Outubro, 2023 - Edição 296
Um tiro contra o Imperador
No dia 14 de julho de 1889, o centenário da Revolução Francesa foi
devidamente comemorado no Rio de Janeiro. Mas as festas tiveram inesperado desfecho: um tiro no Imperador D. Pedro II. O Imperador, sua consorte e a
Princesa Isabel deixavam o Teatro Santana, no Rio de Janeiro, após assistirem a
um concerto, quando ecoaram brados de Viva a República. Este primeiro incidente não teve maiores consequências. Quando a carruagem passava, pouco
à frente, diante da Maison Moderne – o restaurante da predileção dos literatos
da Corte – é disparado, em sua direção, um tiro de revólver, que se perde, sem
atingir o veículo, seus ocupantes ou os batedores. Perpetrara-se um atentado
contra o monarca.
O centenário daquele acontecimento, que se comemoraria a 14 de
julho de 1889, tornou-se o marco de grandes eventos. Até essa data, por exemplo, todos os adeptos da República deveriam ter libertado seus escravos. A Lei
Áurea, porém, frustrou-lhes os objetivos. Contudo, celebraram a efeméride e,
como em outras solenidades, fizeram executar a Marselhesa, para desespero
dos monarquistas. A ojeriza destes pelo hino francês, que lhes sabia como
deboche, está expressa no propósito manifestado por candidato conservador
de, se a sorte sorrisse aos republicanos, no derradeiro pleito eleitoral travado
no Império, refugiar-se em sua fazenda, para não ouvir os acordes provocativos
daquela música.
Inesperada também foi a decisão do júri, que julgou o autor do atentado.
O autor (Adriano do Vale, português de 21 anos de idade) do atentado
foi preso – a grande maioria do júri decidiu pela negativa do fato, absolvendo-o.
O julgamento marcou-se para 23 novembro: Os jurados eram 12 e o réufoi absolvido por 10 votos. Estava repleta a sala do júri, por ocasião do julgamento de Adriano do Vale. Falaram o promotor público Lima Drummond, o
curador Otoni e o defensor Ferreira Lima. Não houve réplica. E, não obstante
o réu ter confessado amplamente o crime. Coisas do júri, dir-se-á. Um fato
provado e confessado resulta inexistente, pela decisão dos jurados
do e confessado resulta inexistente, pela decisão dos jurados.
O 14 de julho foi, portanto, comemorado com efusão ruidosa, em
que se misturavam a Marselha e os vivas à República. E, tudo isso, sem a
mínima interferência policial, diante da mais absoluta complacência das
autoridades. As manifestações hostis ao governo e ao regime tinham cunho
rotineiro, durante o Segundo Reinado. Foi assim que, a 15 de julho de 1889, no
dia seguinte ao que festejara o centésimo aniversário da Queda da Bastilha,
emprestando-lhe um cunho de grande acontecimento republicano, Pedro II e
membros da Família Imperial foram envolvidos em atos afrontosos. Herdando
um Império no limiar da desintegração, Pedro II transformou o Brasil numa
potência emergente na arena internacional.
O reinado de Pedro II veio a um final incomum – ele foi deposto apesar
de altamente apreciado pelo povo e no auge de sua popularidade.
Ele não permitiu qualquer medida contra sua remoção e não apoiou
qualquer tentativa de restauração da monarquia. Passou os seus últimos dois
anos de vida no exílio na Europa, vivendo só e com poucos recursos.
Algumas décadas após sua morte, sua reputação foi restaurada e seus
restos mortais foram trazidos de volta ao Brasil como os de um herói nacional.
Sua reputação perdurou até o presente. Os historiadores o enxergam numa
visão extremamente positiva, sendo considerado por vários o maior brasileiro.
Segundo o professor doutor Arnaldo Niskier: “Quando se debate o que
deve ser lecionado aos nossos alunos, a partir de uma nova concepção de currículo, a variedade é imensa. Na discussão em torno do assunto, a imaginação
é o limite. Chegamos ao absurdo de ler propostas de cortar episódios como a
Inconfidência Mineira e a revolução Farroupilha, sob o pretexto de que não
contém elementos indígenas ou afrodescendentes em número expressivo.
Querem reescrever a nossa história, como se isso fosse possível. Alguns professores defenderam a tese de que devemos abandonar os estudos das nossas
matrizes eurocêntricas, o que atingiria a língua portuguesa, a sua literatura, e
também a história do Brasil. Como abrir mão de tanta riqueza cultural?”