Março, 2024 - Edição 299
Alfarrabistas de Lisboa e os 500 anos de Camões

Há tempos não ia a Lisboa. Sendo mais específico, desde 2019, meses
antes da pandemia. Mês passado, aproveitei uma passagem comprada anteriormente e que não me fora possível utilizar e fui. Abstraída a tensão gerada
pelo cada vez mais exíguo espaço nas aeronaves, a chegada a Lisboa faz esquecer qualquer contratempo. Devidamente alojado ali pela Estefânia, desça-se a
pé a Avenida da Liberdade em demanda do Rossio, a praça D. Pedro IV, atravessando-a e subindo a rua do Carmo até o Chiado, e lá adiante ganhe a Praça Luís
de Camões. Cuja imagem em bronze domina o logradouro e cujos 500 anos de
nascimento comemoram-se neste ano da graça de 2024.
As cercanias me trazem lembranças: mesmo ali na Praça Luís de
Camões funcionava, num sobrado alto, o Consulado do Brasil em Lisboa, onde
a maioria das minhas demandas de residente via-visto-de-estudos eram propostas e atendidas. Nesse tempo, lia eu diariamente o Público, acompanhando
na última folha a crônica de Eduardo Prado Coelho. Bons tempos.
Mas continuemos. Nas cercanias, fica também a Livraria Bertrand, que
detém o recorde de mais antiga livraria em atividade no mundo: está resilientemente no ramo (já que até a um terremoto sobreviveu!) desde 1732.
Ali, todoo cânone da Literatura portuguesa tem lugar reservado. Mesmo em frente, a
intrigante Livraria Sá da Costa, cujo acervo, já da seara do alfarrabismo, sempre
surpreende. Difícil não encontrar algo que desperte a atenção. No meu caso,
em prateleira de difícil acesso, como fica bem nos tempos que correm, um
exemplar do Iniciação Tauromáquica, de Saraiva Lima (Editorial Inquérito,
1945), devidamente adquirido e embrulhado para viagem pelos prestativos
funcionários.
Mesmo ao lado da Bertrand, aos sábados, acontece a feira dos alfarrabistas. Já isso de feiras é interessante em Lisboa: basta citar a famosa Feira da
Ladra, em que há tempos não punha os pés e que desta vez visitei com algum
proveito. Voltando a alfarrabistas: talvez a diferença das expressões que em
Portugal e no Brasil se usam para se referir ao comércio de livros antigos (recorde-se que no Brasil são disponibilizados para compra e venda nos chamados
sebos) queira dizer alguma coisa. Ou não.
Não importa. Minha recolha de clássicos esquecidos, a exemplo do
portuense Arnaldo Gama, ou de contemporâneos insuficientemente difundidos, a exemplo do caboverdiano Germano Almeida (para ficar em alguns
poucos) costuma sempre frutificar por ali. Desta vez não foi diferente. Ainda,
voltando cidade acima em direção à Marquês de Pombal e seguindo à direita,
da direção de onde se veio, a livraria Costa e Silva, onde ia eu adquirir um
exemplar do Regulamento dos Regimentos de Cavalaria de Sua Majestade
Fidelíssima, do Conde de Lippe, o que lamentavelmente acabei não fazendo.
Livros desses (este um, por exemplo, uma edição de 1796) não se acham todos
os dias. Enfim.
O resto é o bom queijo de Azeitão, os vinhos regionais, a ginjinha e um
Porto 20 anos bebido num quiosque de praça na Cidade Invicta, que fiz questão de rever. Aliás, a visita à Livraria Lello no Porto rendeu-me desta vez um
exemplar caprichado d’Os Lusíadas, que doravante passará a meu exemplar de
bolso. Adquirido em atenção aos 500 anos de seu autor, o que, lá como cá, está
a demandar comemoração condigna.