Dezembro, 2023 - Edição 298
De bibliotecas e livrarias
Bibliotecas e livrarias. Repositórios do conhecimento humano
de antes do advento dos bancos de dados. Precisasse-se de informação qualquer, ia-se à biblioteca, solicitava-se um livro à bibliotecária,
folheava-se-o, outras informações saltando-lhes das páginas, levando
a outras mais. Os bancos de dados funcionam de maneira semelhante,
à exceção da ajuda da bibliotecária: é o procure você mesmo. A eficiência da funcionária, que falta no nosso notebook (a funcionária, não a
eficiência), é compensada pela instantaneidade do acesso aos links.
O problema é que nem sempre se sabe o que se procura, e a profusão
desordenada de informações começa a trazer consequências.
Já livrarias são estabelecimentos onde se comercializam livros.
Aí manda o livreiro, o profissional que, conhecendo o seu ofício tanto
quanto o seu estoque, auxilia o cliente no que ele deseja, ou venha
a desejar, depois de trocarem ideias. Conheci alguns, bons livreiros,
sempre leitores inveterados que viviam do comércio de livros. Faziam
indicações que acabavam levando em conta suas impressões pessoais.
Devia-se reconhecer neles uma certa ascendência para que fossem
ouvidos e acatados, e essa ascendência vinha do reconhecimento da
sua maior ou menor intimidade com a leitura.
Bibliotecas e livrarias constituem filão literário interessante: de
Jorge Luis Borges a Alberto Manguel e a Jorge Carrión (seu Livrarias:
Uma história da leitura e de leitores, já em segunda edição pela Bazar
do Tempo, é o mais recente de que tenho conhecimento) passando
por A Longa Viagem da Biblioteca dos Reis, de Lilian Schwarcz, publicado pela Companhia das Letras, ler sobre casas de livros sem dúvida
interessa aos leitores. Em Breves Notas Quase-literárias (2019) recordei
passagens por livrarias que me ficaram na memória. Dentre elas, uma
vez em que, estando em Luanda numa atividade científica coordenada
pelo Exército angolano, solicitei à organização a ida a uma livraria.
O deslocamento se deu na companhia de batedores, com direito a escolta
durante a permanência no estabelecimento, e me rendeu alguns títulos
de História de Angola. Menos um, que me interessava particularmente
e não encontrei. Comentei com a organização, meio desapontado. Dias
depois do regresso recebia em casa, pelos correios, o volume desejado,
numa demonstração de gentileza e atenção a que até hoje sou grato.
Em 2015, publicamos, os frequentadores da tertúlia que se reuniam aos sábados na extinta Livraria Logos, de Vitória, uma coletânea
chamada Na Livraria: Diversa caligrafia. A temática é a determinada
no título, e os textos proporcionam uma viagem pelo olhar de cada
autor. Um deles nos faltou este ano: o Luiz Carlos (Caco) Appel, leitor
voraz, que revisava textos, bolava capas, editorava volumes – enfim,
como fez com o Na Livraria, que organizou junto com o Pedro J.
Nunes, premiado autor local. Seu texto, “Livros encantados”, é um
passeio por livros mágicos, livrarias idem e temas livrescos explorados
por Carlos Ruiz Zafón, Juan Villoro, John Connolly e Reinaldo Santos
Neves. Numa prosa agradável, narra aventuras acontecidas no universo fantástico em que imerge o leitor de ficção e conclui evocando o
“poder” dos livros conjurados a muitas mãos. O que pode ser lido também como metáfora, uma metáfora sobre os efeitos decorrentes da
difusão da leitura. Atividade, infelizmente, cada vez mais esquecida.