mentira. O estudo é poderoso. Foram ouvidas 74 mil pessoas em 37 países. De cada 100 usuários de redes sociais no Brasil, 35 consomem e compartilham informações falsas.

Embora nem tão recente, mas ainda significativo, o estudo indica que a medalha de bronze do Brasil pode continuar no peito. E pode até trocar de cor nesse ano eleitoral. Voltando à peleja da verdade contra a mentira: ela tem algumas nuances que precisam ser acompanhadas mais de perto. Por exemplo: é possível afirmar que os profissionais a serviço da mentira começam a se mobilizar para criar obstáculos à luta contra a desinformação. As agências de checagem, suspeita-se, entraram na linha de tiro desses profissionais. Com ajuda da tecnologia, as postagens com mentiras estão embutindo, em seus conteúdos, gatilhos ou armadilhas que buscam dificultar e retardar a pesquisa e apuração sobre suas origens e fontes.

É lamentável, mas mentir na internet virou meio de vida, num universo que envolve profissionais das mais diversas áreas, entre eles assessores políticos, marqueteiros, puxa-sacos em geral, jornalistas (sim, jornalistas) e uma categoria nova, os influenciadores, ou influencers, denominação que parece ter chegado para ficar. Conviver com essa realidade do mundo virtual é cansativo, física e mentalmente. E tudo indica que isso não vai mudar.”

Por Maurício Dinepi, publicitário e economista.