Novembro, 2023 - Edição 297
Antiguidades, modernidades e livrarias
Não sou assim tão antigo, mas já começo a me ressentir da
falta que fazem certas pessoas e determinados estabelecimentos. Ficarei pelos últimos: em certa época ir ao Rio de Janeiro foi
para mim sinônimo de visitar a Guitarra de Prata e outras casas
de comércio musical, na rua da Carioca, e a Modern Sound de
Copacabana, na altura da Santa Clara. Ainda no Centro, entre uma
visita ou outra a Santa Cruz dos Militares e à antiga Sé (que servia
também de abrigo contra o calor surreal de certos dias cariocas), a
ida à Livraria da Travessa, no antigo endereço da Sete de Setembro,
à Arlequin, no Paço Imperial, e à Cultura, na Senador Dantas, eram
obrigatórias. Hora do almoço pedia um chope bem tirado para
acompanhar o aperitivo no Bar Luiz.
Tudo isso é lembrança. Mas não se trata de propaganda
nem de saudosismo: relembro aqui endereços comerciais que me
eram caros. Para um ex-acadêmico de engenharia da Pontifícia
Universidade Católica que acabou seguindo outros rumos, o retorno à cidade para rever parentes e amigos me mantinha atualizado
quanto a novidades e lançamentos. Tempos depois, os meus périplos pelo comércio carioca passariam a se espremer entre as agendas das atividades no Instituto Histórico e Geográfico. A partir daí
muitas quartas-feiras eu as passei assim, só retornando a Vitória
no último voo.
O mesmo costume de fuçar endereços culturais cultivo
ainda hoje em Lisboa. Quando das visitas (que a certa altura,
egresso da Faculdade de Direito e por isso ex-morador da cidade,
foram anuais e regulares) a ida à Bertrand, no Chiado, e à livraria
Sá da Costa, mesmo em frente, eram pretexto para encher a mala
de livros que quase sempre excediam na volta o peso permitido. Se
esses endereços se mantêm ainda hoje, no entanto “perdemos” a
Livraria Lello da rua do Carmo, que oferecia inúmeros e preciosos
títulos. Já a Fnac dos Armazéns do Chiado, rua do Carmo acima,
continua para mim imbatível se o assunto é música, clássica em
geral e portuguesa em particular. Mesmo não podendo saber se,
ante a vertiginosidade meio artificial dessa modernidade que nos
é imposta diariamente, encontrarei cds e dvds por lá na próxima
visita.
Modernidade, aliás, que vai tornando cada vez mais difícil a
salutar atividade de garimpar livros em livrarias de verdade: agora
o fazemos entre catálogos on-line, nos sites que põem eventual
encomenda a “um clique” do nosso cartão de crédito. Prático, não
há dúvida, mas acaba subtraindo ao verdadeiro apreciador o prazer de percorrer os corredores entre bancas e estantes de livros e
de discos. Por onde, aliás, não se tomando o devido cuidado, e a
depender da variedade do catálogo, muito facilmente perdem-se
horas a fio entre capas, orelhas e contracapas.
Por tudo isso, não é de admirar que certos estabelecimentos
livreiros que (ainda) permanecem firmes apesar dos tempos que
correm se tornem cada vez mais icônicos para o público em geral,
e não só pelo produto que comercializam. Citar a livraria Lello, no
Porto, e “por aqui por perto” a El Ateneo, de Buenos Aires, e a Más
Puro Verso, de Montevidéu, é obviedade de que não consigo me
furtar. É que as três merecem, mesmo que só pelo interesse arquitetônico, as filas de visitantes diários que a elas acorrem. Coragem,
pois, aos livreiros, e que tenham vida longa as livrarias que ainda
sobrevivem.