Novembro, 2023 - Edição 297
Começou mais uma guerra
Abra os olhos. Não dá pra desejar Bom Dia. Fomos dormir e na madrugada, distante, mas como se fosse bem ao nosso lado, a festa de música eletrônica é
interrompida por bombardeios e ataques de todos os lados. Estamos em guerra
também, de alguma forma.
Não consigo parar de pensar naquela turma toda que se divertia na rave
baticundum, colorida, lisérgica, animada. À altura do ataque, muitos já deviam
estar se preparando pra voltar para casa, cansados. Outros, possivelmente
estavam tão embriagados ou drogados que talvez nem tenham percebido o
que ocorria, não tenham se dado conta, sem condições de correr, fugir, pensar.
Encontros desfeitos, amores perdidos. Não se fez silêncio. Os sons do horror,
imaginamos. Centenas de mortos, tantos outros sequestrados e ainda em poder
do Hamas, o grupo terrorista que abriu, na verdade, escancarou, a boca do
inferno ao atacar Israel, começando pela festa mais próxima que encontraram
do território que dizem defender.
A partir daí, da manhã do sábado, 7 de outubro de 2023, ninguém mais
pode ter paz ao redor do mundo, que agora acompanha, alarmado, minuto a
minuto, a escalada do conflito. Seja por ter alguém ainda ali por perto, seja por
esperar que este alguém seja resgatado em segurança, seja por saber que ali,
na verdade, nada mais pode ser considerado seguro, em qualquer dos lados,
nenhum lugar. As bestas foram soltas, e não sabemos o que fazer para que retornem. No fundo, no fundo, intuímos que não há mais, mesmo, volta. Mísseis cruzam os céus, exércitos de drones furam bloqueios, milhares de jovens agora são
convocados para fronts de sons malignos, atendendo a ordens de vida e morte.
Elementos que conhecemos, polarização, religião, violência, raivas históricas, se misturam. Líderes totalitários lutando pelo poder, mesmo que nem
sempre – quase nunca – representem a vontade de seus liderados, e serão eles,
nós, os atingidos. Os fatos se repetem em escala maior ou menor ao redor do
planeta, e nem todos percebem sua real gravidade, repetindo um mantra de que
é coisa de lá de longe.
Mas esse longe se aproxima. E a diferença é que acompanhamos a realidade como quem vê filmes no streaming. As imagens são abundantes e, ainda,
além, das produzidas pelas máquinas de guerra onde a primeira vítima é sempre
a verdade.
Se foram mortos decapitados, dentro de suas casas, nos bunkers onde se
abrigavam pensando que todos os ataques viriam apenas do céu. Se estão morrendo de fome, sede, em seu êxodo, mulheres e crianças, ouvimos seus choros,
os gritos, vemos corpos espalhados, funerais coletivos, vilas e cidades inteiras
arrasadas. Como é possível apoiar qualquer um desses lados? O que ataca se
foram atacados, o que reage, e nesse caso em uma correlação de forças praticamente desleal, e foi inacreditavelmente a parte mais fraca a que botou fogo no
pavio. Como descrever o turbilhão de sentimentos que afloram nos povos envolvidos que também passam a se debater além daquelas fronteiras?
Viramos imediatamente, além de técnicos em futebol, especialistas em
guerra, geopolítica, ideologias, uns cobrando aos outros posições, como se estas
pudessem extinguir o mal maior dos extremistas. As redes sociais repletas de
imagens como se todos estivessem na cobertura aguardando – em suas salas
seguras – invasões, explosões, a destruição de entradas e saídas, as ainda inúteis
tentativas diplomáticas.
As informações desencontradas, os apelos de familiares em busca de
desaparecidos. E, ainda, completando, as ridículas brigas entre jornalistas
procurando palavras com lupa em matérias e comunicados oficiais, mais uma
vez certificando a polarização, a identificação como terroristas ou não, quando
tudo isso já está tão claro diante de nossos olhos. Sempre esteve, mas estamos
com o terrível hábito de justificar guerras, muitas empurradas pelo tempo, ódio
acumulado, esquecidas pelos continentes. Até que nos atinjam, como esta agora,
contrapondo dois povos com direito a viver e em paz, cada um em suas terras.
Embora não exista mais qualquer lugar seguro – e isso é evidente.