Março, 2023 - Edição 299

A pedagogia brasileira

O Brasil não tem uma Pedagogia. Tem várias, sobrepostas, muitas vezes sem conexão umas com as outras. A história da Pedagogia brasileira é uma espécie de colagem de modelos importados, que resulta em um quadro sem sequência bem definida. Não existe uma pedagogia “pura”, ou seja, sem influência de outras pedagogias ou do contexto social em que se desenvolve. Última moda é o Construtivismo, que nem é método pedagógico, mas sim um conjunto de teorias psicológicas sobre as estratégias utilizadas pelo ser humano para construir o seu conhecimento.

O que é construtivismo



Mais do que uma Pedagogia, é uma teoria psicológica que busca explicar como se modificam as estratégias de conhecimento do indivíduo no decorrer de sua vida. Surgiu a partir do trabalho do pesquisador suíço Jean Piaget (1896-1980), que mostrou que o ser humano é ativo na construção de seu conhecimento (daí o termo construtivismo) e não uma “massa disforme”, que é moldada pelo professor.

No Brasil, essa teoria é também muito influenciada pela argentina Emília Ferreiro (que estudou como as crianças constroem o conhecimento da leitura e escrita) e do russo L. S. Vygotsky (que ressalta a influência dos outros e da cultura no processo de construção do conhecimento). Essas teorias mais recentes costumam ser agrupadas sob a denominação Construtivismo pós-piagetiano. Derruba a noção clássica do erro, pois demonstra que a criança formula hipóteses sobre o objeto de conhecimento e vai “ajustando” essas hipóteses durante a aprendizagem – e, portanto, o erro é inerente a esse processo. No Brasil, o termo é muitas vezes usado de forma incorreta.

O construtivismo propõe que o aluno participe ativamente do próprio aprendizado, mediante a experimentação, a pesquisa em grupo, o estímulo à dúvida e o desenvolvimento do raciocínio, entre outros procedimentos. Rejeita a apresentação de conhecimentos prontos ao estudante, como um prato feito, e utiliza de modo inovador técnicas tradicionais como, por exemplo, a memorização.

O construtivismo passou por mudanças desde que começou a ser adotado no Brasil. A fase inicial, em que o aluno era deixado muito solto, como se a professora não estivesse na sala de aula (prática espontaneísta), está superada. Hoje se quer do professor uma atuação firme e planejada (prática intervencionista). Como nenhum professor, por mais ampla que seja a sua formação, pode dominar todos os conhecimentos envolvidos na tarefa de lecionar, o trabalho interdisciplinar é recomendado para todo e qualquer nível.

Pedagogia tradicional



É uma proposta de educação centrada no professor, cuja função se define com a de vigiar e aconselhar os alunos, corrigir e ensinar a matéria.

Metodologia
Conteúdos expostos de forma oral e em sequência pré-determinada e fixa. Enfatiza-se a necessidade de exercícios repetidos para garantir a memorização dos conteúdos. Aprendizagem de grande quantidade de conteúdo, o qual é chamado de “enciclopedismo”.

O professor
Autoridade máxima, o guia do processo educativo, que organiza os conteúdos e as estratégias de ensino. Na sala de aula, tende a ficar de frente, falando para alunos sentados em filas

Pedagogia renovada



Surge no final do século na Europa e nos EUA, em oposição à pedagogia tradicional. No Brasil, estabelece-se a partir da década de 1920 e, principalmente, de 1930. Apesar de envolver várias correntes, a chamada Escola Nova se caracteriza por colocar o aluno no centro da atividade escolar (e não o professor, nem o conteúdo).

Metodologia
Destaca o princípio da aprendizagem por descoberta e estabelece que essa aprendizagem deve partir do interesse e da atividade de experimentação dos alunos. No extremo, pode moldar toda a atividade da escola em torno da vontade do aluno, e perder de vista o papel de transmissão de conhecimento – o que caracterizou as chamadas “escolas alternativas” no Brasil, nos anos 1970 e 1980.

O professor
É visto como facilitador no processo de busca do conhecimento pelo aluno; organiza e coordena situações de aprendizagem, adaptando suas ações às características individuais dos alunos. Na sala de aula, tende a ficar circulando entre grupos de alunos que trabalham independentemente.

Pedagogia tecnicista



Proliferou no Brasil nos anos 1960 e 1970, inspirada nas teorias behavioristas de aprendizagem. A ideia é que, a partir do conhecimento da forma como o ser humano aprende, é possível desenvolver técnicas para o ensino de cada conteúdo. É com esse tipo de pensamento que ganha destaque, por exemplo, o uso de cartilhas na alfabetização.

Metodologia
Envolve o que costuma se denominar “tecnologia programada de ensino”. A aprendizagem de um determinado conteúdo passa por uma sequência rigidamente pré-programada de atividades oferecidas pelo professor e realizadas mecanicamente pelo aluno.

O professor
É um especialista na aplicação de manuais que estabelecem o programa de aprendizagem do aluno. Deve auxiliar os alunos a executarem as tarefas pré-concebidas

Pedagogia social e política



É marcada principalmente por preocupações sociais e políticas, de origem marxista. Aparece no Brasil no final da década de 1950 e início dos anos 1960, relacionada aos movimentos de Educação Popular. Fica suspensa a partir de 1964, pelo regime militar, e é retomada no final dos anos 1970 e início da década de 1980.

Metodologia
Pode-se dividir essa abordagem em “pedagogia libertadora” e “pedagogia crítico-social dos conteúdos”. Na primeira, a atividade escolar pauta-se basicamente em discussões de temas sociais e políticos e de ações possíveis sobre a realidade social imediata. Na segunda, retoma-se a importância dos conteúdos, cujo conhecimento é importante para que os alunos possam interpretar suas experiências de vida e defender seus interesses de classe.

O professor
É um coordenador de atividades que organiza e atua conjuntamente com os alunos.

Por Nelson Valente, professor universitário, jornalista e escritor