Março, 2024 - Edição 299
Nejar na poesia brasileira - Entrevista com Carlos Nejar
Entrevista transmitida em nível nacional, no Programa Identidade Brasil, apresentado por Arnaldo Niskier no canal Futura
Arnaldo Niskier: Hoje, com prazer imenso,
temos a alegria de receber o poeta e escritor Carlos
Nejar, uma das figuras mais importantes da poesia
brasileira. Vamos conversar sobre a poesia e sobre a
presença do Nejar na Academia Brasileira de Letras,
onde é uma das figuras mais destacadas. Nejar, como
é que você se sente como acadêmico há tantos anos?
Carlos Nejar: Me sinto em casa, porque, de
tanto viver, já vou fazer 34 anos nessa casa. O tempo
vai passando.
Arnaldo Niskier: Você é um dos mais antigos.
Carlos Nejar: Sou o quarto. Agora tenho a
alegria de tu teres vindo antes. E tive outra alegria de
ter sido apoiado por ti, de onde se firmou a minha
amizade e admiração.
Arnaldo Niskier: É sólida. E não há dúvida
nenhuma. Você é o quarto, o primeiro mais antigo
é o José Sarney. Sou o segundo. Depois, o terceiro é
o Vilaça. O quarto é você. É uma honra. Estamos há
tanto tempo dedicando praticamente a nossa vida
aos esforços da Academia pela cultura brasileira.
Você, como poeta e como intelectual, deve ter sentido muito o falecimento recente do nosso Alberto da
Costa e Silva. O que ele representava para você como
intelectual?
Carlos Nejar: Eu recebi dele um dia a hospitalidade. Ele era embaixador em Portugal antes de
entrar nessa Casa. E acolheu a mim e a Elza na sua
casa. A esposa dele, Vera, era viva, na ocasião.
E foi uma semana maravilhosa de generosidade dele. Sinto a morte dele como um grande poeta. Há
um livro dedicado a Vera, que é belíssimo. Uma poesia
límpida, uma poesia concisa, de imagens poderosas.
Foi Prêmio Camões, merecidamente. Ele era historiador da África, tem uma proximidade muito grande entre Brasil e África. Foi embaixador na Nigéria,
embaixador em Portugal, em vários lugares. E ele
marcou muito a passagem dele também nessa Casa.
Foi presidente desta Casa e, sobretudo, um grande
companheiro, uma pessoa fraterna e muito culta. É
uma falta. Vamos vendo isso e cada vez sofremos com
a perda.
Arnaldo Niskier: Essas perdas, na verdade, eu
não sei se você acha como eu acho que são irreparáveis. Como é que você vai compensar a perda de um
Alberto da Costa? Ele herdou a poesia do pai, o pai
também era um poeta.
Carlos Nejar: Da Costa e Silva. Eu conhecia
bem a poesia do pai e tive alegria também, na minha
história da literatura, de falar de Alberto Costa e Silva.
Então, foi uma poesia que já veio de herança, não é? Já
estava no sangue, no espírito. É que a poesia também
é espírito.
Arnaldo Niskier: Você falou em herança e
você tem filhos que também são poetas, não é verdade? Isso daí passa de pai para filho?
Carlos Nejar: Eu acho que sim. Alguma coisa
passa, não é? Veja: Fabrício Carpinejar é meu filho.
Agora surge um outro poeta na família. O Rodrigo
é mais velho até do que o Fabrício. É curioso que o
Rodrigo escrevia poemas à mão e belos poemas no
mesmo tempo que o Fabrício. Só que o Fabrício tem
um lado ousado e um lado também muito ligado à
cena, à mídia. Rodrigo era tímido e guardava poesia
na gaveta. Até que, agora, o psicanalista dele o obrigou
a publicar. Ele teve uma enfermidade e o psicanalista
o obrigou a publicar. Ele publicou esse livro que está
saindo agora. O título do livro dele é Insana Lucidez.
Às vezes me pergunto por que é insana, mas a verdade
é a seguinte: a poesia e a criação têm um pouco de
loucura. Só que, como diz Chesterton, o matemático
pode atingir a loucura pela razão, mas o poeta, não,
porque o poeta doma a loucura. Criar é domar a
loucura.
Arnaldo Niskier: Que perfeito, e é o que você
tem feito muito nos seus poemas, que são também
extraordinários. O que motiva você, na Academia
Brasileira de Letras?
Carlos Nejar: Penso que nós temos que participar. E, às vezes, nem sou eu que tomo a palavra, é a
palavra que me toma. E ainda bem, porque ela é mais
sábia do que eu. Sempre estou perto da Terra para ser
plantado. A palavra está sempre voando, então ela
sabe mais do que eu.
Arnaldo Niskier: E o que representa a
Academia para você?
Carlos Nejar: Amo essa Casa e eu tive a oportunidade de uma vez, num momento difícil dessa Casa,
de ser presidente, secretário-geral. Assistir também à
sua presidência. Não é por estar na sua presença, foi a
mais inovadora, sem tirar o privilégio, o valor dos que
se seguiram. Mas de qualquer maneira, ficou também
a minha casa, ficou o meu lugar de convívio.
Arnaldo Niskier: Como é que você vê, como
intelectual, a entrada na Academia de um poeta e
filósofo como o Krenak? O que é que isso representa
em termos de diversidade, em termos de novidade
para a Academia? O que isso representa para você?
Carlos Nejar: Li vários livros dele e, ao conhecê-lo ainda mais pessoalmente, gostei muito da figura
humana dele. Mesmo que eu confesse que, na oportunidade, não votei nele. Eu me lembrei até de uma
grande historiadora, porque já era minha amiga, chamada Mary Del Priori. Mais uma mulher nessa Casa.
Mas abracei, com grande alegria, a vinda de Krenak,
porque eu percebi nele um lado muito fraterno e também uma grande cultura.
Arnaldo Niskier: O Brasil tem quase 2 milhões
de indígenas. A gente não chama mais de índios,
chama de indígenas. Com tribos diversificadas espalhadas pelo nosso território. O que isso representa
para você? O fato de nós termos 2 milhões de indígenas e hoje eles serem representados na Academia
Brasileira de Letras, que é a instituição cultural de
maior relevo no nosso país?
Carlos Nejar: Acho que é um grande momento, uma abertura da Academia, porque Krenak, na
verdade, é escritor. Por outro lado, fiquei muito ligado
a este lado indígena. Escrevi até um livro de poemas,
mas foi uma edição particular, falando sobre aqueles
índios que estão sofrendo nas suas tribos com o problema de garimpo pela busca de ouro, os Yanomami.
Eu escrevi um livro sobre os Yanomami, o livro de
poemas. É A Tribo dos Yanomami. O título maior é Os
Visíveis, porque eu havia publicado um outro livro
pela Bertrand, chamado Os Invisíveis, em que falo de
Brumadinho, de vários outros lugares, o incêndio do
Museu Nacional e outras coisas que são as tragédias
da República e que a gente não pode mais calar diante da imprudência e diante dos acontecimentos. No
caso dos Yanomami, eu senti um pouco o sofrimento
daquele povo, porque a poesia é isso. Se nós não nos
ligarmos ao povo, que sentido tem a criação? Porque
somos uma voz daqueles que não têm voz. Somos
um rosto daqueles que não têm rosto e somos uma
palavra que, às vezes, se torna invisível, mas precisa
ser pronunciada.
Arnaldo Niskier: Quando escreve, você lembra sempre ou não lembra nunca que você foi formado no Direito, na ciência do Direito. O que isso
representa para você?
Carlos Nejar: Passei, de fato, a vida sendo
promotor público, no Rio Grande do Sul... No interior
do Rio Grande, indo de cidade em cidade do Pampa.
Conheci o povo da minha terra, mas eu sou a minha
terra. Não me preocupo tanto de ir à minha terra, porque a minha terra está comigo, na minha palavra. Mas
o Direito eu aprendi no foro como promotor, como
procurador de justiça, como advogado, que agora está
meio parado, mas eu até quero ver se desenferrujo,
porque eu gosto. Estou pensando ainda em voltar a
advogar, porque eu gosto dessa batalha.
Arnaldo Niskier: o poeta e escritor Carlos
Nejar, teve uma carreira muito bonita no Direito,
inclusive no Rio Grande do Sul, foi juiz e exerceu essa
atividade com muito carinho, com muito cuidado.
E hoje ele diz aqui uma revelação que talvez volte a
praticar o Direito. É verdade?
Carlos Nejar: É verdade. Mas só uma observação: eu fui magistrado de pé. Fui promotor público e
procurador. Tudo por concurso. Eu entrei na primeira
leva do concurso e fui para o interior de todas as várias
comarcas do Rio Grande. Conhecia o povo de perto e,
sobretudo, tentava no Ministério Público fazer justiça.
Uma vez João Cabral me disse: “Nejar, como é que tu,
sendo poeta, pode ser promotor?” Disse a ele: “João, o
promotor é o guerreiro de justiça e, no momento em
que a justiça é realizada, é realizado o melhor poema.”
Arnaldo Niskier: Como promotor, como juiz,
você já praticava a poesia intensamente?
Carlos Nejar: Eu me acostumei a fazer várias
coisas. Então, eu estava ali, no meio do júri, ouvindo
advogado de defesa, fazendo anotações e, às vezes,
vinha um poema. O que eu vou fazer? O poema é
maior que eu. E esse lado jurídico aproveitei muito em
poesia, por exemplo, em Danações e Ordenações, porque é uma linguagem arcaica, uma linguagem valiosa.
Arnaldo Niskier: E a profissão talvez mais
procurada pelos nossos jovens universitários. Acho
que o Direito está em primeiro lugar, de forma absoluta. Por que isso? É salário, é vocação?
Carlos Nejar: Pode ser, de um lado, salário e
segurança. O jovem hoje está numa situação difícil, as
coisas estão difíceis. O segundo lugar, um lado vocacionado. Eu me sentia vocacionado.
Arnaldo Niskier: Já tinha outros advogados
na família?
Carlos Nejar: Não, eu fui o único na família.
Como poeta, só um ancestral meu, mas muito ancestral, chamado Israel Najara, nosso irmão do tempo,
que era judeu, árabe e ele era rabino, poeta do amor
na Palestina. E ele foi meu ancestral. Eu descobri o
sefardita. Por volta de 1400, 1500. Até fiz meu personagem na saga prodigiosa de Israel Najara, porque Nejar
é carpinteiro e a família de carpinteiros e rabinos
do tempo. Curiosamente, o Najara se tornou Nejar.
Primeiro vem Najara, depois Najar e, depois, Nejar.
Tenho muita honra de ter, no meu sangue, o sangue
judeu e o sangue árabe. Confesso que não aceito que
briguem, eu quero paz. Queremos paz. Agora também
não aceito o ataque que foi feito a Israel.
Arnaldo Niskier: Você está escrevendo agora
algum trabalho que possa revelar para os nossos
telespectadores?
Carlos Nejar: Posso, estou sempre escrevendo. Estou com muitos romances inéditos na minha
gaveta. Eu vou libertando esses fantasmas, porque
senão eles me incomodam. Terminei agora um livro
de poemas inéditos chamado A Fábula dos Livres e vai
sair por uma editora de Brasília. Já assinei contrato. E
um livro meu, de mais de 1000 personagens, em que
trabalho há mais de 30 anos, chamado A Terra dos
Viventes.
Arnaldo Niskier: Quero prometer a você que,
quando o livro for lançado, vamos fazer esse lançamento aqui também.