Maio, 2024 - Edição 300
Tempo de aniversário

Essas tardes corriqueiras de março são passageiras. Como
tudo que é bom na vida!
Aqui um pássaro de manhã canta para anunciar que a vida é
boa e o dia promete paisagens e aquarelas.
Ali sopra o vento da tarde sobre o nosso rosto e secretamente
parece que o dia se despede também de nós.
Agora, quietos e mudos, há um ensaio de música e memória e
esquecimento:
O mar de Portugal, que vi da Praça eloquente do Mercado, brilhava nas águas do poente, e o frio intenso de março calava a minha
voz.
A alma de Fernando Pessoa passeava no Tejo.
E Sofia de Melo Breiner Andresen dançava em suas ondas.
Nunca esquecerei o castelo de São Jorge, e o vento intrépido
das pedras de um outro mar distante, o mar inóspito de Sagres, que
alçou meu espírito para o estado de grande altura, como se houvesse
o que chamam de osmose.
No Brasil, meu amável país, muita relva e mares incríveis de
suspender o corpo na alma, onde manguezais florescem sem intervalo. E igrejas ensolaradas com seus raios híbridos adentrando pelos
vitrais. E as montanhas orantes de Petrópolis como o meu doce
refúgio. E a Baía de Guanabara como a melhor visão e meu último
destino.
E tudo que sou e hoje se avizinha são laços de mãe e irmãos e
signos de sangue, o coração com a forma dos rostos de alguns amigos
que são o meu fio de esperança, e altares e sacrifícios e amor infindo
de vinho e trigo inseparáveis, longe de ondas revoltas e ventos fatuos.